2023/11/08

Crise Institucional

Afinal, não foi preciso accionar a "bomba atómica", o último dos argumentos presidenciais para dissolver o parlamento e, dessa forma, provocar a queda do governo. Bastou uma investigação do Ministério Público sobre o envolvimento de figuras de confiança do governo em negócios pouco transparentes (onde o nome do primeiro-ministro era referido), para que este se adiantasse ao veredicto popular e tomasse em mãos o seu destino. No caso, apresentasse a sua demissão. 

Dado o contexto em que surgiram as acusações, a demissão voluntária do primeiro-ministro faz sentido, ainda que não facilite o trabalho do governo, pois não sabemos o que vai seguir-se e nem todas as questões foram ainda aclaradas. Por exemplo: demitiu-se Costa para facilitar o trabalho ao Ministério Público (à justiça o que é da justiça) ou demitiu-se por conhecer detalhes da investigação que o podem comprometer? Outra questão, não despicienda, é o papel do Ministério Público em casos relacionados com figuras políticas, com grande impacte na opinião pública. Estaremos perante um caso (mais um) de tráfico de influências e corrupção, como os termos da acusação explicitam ou corremos o risco de estar perante mais uma "entrada de leão e saídas de sendeiro", em que é pródiga a justiça portuguesa?  

Perguntas que fazem sentido, tanto mais que, "a quente", todas as especulações são permitidas e porque sabemos que aumentarão de intensidade à medida que decorre o inquérito. Uma das especulações (há quem lhe chame "teoria da conspiração") é que poderá haver um "dedinho de Marcelo" em tudo isto. O presidente da república nunca escondeu o desejo de ver o partido, do qual é apoiante, no poder e qualquer "escorregadela" do governo, seria bem vinda para pôr este "plano" em acção. Não parece ser o caso, mas nunca se sabe...

Uma coisa é certa: perante a demissão de Costa (aceite por Marcelo) a única pessoa que pode ter ficado "aliviada" é o próprio primeiro-ministro. Livra-se da acusação de estar agarrado ao poder e fica disponível para outros voos, quiçá uma candidatura a Belém (onde substituiria o actual presidente) ou um apetecido cargo europeu, que nunca renegou.

Restam os apoiantes (no governo e no PS) e os adversários (toda a oposição sem excepções). 

Sobre os primeiros: como se esperava, preferem protelar as eleições para 2026 e até lá continuar a governar, agora com outro primeiro-ministro. Candidatos não faltarão e, no PS, não será difícil encontrar uma figura consensual nas suas hostes, para desempenhar o cargo. Vários nomes têm sido avançados nas últimas horas: de Carlos César a Augusto Santos Silva, passando por Mariana da Silva ou Fernando Medina, todos eles são "elegíveis" para o cargo.

Sobre os segundos: as eleições antecipadas são a ocasião esperada para fazerem "prova de vida". No PSD, que continua a não subir nas sondagens, esta pode ser a última oportunidade de Montenegro chegar ao poder, mesmo que em coligação com outros partidos (IL, Chega?). Já nos partidos de esquerda (BE, Livre) esta é uma oportunidade de crescer, sem ter de esperar pelo fim da legislatura. Só o PCP, parece não querer eleições antecipadas, argumentando que uma paragem na legislatura, seria nefasta para o país com tantos problemas graves por resolver.   

Resta a decisão de Marcelo. Hoje ouviu os partidos e, amanhã, ouvirá o Conselho de Estado. Em teoria, só lhe restam dois cenários: não aceitar já a demissão de Costa e dar continuidade a um governo socialista, com outro primeiro-ministro; ou convocar eleições antecipadas que, a acontecer, terão lugar em Janeiro ou Fevereiro de 2024. Com toda a probabilidade, será esta a decisão do presidente.