2019/08/26

Pela boca morre o peixe...


A seis semanas das eleições - e a menos que algo de muito imprevisível aconteça - os dados parecem estar lançados. Vitória folgada do PS, perda significativa de votos à direita (PSD, CDS) e crescimento do BE e do PAN. A CDU deve manter-se nos níveis habituais, enquanto os pequenos partidos (Livre, Aliança, Basta e PDR), devido à dispersão de votos, dificilmente conseguirão eleger deputados.
Depois de quatro anos de "geringonça", o balanço é positivo e os (3) partidos, que apoiaram este modelo de governação, serão recompensados por isso: melhoria económica dos grupos mais desfavorecidos  (salários, reformas e pensões, passes sociais, etc.); crescimento acima da média europeia (1,8%); redução da dívida pública (122% do PIB); redução do déficit (0,2%); redução do desemprego (6,5%); aumento de exportações e turismo (22 milhões visitantes/ano) e "contas certas" em Bruxelas, um argumento de peso na nomeação de Centeno para a presidência do Eurogrupo.
Nem tudo são "rosas socialistas", no entanto: Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da União Europeia, com 25% da população (2 milhões!) a viver no limiar da pobreza (482 €/mês); o Serviço Nacional de Saúde, exemplar nos seus propósitos, continua com lacunas imperdoáveis, ao nível de um país subdesenvolvido; a educação, continua com os problemas estruturais herdados do passado (colocação de professores, pessoal auxiliar...); a habitação nas grandes cidades (devido ao "boom" turístico e a especulação imobiliária) tornou-se proibitiva para quem queira alugar ou comprar casa; os transportes, nomeadamente ferroviários, são antiquados e deixaram de ser operacionais em muitas zonas do pais, etc...
Ou seja, podemos olhar para os quatro anos da "geringonça", do ponto de vista do "copo cheio" (discurso do governo) ou do "copo vazio" (discurso do cidadão).
A avaliar pelas sondagens da opinião pública, a maioria dos inquiridos (que não a maioria da população), parece ter gostado desta experiência partilhada (PS, apoiado pelo BE e pelo PCP), ainda que o programa governamental fosse o do Partido Socialista.
Mas essa não parece ser a opinião no interior dos principais partidos do leque governativo (vulgo bloco central) em relação ao futuro. No PS, confortável numa vitória, que lhe permitirá negociar com a esquerda e com a direita, pede-se maioria absoluta, para ficar de "mãos livres" nos acordos difíceis de cumprir. Na direita, conformada com uma derrota anunciada, os principais partidos e confederações patronais preferem um PS de maioria absoluta, que limitaria a influência do BE e do PCP, nas exigências laborais e nas lutas sindicais. Percebe-se. Basta seguir com atenção as opiniões de grupos como a "Tertúlia" (20 personalidades do mundo político e financeiro português), "Compromisso Portugal" (António Carrapatoso) "Movimento 5.7" (Miguel Morgado), "Observador" ou a Confederação dos Patrões (CIP), para confirmar que afinam todos pelo mesmo diapasão: tudo menos o BE e o PCP no governo.
E é aqui que entram as recentes declarações de António Costa, ao jornal "Expresso", que tanta celeuma têm provocado. Na sua (indisfarçável) arrogância de vencedor antecipado, Costa cometeu um erro que lhe pode ser fatal. Não em relação à vitória em si, mas em relação a um dos parceiros (neste caso o BE) que lhe permitiu obter os resultados positivos que ele hoje pode apresentar. Dito de outra forma, sem o apoio dos partidos à sua esquerda (BE e PCP), o PS nunca teria conseguido aprovar quatro orçamentos e, muito menos, governar. Mais, muito provavelmente, nem o próprio Costa teria sido primeiro-ministro, uma vez que não ganhou as últimas eleições, como todos sabemos. Mais, na melhor das hipóteses teria sido remetido para líder da oposição e, quem sabe, hoje já nem secretário-geral do seu partido seria...
Resta saber porque é que Costa (um político experiente) fez tais declarações e logo numa longa entrevista ao Expresso e à SIC, baluartes do império de comunicação Balsemão e referências jornalísticas de uma certa classe média portuguesa?
Há, nas declarações de Costa (não por acaso, puxadas para o título da entrevista) duas mensagens subliminares: não conta com o BE para formar governo (não haverá "geringonça 2"); tenta sossegar a direita, ao abrir a hipótese de governar em maioria relativa (o que lhe permitirá fazer acordos com o PSD, por exemplo).
Ou seja, procura "recentrar-se", pensando desta forma conquistar alguns votos mais, que lhe permitam alcançar a mítica maioria absoluta.
Acontece que, como no xadrez, o "salto de cavalo", pode revelar-se extemporâneo. O que, inicialmente, parecia um jogada de mestre, revela-se um movimento em falso. Ou, mais prosaicamente, um "tiro no pé".
Costa e os seus "spindoctors", ainda não perceberam que o (relativo) sucesso e popularidade deste governo, se devem às medidas de esquerda que tomaram. Tímidas e insuficientes, é certo, mas fundamentais para a reconquista da confiança perdida, após quatro anos de Troika. Ou seja, só quando o PS fez uma politica de esquerda, conseguiu o apoio dos portugueses. Mas a montante estava o apoio dos partidos que permitiram este governo.
Ignorar estas coisas simples, é não perceber a razão que levou ao colapso dos partido sociais-democratas da chamada 3ª via. A "pasokização" dos PS europeus está aí, para comprová-lo.
A arrogância, sempre foi uma característica do poder. Quando ele é absoluto pode corromper absolutamente. Mas da mesma forma que quanto mais alto se sobe, maior é a queda, também os peixes (mesmo os graúdos) morrem pela boca.