2021/12/15

It's a Pandemic, Sir!

O Intercidades, que liga Lisboa a Faro, tinha acabado de entrar na plataforma 4, como é habitual. Eram cerca das 13.45h e dirigi-me calmamente para a carruagem 81, a última da composição, normalmente ligada ao bar do comboio. Preparava-me para entrar, quando ouço uma voz em altos gritos: "Senhor, senhor, não pode entrar! Estão a fazer a limpeza da carruagem".  Acenei para o homem à distância e fiz-lhe um sinal que estava tudo bem. Afinal, ainda faltava meia-hora para a partida...

Enquanto consultava as mensagens no telemóvel, o mesmo homem (conductor) passou por mim aos gritos: "já pode entrar, já pode entrar!". Muito bem, respondi e dirigi-me para o meu lugar, que ocupei de imediato. O comboio, só sairia às 14.15h. Um ritual, que sei de cor, após anos a fazer este percurso. 

Em Albufeira, começaram a entrar os estrangeiros, como é habitual naquela estação, tendo o conductor dado início ao controlo dos bilhetes. Quando chegou a minha vez, depois de examinar o bilhete (tenho desconto de 50%) pediu-me o Cartão de Cidadão, só "para confirmar a idade"...

Lembro-me de ter adormecido, algures durante a travessia da serra algarvia. Já perto da Funcheira, fui acordado pelo referido conductor aos gritos: "O senhor tem de colocar imediatamente a máscara!". O homem estava a metros de mim e, sem saber a quem ele se dirigia, perguntei se estava a falar comigo. "Sim, é com o senhor, mesmo. A máscara é obrigatória e tem de cobrir o nariz!". Fiz-lhe um sinal de concordância e, ainda meio aturdido, puxei a máscara para cima.

Já acordado, fui ao bar beber um café e voltei ao meu lugar, onde iniciei a leitura de um livro, agora com máscara e óculos postos. Porque os óculos se embaciam, sempre que ponho a máscara, baixei ligeiramente a dita, mantendo o nariz de fora. A coisa, durou até Grândola, quando o homem, surgido detrás de mim, gritou-me ao ouvido: "O senhor tem de ter o nariz coberto e já é a segunda vez que o aviso! Não volto a avisá-lo outra vez!". 

Levantei-me, dirige-me ao sujeito e perguntei-lhe, já alterado: "Ouça lá, você fala assim com todas as pessoas? Aos gritos e dessa forma autoritária? Quem julga você que é? O dono do comboio? Isto aqui não é um nenhum quartel e muito menos uma escola primária!". O homem, olhou para mim, com os olhos muito abertos. Continuei: "Você pode dizer as mesmas coisas em tom cordial e pedir as pessoas para manterem a máscara. Qualquer pessoa percebe e não há nenhum problema nisso. Não gosto de pessoas autoritárias e, se volta a falar nesse tom, comigo não resulta. E agora, vá bugiar" (confesso que o termo foi outro)! E voltei à leitura, com a máscara correctamente posta. 

O homem, deu dois passos para trás, pôs-se ao lado da minha cadeira e começou a digitar freneticamente no seu telemóvel. Continuei a ler, enquanto o observava pelo canto do olho. Ao fim de alguns minutos, alguém deve ter respondido do outro lado e ouvi-o dizer em voz alta: "Sim, sou eu, desculpa incomodar-vos, mas tinha aqui um passageiro que se recusava a pôr a máscara (!?). Entretanto, o senhor já corrigiu e agora está tudo bem. Podes desligar". Posto isto, desapareceu.

Estávamos já perto de Lisboa quando o zelote reentrou na carruagem e parou em frente a mim. Receei o pior. Afinal, era para repreender um estrangeiro (americano?) que, supostamente, não teria a máscara bem posta. O infractor olhou para o conductor, aparentemente sem perceber patavina e disse: "I'm sorry, I don't speak portuguese"...

"You, don't speak portuguese? But, you speak english, right?". O outro olhou para a namorada e para ele e retorquiu com uma calma imperial: "Yes, I do".

"Well, sir, then you must know, that according to the portuguese law, you're obliged to wear a mask that covers you nose, inside the train". "Ok, ok, don't worry...", disse o americano, obediente. O zelote olhou triunfante para mim e, qual Arquimedes maravilhado com a sua descoberta, repetiu para quem o queria ouvir: "It's a pandemic, you know. It's a pandemic, sir!".