2020/05/11

Oito semanas noutra cidade: Começou a Fase 1...


Em Espanha, 51% da população entrou, esta semana, na Fase 1 do desconfinamento.
São 11, as actividades permitidas nesta fase, a saber:
Reuniões sociais até 10 pessoas; abertura de pequenos comércios; abertura de esplanadas (50% do espaço); abertura de hotéis e estabelecimentos turísticos; abertura de lugares de culto (30% de participantes); sectores agro-alimentares e pesqueiros; treinos de equipas profissionais; mercados ao ar livre; espectáculos culturais em sala (até 30 pessoas); espectáculos culturais ao ar livre (até 200 pessoas); visitas a museus (30% de visitantes); velórios (em círculo restrito).
De todas as medidas, a mais importante foi a abertura dos pequenos comércios. A razão é simples: abriram os barbeiros.  Pela primeira vez, em 3 meses, pude voltar a cortar o cabelo e a barba. Um luxo, com direito a reserva feita de véspera, e o primeiro cliente a ser atendido ainda não eram 9h da manhã!... Com um sorriso nos olhos, que a sua dupla protecção (máscara e viseira) denunciavam, o verdadeiro Barbeiro de Sevilha "despachou-me" em menos de meia-hora. Cá fora, enquanto aguardavam pela sua vez, dois clientes, de máscara posta, discutiam os inconvenientes do confinamento.
De facto, não tem sido fácil a vida nas últimas semanas, pesem as declarações dos principais responsáveis pela gestão da crise (governo e autoridades sanitárias) nesta luta contra o tempo em que todas as variáveis importantes (saúde, economia, apoios sociais) são avaliadas diariamente. Só no passado fim-de-semana foi possível desbloquear a resistência de dois partidos da oposição (Ciudadanos e PNV) às medidas anunciadas pelo governo para as diferentes regiões espanholas. Devido ao elevado perigo de contágio, ficaram de fora da fase 1 as regiões de Madrid, Cataluña, Valencia e Castilla y León. Em Andaluzia, uma das regiões com mais baixo índice de infectados, só Granada e Málaga, não passaram à fase 1. Todas as restantes regiões de Espanha (correspondendo a mais de 50% da população total) passou o primeiro teste. À medida que o número de infectados e de mortes decrescer, passar-se-á às fases seguintes, com a duração média de 15 dias por fase. De acordo com os últimos dados, a Espanha registava, este fim-de-semana, um total de 268.143 infectados, um total de 26.774 mortos e 123 novos casos registados, o mais baixo número desde o início da epidemia. Já em número de mortes por milhão de habitantes, o país regista 572 casos, uma das mais altas percentagens a nível mundial.
Porque as comparações são inevitáveis, o jornal "El País" dedicou uma página inteira, da sua edição de domingo, ao nosso país, sob o título: "Portugal: misma península, cinco veces menos muertes". No extenso artigo, da autoria de P. Linde e J. Martín de Barrio (correspondente em Lisboa), os articulistas perguntam-se: "?Cual es el secreto? ?Cuales son las diferencias entre dos países de cultura similar que comparten una misma península? Los expertos de uno y otro lado de la frontera señalan varios factores, como el menor trânsito de viajeros (especialmente con Italia), pero, sobre todo, coinciden en que los lusos actuaron antes. Tuvieron tiempo de ver lo que pasaba en otros países y, con un centenar de positivos y sin fallecimientos, declararon el estado de alarma, algo que en España se decidió com 4.209 positivos e 120 decesos. Para la epidemióloga Rita Sá Machado, "lo fundamental ha sido la anticipación y aplicación precoz de las medidas de salud pública, como el cierre de las escuelas". El Govierno lo ordenó el jueves 12 de Marzo (78 contagios en el país) y se aplicó el lunes 16 (331 contagios y la primera muerte). Una semana depués comenzaba el estado de emergencia (1.200 contagios e 12 muertes). "También fueron muy importantes la variedad de medidas aplicadas entonces, pues permitieron controlar la expansión de la epidemia".
O artigo contém ainda opiniões de Alberto Infante (especialista em saúde pública) e de António Pires de Lima (ex-ministro de economia de Passos Coelho). Ambos coincidem na leitura feita pela epidemióloga, elogiando a pronta reacção do governo, ainda que este (relativo) sucesso, seja temperado pelas avisadas precauções de Graça de Freitas, directora-geral da saúde, ao alertar para os perigos de uma recidiva, agora que a população portuguesa parece estar mais descontraída.
Entre as muitas vítimas do Coronavírus, a imprensa espanhola noticiou também a de Billy El Niño, do seu verdadeiro nome Antonio Gonzalez Pacheco, famigerado torturador da polícia franquista, que tinha dado entrada numa clínica de Madrid esta semana. Ainda que tenha passado apenas onze anos na Polícia Nacional (1971-1982) era um dos homens mais temidos nos calabouços da Direcção Geral de Segurança, situada nas Portas del Sol, em Madrid. Existem centenas de testemunhos de vítimas, que descrevem as torturas a que foram submetidos por El Niño. Ums das mais conhecidas é a de José Maria "Chato" Galante, que denunciou o polícia franquista à justiça argentina, num processo conduzido pela juíza Maria Servini, que serviu de fio condutor ao documentário "El Silencio de Otros", sobre as vítimas da ditadura franquista. Galante morreria no passado dia 28 de Março, também ele vítima do Coronavírus. No entanto, legalmente, Gonzaléz Pacheco estava blindado, uma vez que o processo instaurado pelo tribunal argentino, que pediu a sua extradição para ser julgado por crimes contra a humanidade, foi considerado prescrito em 2014.
Pesem as tentativas canhestras de apagar a memória da ditadura, alguns passos positivos vão sendo dados na boa direcção. Um dos mais importantes, pelo seu simbolismo, foi o do Conselho Andaluz de Cultura, ao declarar "Bem de Interesse Cultural" (BIC) o legado de Federico Garcia Lorca, depositado no centro, que leva o seu nome, em Granada. O legado do escritor, que chegou ao Centro Federico Garcia Lorca, enviado da Residência de Estudantes de Madrid, em Junho de 2018, integra 5000 objectos que incluem praticamente todos os manuscritos das suas obras teatrais, poética e em prosa. A partir de agora, o legado de Lorca em Granada, que pertence a uma fundação ligada à família do escritor, mas que pode ser consultado no Centro García Lorca, tem garantidas a "unidade e a sua conservação em optimas condições", segundo o Conselho de Cultura. Para Laura Garcia Lorca, sobrinha do poeta, esta protecção do legado "tem todo o sentido e é uma satisfação para a fundação, para a família e tem que sê-lo para Andaluzia".
Algo é algo, como dizia o poeta...