2012/04/05

A mentira instituida como regra

Já estávamos habituados, por isso não devíamos estranhar.
O seu uso começou há muito e nem sequer é apanágio dos políticos portugueses.
Digamos que faz parte do jogo político, ainda que a "política" continue a ser considerada a mais nobre das artes.
Também sabemos que a verdade é "revolucionária", mas nem toda a gente quer ouvir falar dela, quanto mais revelá-la.
Vivemos, assim, numa espécie de realidade virtual, onde nos impingem a mentira todos os dias para que, mesmo quando nela não acreditamos, possamos viver mais descansados com a nossa consciência. Porque a "consciência" anda adormecida, cometem-se as maiores barbaridades em nome de uma coisa que se chama democracia, sem que a maioria das pessoas se indigne.
O anúncio, ontem matreiramente anunciado pelo primeiro-ministro (sobre a extensão do período de congelamento dos subsídios de férias e de Natal até 2015) e hoje confirmado pelo ministro das finanças na AR, é o exemplo acabado do despudor a que chegaram estes merdosos políticos.
Pensávamos já ter assistido ao pior e queremos sempre acreditar que, lá no fundo, "eles" não são todos iguais e alguns (quais?) até querem o nosso bem. É mentira.
Por isso não devemos estranhar.
Mais: é preciso denunciá-los todos os dias, todos os políticos e todos os partidos que eles representam, porque eles não nos representam. Para que a mentira não seja instituida como regra.

2012/04/03

Amêndoas amargas...

Segundo o Comité de Protecção de Jornalistas, morreram desde 1992 em todo o mundo 908 jornalistas. Iraque, Síria, Argélia, Paquistão, Somália, Afeganistão, etc, são alguns dos países onde mais jornalistas foram mortos. Morreram no decorrer de missões perigosas, apanhados em fogo cruzado ou, na esmagadora maioria dos casos, assassinados.

Ao divulgar estas mortes, ninguém, incluindo este tipo de associações como o CPJ, as confunde com os conflitos no âmbito dos quais elas ocorreram. Tão pouco que ninguém, certamente, com um mínimo de senso, teria a lata de atribuir as causas dos conflitos à morte de um jornalista. Por mais heróica que seja a sua acção, os jornalistas são vítimas acidentais, mas conscientes, de acontecimentos que os transcendem. São espectadores indesejados que entram pelos bastidores do teatro de operações.

Hoje ficou-se a saber que os agentes que causaram os distúrbios do passado dia 22 vão ser objecto de procedimentos disciplinares. Em causa, pelo que se percebe, parecem contudo estar apenas as agressões de que foram vítimas os repórteres fotográficos da Lusa e da AFP. Os manifestantes e, em particular, os transeuntes vítimas da actuação indigna da polícia pouco parecem preocupar os responsáveis.

O que os génios da propaganda governamental (com o PR a fazer coro) parecem querer fazer é criar um "acontecimento" à volta das agressões aos repórteres para ofuscar os motivos e o debate em torno dos problemas que estão a levar as pessoas a vir reclamar para a rua. Os jornalistas da Lusa e da AFP deram um jeitão à agenda do governo. Só não vê, a partir de agora, quem não quiser mesmo ver: a origem de toda a crise que atravessamos reside no facto de a polícia ter batido nos jornalistas no passado dia 22...

Falando de governo, também parece que se quisermos saber se é verdade ou não que agentes à paisana se meteram no meio dos manifestantes, lançando petardos e provocações e, sobretudo, se é verdade ou não que a polícia recebeu ordens para provocar a desordem no dia 22 (*), o melhor é esperarmos sentados. Nem os jornais parecem preocupados com o assunto. Continuo sem perceber por que razão, quando há "jogos de risco" e possibilidades reais de distúrbios com claques dos clubes de futebol, é mobilizado um dispositivo significativo de agentes —com conferências de imprensa, pisteiros e batedores!— que consegue conter com sucesso uma turba de mentecaptos que não procuram outra coisa que não seja o confronto, e, no caso de uma manifestação cívica, como estas a que temos vindo a assistir, o mesmo dispositivo se revela totalmente incapaz de usar os mesmos procedimentos, a mesma tolerância, paciência e paninhos quentes usados com os mentecaptos para manter a ordem pública. E sem provocações! São mistérios que ninguém consegue entender...

Como estamos em período de celebração da Páscoa, o governo parece já ter encontrado os carneiros para o sacrifício. E a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia acha bem...

(*) Os vários responsáveis por este triste espectáculo que foi a actuação da polícia no dia 22 ainda não perceberam que esta ideia do acto individual, para que apontam as "averiguações" em curso, piora a sua imagem e a da corporação. Se houvesse margem para tantos actos individuais é porque não havia comando.