2021/12/10

Em Sevilha, a "movida" portuguesa...

Não é todos os dias que assistimos à promoção da cultura portuguesa no país vizinho. Neste campo, Sevilha, teve o privilégio de receber a visita de diversos "embaixadores" culturais da área da música e da literatura, que ali se deslocaram no espaço de duas semanas. 

Tudo começou no dia 25 de Novembro, com o concerto "Todos os Nomes" pelo cantor Vitorino, precedido de leitura de textos de José Saramago, pelo actor António de La Torre, organizado com o apoio da Fundação Saramago, do Consulado de Portugal em Sevilha e da Universidade Sevilhana, no quadro do centenário do nascimento do escritor José Saramago. Um excelente concerto onde o cantor, acompanhado pela formação habitual (piano, acordeão, guitarra clássica e baixo)  apresentou temas do seu reportório, que incluiu modas alentejanas, tangos, música cubana e poemas de Lobo Antunes, entre outros. O concerto foi organizado no salão nobre do Consulado, por onde passam, anualmente, outros convidados das letras e da música portuguesa.  Seguiu-se, no dia 26, o concerto "Memorial Flamenco", também no Consulado Português, organizado com o apoio da Universidade de Sevilha, interpretado pelos músicos Vicente Gelo, Sebastian Cruz e Pau Vallet, em que foram interpretadas versões flamencas dos textos de Saramago.  Ambas as sessões, dedicadas ao escritor, contaram com a presença de Pilar Del Rio, viúva de Saramago e actual presidente da Fundação José Saramago, que se deslocou à capital andaluza para inaugurar o ano de comemorações do centenário. Os concertos tinham lugar à tarde, enquanto, de manhã, tinham lugar debates e sessões literárias, que decorriam na Universidade. 

Aproveitando a visita de Pilar Del Rio, o diário "El Pais", publicou uma extensa entrevista, onde esta revelou algumas das histórias menos conhecidas do grande público, como a da atribuição do Prémio Nobel, que ela soube antes do próprio laureado. A história, conta-se em poucas palavras: na véspera do anúncio do prémio, Saramago encontrava-se na Feira do Livro de Frankfurt, quando Pilar recebeu um telefonema da Academia sueca a perguntar pelo marido. Como este não se encontrava, o interlocutor anunciou-lhe que Saramago iria ganhar o prémio, mas pediu-lhe segredo, pois era ele que ia escrever o discurso oficial da Academia. Se soubessem na Suécia, quem a tinha informado, seria despedido. Pilar optou por não contar a conversa a Saramago, pois não queria que ele tivesse uma "noite agitada" e foi assim que, no dia seguinte, já a entrar no avião a caminho de Lanzerote, o escritor seria confrontado com a notícia, dada pelo seu editor da Caminho. 

Seguiram-se duas noites de Fado, respectivamente a 30 de Novembro e 1 de Dezembro, no âmbito de mais uma edição do Festival de Fado, organizado anualmente pela sala Lope de Vega, cujas primeiras sessões foram preenchidas por Carminho (em substituição de Katia Guerreiro, incapacitada por doença) e pela dupla Hélder Moutinho/Maria Emília, que constituiriam a grande surpresa da noite. Enquanto Carminho, (que é visita regular do Lope de Vega) conta com um público fiel, Moutinho e Maria Emília cantaram em Sevilha pela primeira vez. Perante uma sala bem preenchida, os fadistas apresentaram-se simultaneamente em palco, onde foram acompanhados pelo trio habitual de Hélder, entre os quais se deve destacar o notável Ricardo Parreira, uma caso sério na guitarra portuguesa. Excelentes, as actuações de ambos os cantores, que se apresentaram em palco em "modo" flamenco, (sentados em fila), numa encenação arriscada (o fado canta-se, normalmente, de pé)  que aqui resultou em pleno. Bom concerto, amiúde sublinhado pelo público presente com "olés" de agrado, o que prolongaria a sessão para além das duas horas, com direito a vários "encores". A canção lisboeta ganha, deste modo, mais adeptos em Sevilha, que não regateiam aplausos aos intérpretes que, por aqui, têm passado.  

Finalmente, e de novo nas instalações do Consulado de Portugal, está prevista para a próxima semana, a visita do escritor Luís Peixoto, que ali irá apresentar o seu último livro (auto-biografia). 

Duas semanas de excepção, numa cidade habituada à "movida" cultural, agora com  maior contribuição da cultura portuguesa. Não há fome que não dê em fartura...