2021/01/25

Eleições Presidenciais: O esperado e as surpresas

O resultado das eleições presidenciais, ontem realizadas, não deve surpreender os seguidores destas coisas, tanto mais que o vencedor estava anunciado há muito e a questão principal nunca se pôs em termos de quem podia ganhar a Marcelo, mas qual o candidato que mais hipóteses tinha de forçar uma segunda volta. Esta era a questão central.

Depois, havia outras questões secundárias, mas nem por isso menos importantes (em termos simbólicos), que era a de saber se, atrás de Marcelo, ficaria uma democrata (Ana Gomes) ou um populista de extrema-direita (André Ventura). 

Finalmente, o nível de abstenção que, em tempos de pandemia, podia comprometer o próprio acto eleitoral. Marcelo, que "não dá ponto sem nó", chegou a aventar a hipótese de uma 2ª volta, caso a participação eleitoral fosse baixa, o que impediria o vencedor de conseguir os almejados 50% + 1, necessários para  uma vitória à primeira.

Em termos globais, as votações nos principais candidatos, não estiveram muito longe das sondagens publicadas nas últimas semanas: Marcelo (60,7%), Ana Gomes (12,97%), André Ventura (11,9%), João Ferreira (4,32%), Tiago Mayan (3,22%) e Vitorino Silva (2,94%), cumpriram os mínimos esperados. As abstenções atingiram 60,51% o que, sendo imenso, ficou abaixo das piores estimativas. Também aqui, não houve propriamente surpresas, para mais se tivermos em conta o período de confinamento que atravessamos. 

Primeira conclusão: venceram as forças democráticas (88%) que derrotaram as forças anti-democráticas (11,9%).

Segunda conclusão: os dois primeiros classificados (Marcelo e Ana Gomes) concorreram sem o apoio dos seus partidos o que, no caso de Marcelo, não era necessário, pois o presidente recebeu votos de todos os quadrantes políticos. Já Ana Gomes, que se apresentou como candidata à revelia do seu partido, seria ignorada pela direcção do PS, que escolheu apoiar Marcelo, o candidato preferido do primeiro-ministro. 

Terceira conclusão: os partidos de esquerda (PCP, BE) concorreram com candidaturas próprias (João Ferreira e Marisa Matias) abdicando de uma convergência à esquerda (que podia passar por um apoio a Ana Gomes) o que lhes foi fatal. Foram os grandes perdedores da noite.

Quarta conclusão: o bom resultado, conseguido pelo candidato "anti-sistema", não deve surpreender, já que todas as projecções apontavam nesse sentido. Mais surpreendente, foram as percentagens obtidas nos distritos de Portalegre, Évora e Beja, onde tradicionalmente o PCP tem mais apoiantes e onde Ventura ficou à frente dos comunistas. 

Quinta conclusão: Tiago Mayan, o candidato da Iniciativa Liberal, conseguiu melhor resultado do que o partido a que pertence, o que pode indicar uma subida (relativa) dos "liberais" no futuro. 

Sexta conclusão: em termos globais, pode dizer-se que a "direita" (a democrática e a autoritária) ganhou estas eleições e que a "esquerda" foi a grande derrotada. Porque se trataram de eleições presidenciais, onde as candidaturas são uni-pessoais e os militantes são livres de votarem em candidatos da sua preferência, os resultados de ontem dificilmente poderão ser extrapolados para eleições futuras, sejam as autárquicas sejam as legislativas. De resto, já depois de apurados os votos, a RTP/Católica apresentou uma sondagem feita à boca das urnas, sobre eleições legislativas. À pergunta "se houvesse eleições legislativas hoje, em que partido votaria?", responderam 4000 entrevistados: PS 35%, PSD 23%, Chega 9%, BE 8%, IL 7%, CDU 6%, Pan 2%, CDS 2%, Livre 1%. De acordo com esta sondagem, a Esquerda teria 52% dos votos e a Direita 41%, o que possibilitaria uma nova coligação maioritária de esquerda no parlamento.  

Sétima conclusão: votos como os de Ana Gomes, por exemplo, não servirão de muito no futuro, já que o seu espaço de acção diminuiu dentro do PS, onde os anti-corpos gerados são agora maiores. Já o voto em Ventura, serviu para testar a popularidade do líder num partido uni-pessoal, criado à sua imagem. Ventura, que tinha prometido demitir-se da liderança do partido (caso ficasse atrás de Ana Gomes), cumpriu a promessa para (no minuto seguinte) anunciar recandidatar-se, caso fosse esse o desejo dos militantes...Já vimos este "filme" em qualquer lado (Sá Carneiro, Cavaco Silva, etc...) pelo que nem sequer é original. Muito usado por ditadores em potência, que se apresentam como líderes insubstituíveis (Berlusconi, Conti, Chavez, Salvini, Wilders, Baudet...).       

Oitava conclusão:  Os fracos resultados de João Ferreira e de Marisa Matias, ainda que por razões diferentes, devem obrigar os partidos a que pertencem (PCP e BE) a reflectir sobre temas e políticas de unidade que esses mesmos temas podem gerar no futuro. Para o PCP, a sua incapacidade em lidar com temas fracturantes, é notória (eutanásia, aborto, adopção, touradas) para não falar no apoio a regimes ditatoriais como a Coreia do Norte, Angola, Russia ou a Venezuela, que alienam o partido das gerações mais jovens. O resultado de Marisa Matias, terá mais a ver com a posição do Bloco na votação do último OE e a transferência de votos do BE para Ana Gomes (voto útil), que impediu o 2º lugar de Ventura.

Para Marcelo, o vencedor incontestado, a tarefa não se afigura fácil: o governo (minoritário) do PS, está a braços com a maior crise epidémica, económica e social do seu mandato. Ao falhar uma "2ª geringonça",  o governo hipotecou a possibilidade de um acordo à esquerda. À direita, Marcelo também não tem alternativa, já que a direita está agora mais fragmentada que nunca e refém do um partido anti-sistema, com o qual ninguém parece querer governar. As trapalhadas do governo sucedem-se e não é improvável que a legislatura não chegue ao fim. Nesse caso, haveria de novo eleições, um cenário que ninguém, à excepção do Chega, deseja. Adivinha-se um segundo mandato difícil e mais interventivo.

Finalmente, a organização: não se compreende que continuemos a votar pessoalmente e a perder horas em filas, para mais numa situação de pandemia, que recomendava um maior distanciamento e regras sanitárias apertadas. Porque não instituir o voto por correspondência e alargar o período eleitoral por mais do que um dia? Ou introduzir o voto electrónico que, de resto, já foi testado no passado? Depois: o boletim de voto, tinha 8 candidatos. O primeiro candidato do boletim, nem sequer tinha obtido as 7500 assinaturas necessárias para a sua legalização, mas tinha o seu nome e foto impressa no boletim! Custava muito mandar imprimir novos boletins de voto?

Seguem-se, no Outono, as eleições autárquicas. Até lá, resta-nos o combate à pandemia e as suas consequências. A prioridade das prioridades. Para o presidente e para o governo.