2009/01/17

Mais crescimento negativo

O orçamento rectificativo, agora baptizado de "suplementar", veio confirmar o que já sabíamos: a economia não descola, as exportações diminuiram, o desemprego aumentará para 8,5% e o famigerado "déficit" para 3,9%...uma "contracção" e peras, para usar o jargão economista. Claro está que a crise veio de "fora" e, não fosse o debacle internacional, Portugal estaria em condições de resistir à estagnação.
Porque a procissão ainda vai no adro e o ano é longo, dizem-nos alguns especialistas - essas cassandras da desgraça - que este não será o único orçamento "suplementar". Outros se seguirão...
Em ano eleitoral, é de prever mais acertos e apoios estatais em obras, faraónicas e outras, que mantenham a economia virtual em alta. Vale tudo, porque tudo é válido para um governo que fez da demagogia a sua arma de eleição.
O mal não está só na crise, que é real e atinge milhões de portugueses. O mal está nestes governantes que, olimpicamente, continuam a ignorar os sinais e avisos vindos dos mais diversos quadrantes, mantendo-se numa rota suicida que só pode conduzir ao descalabro.
Os primeiros sinais estão aí. Depois de um ano consecutivo de sondagens, as tendências do eleitorado permanecem estáveis: mesmo ganhando, o PS perde a maioria absoluta, o que pode abrir um novo ciclo político. Um pouco à imagem do orçamento: cresce, mas negativamente...

2009/01/14

Um monte de sarilhos...

...é o que espera as mulheres portuguesas que venham a casar-se com muçulmanos, na opinião do Cardeal Patriarca de Lisboa que ontem, em sessão pública na Figueira da Foz, aconselhava: "cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde acabam".
Não sei onde é que D. Policarpo foi buscar tais certezas, mas esta declaração de intolerância e proselitismo não fica nada bem a um representante de uma igreja que advoga a tolerância e o diálogo. Para dogmas já bastam os "mullahs" de serviço. Não precisamos de mais em Lisboa.

O estado da arte e a "arte" do Estado

Neste país já nada nos consegue surpreender. Vivemos na corda bamba do território previsível, seguros de que ao caír seremos amparados pela rede da meta-crise. Esta condição retira, é certo, margem de manobra ao inesperado, cava a depressão, mas não deve diminuir a nossa capacidade de repulsa.
Vem isto a propósito da declaração do Ministro da Cultura sobre o apoio aos artistas, como resposta a uma interpelação feita no Palácio Foz por Paula Castro Guimarães ao Primeiro Ministro, durante a apresentação dos programas Inov-Art e Inov-Mundus.
A interpelação correu os orgãos de comunicação social, que a mostraram, bem como a reacção do PM, e motivou um comunicado da Miso Music Portugal que pode ser lido aqui.
Factos são factos: Portugal está no fim da escala dos parceiros europeus no que diz respeito aos indicadores que medem o desenvolvimento. Mas, no plano específico da cultura (a distinção que faço aqui entre cultura e desenvolvimento é artificial, eu sei, e só imposições de natureza retórica a justificam), esta escala não serve. Portugal é hoje um país que só encontrará adversários à altura naquelas ditaduras retrógradas, palco de constantes lutas tribais, cujo território é totalmente sulcado por esgotos humanos a céu aberto.
A cultura tóxica não é de hoje certamente, mas o actual executivo fez questão de lhe aumentar a toxicidade. Não só em razão da linha política geral seguida, sem perspectiva, sem espessura, inculta, que hoje, todos o compreendemos, não passa de um enorme logro. Mas também porque no sector específico da cultura --liderado sucessivamente por dois personagens cuja actuação sugere frequentemente estarmos em pleno reino do poltergeist-- se alcançou o nível zero. É o pior do mau! É o retorno ao período mais negro, dos dias mais negros que jamais vivemos nesta matéria!
Os tiques autoritários evidenciados nas respostas destes governantes, perante uma interpelação, totalmente pertinente, feita com toda a legitimidade e com enorme coragem (um facto digno de realce neste país de cágados...), são fáceis de explicar. Ainda estão no tempo em que quando se ouvia falar de cultura se sacava do revólver. Falta classe à classe política. Bem poderiam aproveitar o tal projecto das "Novas Oportunidades" para se reciclarem a eles próprios e subirem um pouco a altura do seu voo. Neste momento não passam de aves de voo raso.
Estas figurinhas são, contudo, as mesmas que quando partem em viagem de Estado, ou quando precisam de imagens fortes para promover o país se encavalitam nas artes e nos artistas para mostrarem ao mundo as nossas e as suas virtudes... Mas, não se pode tomar banho com perfume. Antes de o perfumar, o corpo precisa de passar por uma boa barrela, com um bom sabão e água. De outro modo o mau cheiro sente-se sempre lá ao fundo.
Os artistas, esses, continuam a sua cruzada solitária, fazendo todos os dias das tripas coração e buscando fora os apoios que a sua terra lhes sonega. A democracia ainda não mora aqui.