2021/10/28

Venham as eleições!

foto JN

O que ontem assistimos, não foi bonito de ver. Ninguém estava à espera de uma crise institucional, ainda que os sinais da crise estivessem aí há muito tempo. Só não dava por eles quem não queria vê-los. Era por demais evidente o desgaste do governo neste último ano e todos os sintomas de "fim de ciclo", desta governação, apontavam na mesma direcção. Nada que analistas de vários quadrantes não tenham previsto, logo em 2019, quando a constituição de uma segunda "Geringonça" falhou e o PS não conseguiu obter a maioria absoluta. Marcelo Rebelo de Sousa (o analista-mor do reino) chegou a profetizar que, a meio do mandato, por volta das eleições autárquicas, seria o momento de ruptura mais provável...

Bem, a ruptura aconteceu e, agora, não faltarão as acusações do costume, pois ninguém quer ficar mal na fotografia e há que culpar o "outro", ainda que não haja inocentes nesta história. 

Relembremos o óbvio: a "Geringonça" só existiu (por acordo escrito imposto por Cavaco Silva) entre 2015 e 2019. Ainda antes das eleições de 2019, o PCP recusou mais acordos escritos e o PS recusou reeditar a "Geringonça" apenas com o BE. 

Portanto, formalmente, nunca existiu uma "Geringonça" entre 2019 e 2021. Houve, sim, negociações entre os três partidos (PS, PCP e BE) e acordos pontuais, que resultaram (ou não) durante a legislatura, o que é natural entre partidos que têm ideologias e projectos políticos diferentes.  

Ou seja, qualquer dos partidos era (é) livre de defender os seus pontos de vista (leia-se princípios) sem qualquer compromisso à priori. Foi isso que aconteceu durante a negociação do Orçamento e isto é uma coisa natural em democracia. Como diria o outro "é a democracia a funcionar". 

Foi mau? Foi. Ninguém queria uma crise "nesta altura do campeonato". Acontece na maioria dos países europeus com democracias e parlamentos consolidados e não vem daí mal ao Mundo. Na Holanda, as últimas eleições foram há 7 meses (sete!) e ainda não conseguiram constituir governo; a Bélgica esteve cerca de 2 anos sem governo (dois!); A Alemanha teve eleições há mais de um mês e os partidos vencedores (3) ainda não conseguiram formar governo.  Alguém morreu por isso? 

A verdade é que a erosão governamental era visível e era previsível que, mais cedo ou mais tarde, a crise surgisse. Surgiu agora, provavelmente por calculismo político de alguns partidos (governo incluído). É caso para dizer que "vale mais uma boa crise do que uma má solução". 

Restam as eleições. Venham as eleições!

Instantâneos

Há dois momentos, fixados nestas duas fotos que roubei daí algures, que, por uma vez na vida, valem mais do que mil palavras. 

O primeiro é o momento da votação do OE2022. A foto é da SICN. NUNCA me passou pela cabeça ver o PCP e o BE a votarem ao lado do Ventura. NUNCA ! Por mais retórica que despejem sobre a decisão, a nós, só nos resta concluir uma coisa: estão loucos!

E para que o jogo da política ficasse ontem completo, tivemos este outro momento, fixado nesta outra foto. Marcelo PR passa a ronda ao palácio (a foto é do DN.) Aproveita para pagar não sei o quê no Multibanco e leva um batalhão de jornalistas atrás. Não abre boca. Para quê? "Meninos, entregaram-me o controlo das operações (como se eu já não tivesse pouco...) e, agora, obrigadinho ó PCP e BE!" Parece ele dizer, enquanto certamente ri, cínico. A máscara não deixa ver com clareza...


Bonito serviço! Agora vou ali ter um AVC e, se escapar, vou finalmente cuidar da horta...


2021/10/25

E agora?

António Costa, ao não querer repetir a experiência da "Geringonça" em 2019 (talvez pensando que poderia obter uma maioria absoluta do seu partido nas eleições desse ano) sabia que teria sempre de negociar (à esquerda ou à direita), caso o PS tivesse uma maioria relativa.

Como também anunciou não querer fazer acordos à direita, depois de serem conhecidos os resultados eleitorais de 2019, só lhe restava a esquerda para negociar. Ele próprio o declarou em plena Assembleia da República.

Bom, houve negociações à esquerda (como de resto já tinha havido em 2020) com a diferença que o OE do ano passado foi aprovado (devido à abstenção do PCP) e, o deste ano, corre o risco de ser chumbado, devido à reprovação do PCP. O BE já estava fora das negociações, pelo que o governo não contava com os seus votos e só restava o PCP/Verdes e os pequenos partidos (PAN, independentes) que anunciaram a sua abstenção. Em termos aritméticos, são votos insuficientes para aprovação do Orçamento. 

Tudo aponta para o chumbo deste Orçamento, o que poderá levar o Presidente da República a dissolver o parlamento e a convocar novas eleições. Não é formalmente necessário (em caso de reprovação, o governo poderá apresentar uma 2ª versão deste OE), mas Marcelo já anunciou a sua intenção: não há Orçamento, haverá Eleições. 

Conhecidas todas as posições, a menos de dois dias da votação final, surgiram as reacções esperadas: os partidos, à esquerda do PS, culpam o governo por ser inflexível e não atender às exigências apresentadas; o governo (PS) culpa o BE e o PCP/Verdes, por defenderem exigências maximalistas (leia-se irrealistas) ao não terem em conta o período pós-pandémico que atravessamos, o qual não contempla mais despesa (leia-se dívida e déficit) que "desagrada" a Bruxelas. A direita, no meio de uma crise interna dos seus principais partidos (PSD e CDS) deseja eleições, mas sabe não estar preparada e, dificilmente, voltará ao poder. O único partido que poderia ganhar algo com novas eleições, seria o "Chega", que não tem qualquer proposta séria, mas está interessado na confusão, apanágio dos populistas de direita. 

Acontece que, independentemente do que possamos pensar sobre este episódio (que, de resto, nem sequer é novo na política nacional) não se percebe porque é que os partidos (organizações que representam interesses diferentes) hão-de ter opiniões semelhantes (!?). Para terem opiniões semelhantes, não eram necessários partidos. Bastava um, como na antiga União Nacional de Salazar, onde toda a gente estava sempre de acordo. Houve negociações e falharam. Paciência. É a democracia a funcionar, como diria o outro. Na próxima quarta-feira, saberemos o desfecho.