2018/03/20

Marielle, presente!

foto Esquerda.net
Realizaram-se, ontem, em todo o país, diversas vigílias em memória da deputada brasileira Marielle Franco, barbaramente assassinada, há uma semana, na cidade do Rio de Janeiro. Em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Aveiro, Santarém, Faro e Vila Real, as comunidades brasileiras, apoiadas por milhares de portugueses e representantes de partidos políticos com assento no Parlamento, sairam à rua para denunciar mais um crime (este político) cometido pelas forças para-militares, que controlam, hoje, a cidade do Rio.
O ocorrido com Marielle, infelizmente, não é um facto isolado. Em cada 100 pessoas assinadas no Brasil, 71 são negras. Em cada 100 mulheres assassinadas, 66 são negras. Tão pouco é incomum a violência contra lideranças de movimentos sociais: vide o assassinato de Paulo Sérgio Almeida Nascimento - líder da Associação de caboclos, indígenas e quilombolas da Amazónia - no Pará, há quatro dias.
O Brasil tornou-se um país tenebroso, onde o fascismo avança a passos largos. O terror é parte desta estratégia e visa a instauração de um estado de excepção, com vista a implementação de uma ditadura (militar) "desejada" e aceite pela população que vive, há muito, num clima de medo.
Começou com a farsa do "impeachment" de Dilma, (para impedir processos como o Lava-Jato, onde estão envolvidos muitos dos governantes do país, a começar pelo presidente Temer); seguiu-se a sua destituição, num processo que muitos apelidaram de golpe constitucional; prosseguiu com as acusações a Lula, (muitas das quais baseadas em delações, sem que algum facto tenha sido provado), tentando, dessa forma, impedi-lo de concorrer às próximas eleições, onde é indicado como favorito; e, finalmente, há um mês, concretizou-se com a ocupação militar do Rio de Janeiro, onde o exército passou a desempenhar as funções da polícia da cidade.
Temer, o grotesto vampiro, ensaia, deste modo, uma "fuga para a frente", tentando satisfazer uma burguesia branca e urbana, que há dois anos batia panelas pela demissão da presidente democraticamente eleita, reclamando medidas contra a "corrupção". Uns tristes, estes brasileiros da classe média, que não aprenderam nada com o Chile de Pinochet.
O assassínio de Marielle (um, entre milhares no último ano) é mais um passo nesta escalada do terror, com vista a incutir o medo na população e a evitar o aparecimento de líderes carismáticos que critiquem o sistema.
A canadiana Naomi Klein, num extraordinário livro (A Doutrina do Choque) explica bem como funciona esta estratégia, utilizada pelo capitalismo desregulado e predador, em situações de caos e calamidade: perante a perda da margem de lucro e na eminência da falência do "sistema" que sempre protegeu os seus ganhos e mordomias, cria (artificialmente) um clima de caos (a criminalidade, apoiada pelas milícias para-governamentais, faz parte deste cardápio) não hesitando em eliminar todos aqueles que denunciam o estado de violência consentido por um estado fraco. Desta forma, procuram assegurar a manutenção da "Ordem e Progresso", tão de agrado das classes dominantes, apenas interessadas num mercado a funcionar "normalmente".
No Brasil, morrem anualmente 60.000 pessoas por homicídio (um record mundial!) A maior parte, vítima de assaltos e do crime organizado (máfias de drogas, etc.). Os crimes políticos (24, no último ano), são de natureza diferente, pois visam atingir aqueles que denunciam esta situação e servir de exemplo para outros que ousem criticar o "sistema". Uma estratégia conhecida, utilizada em diversos países sul-americanos, nas décadas de setenta e oitenta (Operação Condor), quando quase todo o continente esteve sujeito a ditaduras militares de direita.
Aparentemente, alguns brasileiros nada aprenderam com a História e já esqueceram a ditadura militar sob a qual viveram entre 1964 e 1985. Não foi o caso de Marielle que, como muitos outros brasileiros, continuam a lutar por um país mais igualitário, onde a exclusão social, o racismo, o machismo e a homofobia, não tenham lugar.