2018/10/31

DOCLisboa 2018 (Conclusão)


Terminou mais uma edição do DOCLisboa.
No último dia do festival, tempo para prémios e filmes em sessões duplas.
Destaque para "Eldorado" do suiço Markus Imhoof (2018), uma co-produção suiça-alemã sobre um dos temas da actualidade: a crise dos refugiados. A partir da correspondência trocada com uma amiga judia, adoptada pela sua família durante a guerra, Imhoof traça um paralelo com a actual vaga de refugiados, que chegam à Europa vindos de África e do Médio-Oriente. O filme acompanha as diferentes etapas da fuga, desde a travessia e recolha dos náufragos por uma corveta italiana, em pleno mediterrâneo, até à chegada a terra firme, onde têm de passar pelo crivo burocrático da identificação e permanência em campos de detenção, antes de poder (ou não) seguir viagem. Uma verdadeira odisseia, relatada na primeira pessoa pelos refugiados, vítimas de conflitos regionais e explorados pelas redes de tráfico humano que operam na costa africana.
Greetings from Free Forests
Uma vez em terra (Itália) espera-os a máfia local que aproveita a sua permanência para explorá-los na apanha do tomate e outras tarefas agrícolas. Não faltam os momentos de tensão, próprios destes centros, onde milhares de migrantes esperam por uma decisão que pode mudar a sua vida. Para muitos (a maioria) a decisão será negativa e nada mais restará do que a extradição, enquanto que, para outros, o caminho continua, na melhor das hipóteses até à Suiça, onde cada cantão aplica a sua própria política de acolhimento.
Um filme divertido, com base num episódio real, passado no Chile, seria "Stealing Rodin" (Cristóbal Berrios) , onde se conta o desaparecimento de uma famosa estátua do escultor francês, durante uma exposição da sua obra, no Museu de Arte da Cidade. Um estudante de arte, resolve roubar e esconder uma das obras expostas e utilizá-la para o seu exame final, onde defende a tese de que a arte só pode ser devidamente apreciada, quando se dá pela falta dela. Uma história bem contada, onde os principais personagens representam o seu próprio papel.

Terra
Interessante, seria a trilogia de filmes sírios, do realizador Omar Amiralay, integrada na secção "Foco: navegar o Eufrates, viajar no tempo do Mundo". Através de belas imagens, num estilo que, a espaços lembra Joris Ivens, o realizador mostra-nos a ascensão e queda da utopia representada pela ilusão de socialismo e progresso prometidos pelo partido Baath, no poder desde a segunda guerra mundial. Do entusiasmo em torno da barragem de Tabqa, no vale do Eufrates; à vida quotidiana de uma aldeia síria em que as pessoas são abandonadas pelo governo, ao afundar definitivo da esperança democrática, numa autocracia rígida, em que se mantiveram as antigas estruturas tribais, os filmes de Omar Amiralay formam um painel representativo da Síria contemporânea.
Finalmente, os principais prémios do Festival.
Grande Prémio, competição internacional: "Greetings from Free Forests" de Ian Soroka.          
Prémio SPA: "The Guest" de Sebastian Weber.
Grande Prémio, competição portuguesa: "Terra" de Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres.
Menção Honrosa: "Vacas e Rainhas" de Laura Marques. 
Prémio do Público: "Vadio" de Stefan Lechner.
E é tudo. Para o ano há mais. 

2018/10/29

Bye Bye Brasil...


... É o título de um dos mais célebres filmes brasileiros da década de 1970, quando a ditadura militar governava e, para além da repressão e da tortura, vendia o país a retalho a multinacionais estrangeiras.
O filme, uma comédia de Carlos Diegues (1979), sobre as peripécias de uma família de saltimbancos em viagem pela Transamazonia, mostra um país de contrastes e desigualdades, tendo como pano de fundo a luta pela sobrevivência dos seus habitantes e a exploração desenfreada das suas riquezas naturais.
Sobre a obra escreveu, então, o crítico Cassiano Terra Rodrigues no "Correio Cidadania":
"Bye Bye Brasil é um filme de um país que está deixando de ser o que por muito tempo foi para se tornar não se sabe o quê...". Lembrei-me desta citação, quando assistia ontem à emissão especial de um canal televisivo sobre o acto eleitoral brasileiro.
Ainda que o resultado final não tenha sido propriamente uma surpresa (todas as projecções apontavam neste sentido), o facto de 57 milhões de brasileiros terem votado num bronco fascista é por demais preocupante para deixar indiferente qualquer democrata.
O Brasil (e por extensão, a América Latina) corre o risco de um retrocesso civilizacional, como não se via desde a década de setenta, quando a maior parte do continente sul-americano era governada por juntas militares, cuja política assentava na repressão, na tortura e na morte dos seus oponentes. Foi assim no Brasil, como no Chile e na Argentina, no Uruguay, como no Paraguay... O tempo da "operação Condor", idealizada por Kissinger e executada com o apoio da CIA. Toda a gente está lembrada disso e existem quilómetros de documentação escrita e filmada sobre os "anos de chumbo" que se abateu sobre a América do Sul, certamente um dos períodos mais negros do pós-guerra no Mundo Ocidental. Já lá vão mais de trinta anos e, desde então, muita coisa mudou no Mundo, a começar pelo Fascismo clássico que, não tendo desaparecido, ganhou, entretanto, outras formas. Com a queda do "muro de Berlim" e a implosão da União Soviética, o "papão comunista" pode ter desaparecido, mas a apetência pelas riquezas naturais, não. A "globalização" que se seguiu, ao contrário do que muitos profetizavam, não trouxe mais riqueza para todos e, muito menos, melhor distribuição dessa mesma riqueza. Os ricos aumentaram os seus proveitos (50% da riqueza do Mundo está, hoje, nas mãos de 1% da população mundial) e o capitalismo, agora menos regulado, tornou-se ainda mais predador do que já era.
A desregulação do sistema (que originou uma transferência do capital produtivo para a esfera do capital especulativo) levou os agentes económicos a procurar outras formas de intervenção que, em períodos de crescimento económico e em sistemas democráticos estáveis dispensa intervenções "musculadas", mas que, em regimes fracos, podem ser equacionadas. 
O que se está a passar no Brasil, como de resto noutras partes do Mundo - do Brexit inglês, à América de Trump, passando pela Hungria de Órban, ou à Austria e à Itália, onde governam  ditadores do "novo tipo" - não se trata de um hiper-fenómeno, mas de uma tendência que tem vindo a alastrar nos últimos anos. É verdade que o fascismo de hoje, tem características diferentes daquelas enunciadas por Eco no ensaio "Como reconhecer o fascismo" (Relógio de Água, 2017) no qual, o conhecido semiólogo italiano, utiliza 14 arquétipos para definir a "besta". No entanto, bastou ter ouvido Bolsonaro durante a campanha eleitoral (durante a qual se recusou a debater com o oponente) para reconhecer os principais traços de um ditador. Está lá tudo: o culto da tradição, a rejeição do modernismo, o irracionalismo, o sincretismo, o medo da diferença, o apelo às classes médias frustradas, a obsessão da conspiração, o nacionalismo, a deslocação do registo retórico, o apelo à violência, o desprezo pelos fracos, o culto dos heróis, o machismo, o populismo, a "neolíngua". Não por acaso, Bolsonaro é apoiado pelas forças armadas (bala), pelas seitas evangélicas (bíblia) e pelos grandes agrários (boiada), os três "Bs" que sustentam a sua candidatura. Que esperar de um candidato que elogiou a ditadura e, em pleno congresso, deu vivas a Ustra, o torturador-mor da junta brasileira; que disse que a ditadura matou pouca gente e que Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente da República) devia ter sido morto; que as mulheres deviam ganhar menos que os homens e que as pobres deviam ser esterilizadas porque têm muitos filhos; que bandido morto é bandido bom; que quer armar a população; e que não gostaria que um filho seu fosse homosexual, entra outras barbaridades? Bom, esse candidato é Bolsonaro, ontem eleito presidente da maior democracia da América do Sul. Os brasileiros que nele votaram, não podem dizer que não sabiam. Todas estas declarações estão gravadas e foram amplamente noticiadas em todo o Mundo. Tiveram o apoio de mais de 50 milhões de votantes, muitos conscientes do que queriam, outros sem consciência alguma. Que se seguirá? Não sabemos, mas parece que governar o Brasil parece, agora, estar tão distante, como no filme de Diegues.
Nota final: em Portugal, os imigrantes brasileiros superaram os 55% atingidos pelo candidato fascista na média final. Mais de 64%, só em Lisboa! É obra. Perante tais números e partindo do princípio que estes "bolsonaristas", agora, já não têm nada a temer e podem regressar à pátria, faço, desde já, uma sugestão: trocá-los por um número igual de democratas brasileiros. Desta forma, ganhamos todos.