2021/02/16

Pandemia: avanços e recuos

Há um ano atrás, o Covid19 ainda não tinha chegado a Portugal. Seis meses mais tarde, e apesar de todas as vicissitudes conhecidas, o país orgulhava-se de ter um dos melhores "ratios" de internados/mortes, por milhão de habitantes, em toda a Europa. O "milagre português", como chegou a ser apelidado pela imprensa estrangeira, deveu-se fundamentalmente a três ou quatro medidas atempadas: confinamento severo (que incluiu escolas, recintos desportivos e espectáculos em geral); encerramento de fronteiras e suspensão de todas as actividades não essenciais. Factores aleatórios, como a situação geográfica, a diminuição de turismo em fim de estação ou um clima mais ameno, contribuíram para este sucesso, mas não explicam tudo. O medo, perante um vírus desconhecido para o qual não eram conhecidos antídotos e o "respeitinho", inculcado ao longo de décadas no espírito dos portugueses, fez o resto. 

Embalados pelo "sucesso" desta campanha e convencidos que o pior já tinha passado, os portugueses voltaram a fazer o que sempre fizeram no Verão: férias e praia. Diga-se, em abono da verdade, que também o governo contribuiu para a euforia geral, já que Portugal se candidatou a tudo o que era prova desportiva internacional (Fase Final da Taça dos Campeões Europeus, Grandes prémios de Fórmula 1 e de Motos no Algarve...) certamente na esperança de obter receitas extraordinárias, num ano de pandemia. Como se tudo isto não chegasse, descurámos a 2ª vaga, anunciada desde Janeiro do passado ano pela OMS, quando o vírus foi detectado na China. 

Como previsto, a segunda vaga chegou e, para nosso "azar", mais cedo do que esperávamos. Pior: não só chegou mais cedo, como continuava a não haver uma vacina que pudesse limitar os danos. Estávamos em Novembro e o aumento exponencial de infectados e de mortes era já um dado adquirido. Perante as projecções conhecidas, que fez o governo? Anunciou um novo confinamento, mas "suave": Ao contrário do primeiro, que teve 25 excepções, este segundo teria 52, as escolas manter-se-iam abertas e haveria computadores para todos os alunos que necessitassem de seguir as classes em casa. Um confinamento, pensado para um mês, que obrigaria a um sacrifício inicial, mas seria compensado com uma abertura na época natalícia, quando as famílias estão juntas "para oferecer prendas e comer o bacalhau e o bolo-rei"... Já a nível internacional, não haveria limitações e toda a gente (emigrantes incluídos) podia visitar Portugal por esses dias...

O que se passou, entretanto, é conhecido: com a abertura de fronteiras e a ausência de testes nos aeroportos, aumentaram os contágios, agora também provocados por estirpes novas (a inglesa, a brasileira e a Sul-Africana), para as quais não sabemos se, as vacinas existentes, são efectivas. Junte-se a este cenário, uma das populações mais envelhecidas da Europa, as temperaturas excepcionalmente baixas de Janeiro (o Inverno mais frio dos últimos 20 anos!), num país onde a maioria das casas são mal isoladas e temos aqui reunidos os ingredientes para a chamada "tempestade perfeita": o número de incidências, atingiu proporções catastróficas, com picos diários de 15.000 infectados e 305 mortos, um "record" mundial em termos relativos!   

Perante tal calamidade, "soaram as campainhas" no governo. Portugal pediu ajuda ao estrangeiro, para colmatar as insuficiências de pessoal qualificado, no que foi correspondido pela Alemanha, França e Luxemburgo, que já enviaram equipas médicas para a área de Lisboa. Entretanto, também a Áustria se mostrou disponível para receber doentes portugueses e outros países poderão seguir-se. No terreno, os hospitais montaram tendas de rastreio e tratamento diferenciado, agora que os doentes Covid foram separados dos restantes. 

Resta falar das vacinas: as da Pfizer, começaram a chegar em Dezembro e, desde o dia 27 desse mês, que a população prioritária (idosos com mais de 80 anos, residentes em lares e pessoal sanitário) começou a ser vacinada. De acordo com os números apresentados até ontem (15/2) teriam sido recebidas 694 800 doses, com as quais foram vacinadas 533 070 pessoas. Meio milhão de vacinas em 51 dias dá uma média aproximada de 10 000 vacinas diárias (1ª e 2ª dose). A manter-se tal ritmo, no fim do ano terão sido vacinados cerca de 3 650 000 portugueses (1/3 da população), quando a meta anunciada pelo governo é de 7 milhões de portugueses vacinados até ao fim do Verão (o que corresponde aos tais 70% necessários para atingir a "imunidade de grupo"). A justificação do governo, para uma tão baixa percentagem de vacinados nestas primeiras 7 semanas, deve-se à falta de vacinas. Um problema de produção/distribuição das farmacêuticas, que não têm cumprido com os contratos feitos com a UE. Acresce que Portugal comprou uma quantidade menor de vacinas a que tinha direito (quota de cada país) e parte das vacinas excedentes foram para França e para a Alemanha. Por outro lado, países como Israel, compraram directamente às farmacêuticas, ainda que a um preço mais elevado (a troco do fornecimento de dados dos seus pacientes aos fornecedores), o que lhe permitiu vacinar metade da população em 6 semanas. É caso para dizer "o barato, sai caro"...

Outra questão que parece não reunir consenso é o do encerramento/abertura das escolas. Os professores/pedagogos são unânimes em reconhecer que o ensino presencial é sempre preferível ao ensino à distância. Até porque nem toda a gente tem computador em casa e, quando tem, muitas vezes não tem "rede" que lhe permita seguir as aulas "online". Acontece com frequência no interior de Portugal. Acresce que muitos dos computadores prometidos não chegaram aos interessados. Por outro lado, o encerramento das escolas nas últimas três semanas, parecem ter contribuído para uma redução significativa dos contágios. Os números demonstram isso: após o "pico" de Janeiro, as incidências têm vindo a diminuir significativamente e ontem já totalizavam 4482 internados e 90 mortes, respectivamente. Uma queda de mais de 70%. Algo é algo.   

Estamos em plena 3ª vaga e todos os especialistas dizem que virá uma quarta, lá mais para o fim do ano. No início de um processo que se prevê longo e difícil, muita coisa pode e deve ser melhorada. Desde logo, a preparação atempada, o tal planeamento que continua a ser uma pecha portuguesa. Com plano, podemos falhar; sem plano, falhamos de certeza. Para que da próxima vaga, possa correr melhor.