2012/06/01

Esquerda revolver!


Se o desemprego é o patrão 
Tens que te defender, mas como? 
Tens que todo o Estado 
De baixo a cima revolver...

Os números do desemprego (o real, o "estatístico" e o projectado) vão desabando em cima de nós, como se estivéssemos a ser vítimas de um terramoto em fúria máxima e réplica permanente, como se pontes, estradas e edifícios nos estivessem desabando em cima, soterrando-nos, como se a destruição e a ruína nos cercassem e outra coisa não pudéssemos esperar que não fosse mais réplicas, mais desabamentos, mais destruição e mais ruína.
Reparamos (reparámos há muito) que a "Protecção Civil" anda entretida. Entretida a aparar relvas e a manter os livros de contas a bater certo, totalmente indiferente a toda esta destruição e ruína, de olhos fechados para os sulcos profundos que se abrem na crosta da Terra, para os tsunamis que se vão gerando e para as vítimas que estão a ser engolidas por esta convulsão medonha.
O cataclismo é real, a metáfora poderá pecar por defeito.
"Tens de todo o Estado de baixo a cima revolver...." dizia Brecht. De que será que as vítimas desta "Protecção Civil" estarão à espera para revolver?

2012/05/30

"A taxa de pobreza infantil é o melhor indicador que uma sociedade pode ter acerca de si própria"

Um relatório da Unicef, acabado de publicar, sobre pobreza infantil nos países ricos diz que "cerca de 13 milhões de crianças na UE, incluindo ainda a Noruega e a Islândia, foram consideradas em estado de privação. São crianças a quem faltam os elementos básicos para o seu desenvolvimento. Entretanto, 30 milhões de crianças vivem em estado de pobreza em 35 países com economias desenvolvidas."
De que "crise" falamos quando falamos em crise? A que estado de desvergonha foi preciso chegar para chegarmos a este estado?  A que estado de lassidão se deixou conduzir a "democracia de tipo ocidental" —que se compraz dizendo irresponsavelmente de si própria ser "o pior sistema com excepção de todos os outros"— que a leva a, com auto-instituída impunidade, fazer agora vista grossa a estas realidades?
O relatório é claro: que chance terão as crianças africanas se a francesa Lagarde nem sequer consegue perceber a vergonha que é seu próprio país?


 


(PS- Resta acrescentar que o lugar que Portugal ocupa neste relatório deveria constituir prova suficiente para levar os responsáveis políticos que a ele conduziram à barra dos tribunais...)

2012/05/28

Na rota do Zeca

Entre as inúmeras celebrações que decorrem em 2012 para assinalar os 25 anos da morte de José Afonso, uma deve ser destacada pela originalidade e qualidade dos seus intérpretes. Refiro-me ao concerto "De ouvido e coração", um projecto do compositor e pianista Amilcar Vasques Dias, anunciado para ser apresentado este fim-de-semana em Évora. Lá fomos, na esperança de ouvir os músicos e cantora principais, Vasques Dias (piano), Luís Cunha (violino) e Esther Merino ("cantaora") que, habitualmente, fazem parte do programa. Desta vez, havia convidados: a cantora lírica Natasa Sibalic (Sérvia) e o "cantador" local Joaquim Soares, que participavam pela primeira vez no concerto. Depois, o lugar, o magnífico Mosteiro dos Remédios, onde está sediada a Associação Musical "Ebora Mvsica" que, desde 1987, vem organizando e apresentando programas de formação musical na área dos grandes mestres polifonistas da Sé de Évora. A Associação dá ainda formação na área de instrumentos de cordas, sopros e teclas, organiza oficinas de Canto Gregoriano e ciclos de concertos nos Claustros e na Igreja, onde "De ouvido e coração" estava incluído. Desde o primeiro tema, "Vejam bem", a assistência, que enchia por completo a Igreja dos Remédios, percebeu estar em presença de um concerto especial. Esse sentimento aumentaria nos temas seguintes, com "Coro da Primavera", "Ó que janela tão alta" e "A Mulher da Erva", para culminar no celebrado "Venham mais Cinco". Seria com a primeira interpretação de Esther Merino, em "Nana del Caballo Grande", um tema de Garcia Llorca a anteceder a "Canção de Embalar" de José Afonso, que os presentes explodiram num aplauso intenso. A partir daí, o concerto estava ganho e a genialidade da música de Afonso, ganhava outra dimensão. Temas como "Menino de Oiro" e "Balada de Outono", interpretados respectivamente pelo cantador alentejano Joaquim Soares e pela cantora lírica Natasa Sibalic, comprovaram a excelência do reportório afonsino. Quando Esther voltou para interpretar "Cantar Alentejano" (Catarina Eufémia) a canção mais dramática de toda a sessão, muitos dos presentes choravam lágrimas de emoção. O concerto terminou formalmente ali, mas os seus ecos permanecerão no Convento por muito tempo. Hoje, no regresso a casa, não pude deixar de pensar no Zeca e de como ele gostaria de ter ouvido a sua música neste lugar.