2019/05/29

Atenção: há tensão no ar!

Acerca das eleições europeias já se disse muita coisa, certamente mais importante do que aquilo que tenho para dizer. Queria apenas aproveitar para deixar aqui um ou dois cêntimos de ideias.
Aristóteles terá dito que a Natureza tem horror ao vácuo e a democracia parece ter horror à abstenção. Perante o público, os políticos, sobretudo os mais sabidões e desavergonhados, simulam horror à abstenção. Mas a verdade é que a abstenção facilita, em muito, a vida política institucional nas democracias do tipo da que temos. Ao contrário do que os abstencionistas ingenuamente crêem, para os políticos com carteira profissional, o melhor mesmo seria votarem neles próprios, sem intervenções terceiras, para garantir a manutenção ou alargamento das suas benesses. Quanto menos confusão, melhor. Durante 48 anos Portugal viveu, justamente, daquilo que podemos designar por abstenção funcional. Sob o ponto de vista prático, não estamos longe disso.
A abstenção foi a grande vencedora da eleição para a Europa, e isso foi claro em Portugal. Ignoro nesta altura se houve valores mais elevados da abstenção noutros países. Mas aqui a abstenção tem um significado que parece estar a ser mal lido.
Vamos ao que interessa. Aqui no território luso, alguns comentários que li e ouvi merecem atenção. Uma faixa de eleitores que eu situaria entre os 20 e os 40 anos, votando ou abstendo-se, não deixou de se manifestar contra esta eleição. Sentem-se descontentes, marginalizados, desprotegidos, desesperançados, impotentes. Não votaram, mas fizeram-no de forma totalmnte consciente. Esta é a geração que vai preceder a geração que vai ter de gramar com a crise ambiental sem retrocesso e a quem vai faltar tudo para continuar a apostar no crescimento sem limite. 
Os sinais da reacção destes eleitores são claros. O seu afastamento da democracia é profundamente preocupante.  Esta eleição dirá pouco a este grupo de eleitores, mas tudo indica que o afastamento se alastrará às outras.
Os mais velhos, a geração do poder, os que montaram ou sustentam todo este gigantesco esquema de Ponzi em que vivemos e de que alguns, em exercício da mais pura e criminosa hipocrisia, se queixam, são exactamente aqueles a quem a abstenção dá imenso jeito, que não querem mudar as coisas, que não se querem mudar a si próprios e teimam em continuar a agir de forma criminosa nos diversos sectores da nossa vida colectiva, como se o mundo tivesse parado há 40 anos e assim fosse ficar. 
Na minha opinião, os donos da actual democracia vão levar com toda esta gente em cima não tarda nada. São 70%, lembre-se, terão esse peso a seu favor. Tendo em conta a forma pouco articulada como exprimem muitas vezes as suas posições e a notória falta de organização, os tempos não serão fáceis para eles, mas que vamos caminhar para um momento de ruptura real e para um contronto, isso parece-me inequívoco. Não é um proble a fácil de resolver: recusar dar aval ao arremedo de democracia ou participar para não a fragilizar ai da mais.
Em qualquer caso, esta eleições europeias, estas singelas, desvalorizadas, quase desapercebidas, eleições europeias, são uma lição. Uma lição escondida da qual ninguém parece querer extrair as devidas conclusões.

2019/05/27

Resultados das Eleições Europeias, confirmam sondagens


O resultado das eleições europeias confirmou, "grosso modo", as projecções avançadas pela maioria dos analistas:
Vitória do PS (Partido Socialista), BE (Bloco de Esquerda) e PAN (Partido dos Animais e da Natureza).
Derrota do PSD (Partido Social-Democrata), CDS (Centro Democrata-Cristão) e CDU (Partido Comunista+Verdes).
Fora do Parlamento Europeu, ficam os novos partidos "Aliança" (liberal de direita) e "Basta!" (extrema-direita xenófoba) que, há um mês atrás, chegaram a ser referidos como potenciais ganhadores.
Contas feitas, o PS conseguiu 33,4% dos votos (9 deputados), o PSD 21,9% (6 deputados), o BE 9,8% (2 deputados), o CDU 6,9 (1 deputado), o CDS 6,2 (1 deputado) e o PAN 5,8 (1 deputado). À hora de escrevermos este texto, faltava atribuir 1 lugar de deputado, que poderá ser do PS ou do CDU.
Com este resultado, os socialistas vêem reforçada a sua liderança, já que tiveram mais votos do que a direita em conjunto (PSD e CDS), a maior derrotada da noite. Não por acaso, no seu discurso de vitória, António Costa referiu a confiança dos eleitores na actual solução governativa, o que pode indiciar uma nova "geringonça", após as eleições legislativas de Outubro. Resta saber, a quem Costa  se aliará, caso obtenha uma vitória sem maioria absoluta. Dada a quebra de votos na CDU, resta o BE e, eventualmente, o PAN, para formar nova coligação.
Sem surpresa, mas lamentável, foi o nível de abstenção (68%6), a maior de sempre desde a adesão de Portugal à UE. Como sublinhou o presidente da república, "os portugueses abstencionistas escolheram não escolher". Números dramáticos que devem fazer pensar os políticos (aqui e na Europa) sobre a forma como fazem e transmitem as suas (ideias) políticas quando governam. 
Já na Europa houve resultados para todos os gostos:
Crescimento da extrema-direita nacionalista, xenófoba e anti-imigração em França, Itália, Hungria, Polónia e Bélgica; crescimento dos euro-cépticos no Reino-Unido e entrada do VOX (Espanha) e do FvD (Holanda), pela primeira vez no PE. E, bons resultados, que permitem uma contenção do crescimento dos movimentos populistas, obtidos na Holanda, na Alemanha e em Espanha, com vitórias respectivas do PvDA, da CDU, dos Verdes e do PSOE, que obrigarão a um novo (re)arranjo das bancadas parlamentares no PE, onde a maior fracção (PPE) deixou de ter a maioria. Entretanto, na Grécia, Tsipras anunciou eleições antecipadas para Julho, na tentativa de manter o governo do Syriza, ameaçado pela Nova Democracia (liberais de direita), os vencedores das eleições de ontem.
Resumindo: crescimento dos partidos de extrema-direita, ainda que abaixo das previsões (têm agora 10% dos deputados do hemiciclo europeu); menor crescimento dos partidos euro-cépticos (provavelmente "assustados", com as complicações do "Brexit"); vitórias claras dos partidos sociais-democratas, em Portugal, em Espanha e na Holanda; vitórias relativas dos liberais, conservadores e  "verdes", em países como a Irlanda, a Áustria e a Alemanha.
Neste quadro, Portugal é uma excepção, sendo um dos poucos países onde os movimentos populistas e de extrema-direita são residuais. Nada mau.