2017/07/11

Likes e tiragens


A página do Facebook chamada Truques da Imprensa Portuguesa (TIP) é paragem obrigatória e a sua leitura é sempre um exercício feito com enorme prazer. 
É um verdadeiro serviço público este que nos é prestado.
O acervo do TIP deveria ser leitura recomendada para qualquer estudante de comunicação e referência para todos os actuais jornalistas.
Um subdirector do Público decidiu publicar na sua página do FB a identidade dos administradores do TIP, nunca divulgada por razões que agora se percebem.  Fá-lo em termos reveladores, usando uma linguagem pidesca, que faz lembrar um período que a criatura, quase de certeza, não viveu, mas cujos métodos então empregues parece ter herdado, revelando nesta "denúncia" saber servir-se deles na perfeição.
Significativo é o facto de a página do TIP no Facebook ter seguramente mais seguidores que a tiragem do Público. E significativo é também o facto de, no post onde é feita a "denúncia",  ter sido colocado um esclarecimento (feito em termos bastante dignos e correctos, que contrasta fortemente com a linguagem trauliteira usada pela "denunciante") de um dos administradores do TIP, que tem 5 vezes (pelos menos tinha há umas horas...) mais likes que a própria "denúncia".
O Público — que eu deixei de ler e, posteriormente, de seguir no FB há muito — e os restantes monos da imprensa portuguesa, não se devem admirar quando vêem fugir-lhes público. Devem antes perguntar-se, com toda a humildade, por que razão páginas como  Truques da Imprensa Portuguesa interessam tantos seguidores.
Por que diabo tanta gente quer descobrir os truques da imprensa portuguesa? Por que será...?

2017/07/10

Do Estado de Graça à Lei de Murphy

Escrevemos, há menos de dois meses, que o nosso primeiro-ministro tinha "estrelinha de campeão". A razão era simples: no primeiro ano sob a sua liderança, os sucessos do governo, a nível politico, social e económico (tanto nacional, como internacional) eram inquestionáveis. Relembro: reembolso total ou parcial de salários, pensões e subsídios, cortados entre 2011 e 2015; recuperação das 35 horas semanais; recuperação de 4 feriados nacionais; controlo do "déficit", abaixo das exigências da União Europeia (2,1%); crescimento económico acima da média europeia (2%); redução da taxa de desemprego (9,8%); aumento das exportações (17%); saldo primário positivo (1,8); o melhor ano de sempre do turismo; pagamento antecipado de juros ao FMI, no valor de 1000 milhões de euros, etc... Como se esta "performance" não fosse, já de si, impressionante, Portugal viu o seu candidato (António Guterres) ser eleito secretário-geral da ONU; a equipa de futebol sagrar-se campeã da Europa; um intérprete português ganhar, pela primeira vez, um concurso da Eurovisão e, "last but not least", o país foi visitado pelo Papa, o que não sendo um feito directamente ligado a este governo, contribuiu para a visibilidade e notoriedade de um país reconhecido por ser um dos mais pacíficos e tolerantes do Mundo. Portugal está "in" e do estrangeiro só vinham elogios. Ou seja, o governo do PS, encontrava-se num verdadeiro "estado de graça", confirmado por todas as projecções eleitorais, que lhe dão mais de 40% nas intenções de voto. Perto da maioria absoluta, portanto...
O sucesso foi de tal ordem, que até o circunspecto Schauble, teve de reconhecer os méritos da política financeira do governo, ao comparar o ministro Mário Centeno ao "Ronaldo das Finanças"!
Ora, diz-nos a sabedoria popular, que da mesma forma que "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe", o contrário não é menos verdadeiro. Era quase inevitável que, mais cedo ou mais tarde, esta sucessão de bons indicadores, fosse ensombrada por outros, menos positivos e, eventualmente, tão funestos, que poderiam fazer esquecer todo o resto.
Se tivéssemos de classificar os acontecimentos das últimas três semanas, provavelmente teríamos de apelidá-las de "mensis horribilis", tal a sucessão de factos negativos com que o país (todos nós) foi confrontado de uma só vez.
Registámos: incêndio de proporções gigantescas na zona de Pedrogão-Grande (64 mortos, 200 feridos, 500 habitações e mais de 100 empresas destruídas, 50.000 hectares ardidos - metade da área ardida em 2016), para além das perdas de material diverso, carros, gado, rebanhos e criação, pertencentes às vítimas. O maior furto de armamento em Portugal, à guarda num dos paióis da base de Tancos; demissão compulsiva dos 5 comandantes responsáveis pelos paióis; duas demissões de generais, em protesto contra a medida aplicada aos seus camaradas da base. Três demissões, de outros tantos secretários de estado, por terem aceitado bilhetes da patrocinadora da selecção nacional de futebol para assistirem aos jogos de Portugal em França; fraude e invalidação da prova final de exame de português deste ano, etc. Como se tudo isto não bastasse, António Costa iria de férias em pleno rescaldo do incêndio e estava ausente, aquando do roubo em Tancos.
"Quando as coisas têm de correr mal, tudo pode correr pior", deve ter pensado o primeiro-ministro. E se é verdade que ainda falta apurar muito do que se passou (as comissões de inquérito já foram constituidas e estão a trabalhar), não é menos verdade que, mais do que apontar culpas, há que apontar responsabilidades. Obviamente que a ministra do MAI não poderá ser "culpada" pelo "downburst" ou pelo raio que rachou o eucalipto e incendiou a pradaria, mas é certamente responsável pela coordenação do ministério que supostamente zela pela protecção civil e pelas forças no terreno, assim como dos contratos ruinosos que pagam sistemas inoperantes! Da mesma forma, que o ministro de defesa, não tem de saber quando são feitas rondas aos paióis e se existem buracos na rede da Base de Tancos, mas tem de dotar as forças militares de meios e pessoas que sejam responsáveis pela política seguida.
Ora o que todos estes factos - ainda que não tenham ligação entre si - vieram demonstrar, é a deficiente preparação e coordenação de múltiplos serviços e meios ao dispôr, que agora se acusam mutuamente, num passar culpas verdadeiramente deplorável.
Restam duas observações:
A primeira, diz respeito aos partidos da oposição (PSD/CDS), que não têm qualquer moral para criticar o actual governo, depois dos cortes e do regime de austeridade imposto durante os anos da "Troika", que vieram debilitar todo um sistema de protecção e defesa, já de si pouco funcional. É verdadeiramente extraordinário, que os maiores arautos do neoliberalismo, defensores de "menos estado, melhor estado", venham agora hipocritamente exigir mais responsabilidade ao estado, que eles foram os primeiros a desmantelar.
A segunda, diz respeito aos compromissos com o pagamento da dívida, nalguns casos superados pelo governo (PS) que, indubitavelmente, limitam a capacidade de investimento do estado, em serviços públicos tão essenciais como a protecção e a segurança, mas também a saúde, a educação ou a justiça, para citar três pilares do estado social. Também este governo parece estar "obcecado" pelo "déficit". Ora, como sabemos, o óptimo pode ser inimigo do bom. Querer, à viva força, diminuir o "déficit" para além do exigido (3%), como o fez o governo, pode agradar a Bruxelas e fazer de Portugal "o bom aluno da UE", mas não ajuda a combater melhor os fogos em Portugal.
Como bem observou um comentador da nossa praça, não podemos querer "ter sol na eira e chuva no nabal": ou pagamos a dívida, ou mantemos o estado social a funcionar. É assim.
Já sabemos o que quer a Troika. Resta saber o que quer o governo.
Esperemos que os recentes e tristes episódios, tenham sido um "turning point" na política de prevenção e planeamento dos gestores da coisa pública. De todos os governos. Para pior, já basta assim...