2009/03/21

O insustentável peso da censura (2)

Menos de 24 horas após ter sido visionado pelos provedores da RTP e da RDP, o polémico "spot" da Antena 1 (onde subliminarmente se insinuava que as manifestações prejudicavam quem queria trabalhar!) foi retirado.
Andaram bem Paquete de Oliveira e Adelino Gomes ao interpretarem a lei e o sentimento de indignação daqueles que denunciaram e protestaram contra esta grosseira manipulação. Para esta rápida reacção muito contribuiram, nunca será demais realçá-lo, os diversos "blogs" que alertaram para o anúncio e, dessa forma, deram continuidade a uma acção que pode ser considerada exemplar.
Ainda os ecos desta tentativa de manipulação não tinham desaparecido e já uma nova polémica parece estalar. A acreditar no comunicado da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação) têm chegado a este organismo queixas de diversos espectadores sobre os conteúdos do telejornal da TVI, em particular a edição de sexta-feira, da responsabilidade da "pivot" Manuela Moura Guedes.
Devo confessar que não sou adepto da apresentadora em questão e muito menos do seu estilo, que pouco tem de jornalismo e muito menos de objectividade. Moura Guedes poderá ser corajosa e truculenta, mas tais atributos não são necessariamnte sinónimos de bom profissionalismo. Dito isto, devo dizer que vejo regularmente os célebres telejornais de sexta-feira que tanta celeuma parecem causar, quanto mais não seja para ouvir as opiniões do seu convidado residente e para perceber o que incomoda tanta gente. Ora, uma das diferenças, relativamente a outros telejornais, é o tratamento dado às polémicas que envolvem o primeiro-ministro, a última das quais (o caso Freeport) continua em investigação. Independentemente de tudo o que possa pensar-se sobre as implicações de Sócrates neste caso, a verdade é que - tanto quanto podemos perceber - nenhuma notícia avançada foi desmentida e, algumas delas, foram amplamente noticiadas noutros orgãos de comunicação. Não será por aqui que a Entidade Reguladora poderá pegar, pelo que a única razão para tal "aviso à navegação" só pode ser explicada pelo incómodo que determinadas notícias sobre o PM parecem provocar.
Se esta é a razão, Eduardo Moniz tem razão em protestar. Acontece que o director de programas da TVI tem "telhados de vidro" nesta matéria. Basta lembrarmos o afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa, por pressão do governo de Santana Lopes, durante o consulado de...Moniz!
Moral desta história muito pouco edificante: num país de tradição censória e pouca cidadania, os governos, sejam eles de um partido ou outro, não diferem nos métodos quando se trata de censurar e manipular a opinião pública. Esta é também a herança da ignorância, fruto de dezenas de anos de censura e desinformação. Resta saber se os eleitores que vão votar este ano querem continuar a acreditar na publicidade. Porque, para a propaganda dos partidos do centro, já não há paciência.

2009/03/20

Serão afinal os publicitários os exagerados?

Mais grave do que o próprio spot que incluímos no post anterior, é a justificação dada pela porta voz oficial da direcção da RTP, citada pelo Público de hoje.
Segundo esta, a "culpa" do spot é... da BBDO, a agência responsável pela nova campanha de promoção da Antena 1.
Não resisto a transcrever toda a justificação dada pela referida porta-voz, Marina Ramos, para o caso dela vos ter passado ao lado.
"Como em todas as campanhas," sentencia a senhora, "as ideias criativas são apresentadas pela agência. Foram entregues três que nós aprovámos. São spots que promovem três géneros de programas que passam na Antena 1."
Lê-se, retiram-se as devidas conclusões e, no final, não se consegue acreditar.

Sem palavras...

2009/03/19

Uma sugestão

Esta polémica em torno do Provedor de Justiça é mais uma "prova de morte" deste regime. Em primeiro lugar, a figura de um "provedor", seja ele de justiça, do leitor, das telecomunicações ou da rtp, aqui em Portugal, é uma ideia totalmente caricata. O modelo de um provedor que emite, com ar grave e sério, uns pareceres totalmente inúteis e dá uma espécie de patine democrática à nossa vida colectiva é um insulto à inteligência. As minhas experiências com "provedores" são todas tristes. Da justiça aos telefones...
No caso concreto do "provedor de justiça", a coisa começa por ser uma contradição em termos. Num país onde nem o Estado, nem a justiça funcionam, o que poderíamos esperar de uma instituição, estatal, chamada "provedor de justiça"...?
Finalmente, o modo como um provedor é escolhido é mais outro insulto à nossa inteligência. A atribuição do cargo de Provedor de Justiça --uma espécie de prémio de consolação que é dado a quem perdeu-- é uma ofensa engolida por quem o aceita e revela imediatamente como se encara e o que se espera desta figura.
Ora, se ninguém parece estar interessado em garantir e levar a sério a existência de uma figura que possa "recomendar comportamentos aos poderes públicos com vista à reparação de ilegalidades ou injustiças" e tenha, ao mesmo tempo, o "direito à cooperação dos órgãos e serviços sujeitos à fiscalização do Provedor de Justiça nos actos de investigação que se mostrem necessários" à reparação dessas ilegalidades e injustiças, não seria melhor e mais barato acabar, simplesmente, com o cargo e poupar-nos a todos a mais este triste espetáculo do regime...? Quanto é que esta palhaçada toda nos custa?

2009/03/17

Uma boa anedota

Acontece a toda gente não conseguir reproduzir uma anedota verdadeiramente boa, ouvida apenas há breves instantes. O facto ficar-se-á a dever, segundo um artigo do NYT que cita investigação feita sobre esta matéria, ao modo como funciona o nosso cérebro. Estamos formatados para perceber e recordar com facilidade padrões previsíveis (dois vezes um, dois... dois vezes dois, quatro... dois vezes três, seis...), mas se o padrão for alterado aumenta a dificuldade em ir buscar a recordação à nossa memória de curto prazo. Se a lenga-lenga fosse alterada de número para número, por exemplo, as dificuldades para aprender a tabuada seriam muito maiores.
As boas anedotas são as anedotas imprevisíveis, que fingem seguir um padrão conhecido, mas depois, subtilmente e através de um controlo fino do ritmo, vão numa outra direcção, totalmente inesperada. A gente ri muito na altura, a explosão emocional é grande, mas, num momento, não sobra de tudo isso mais que uma vaga recordação.
Isto tudo porque um bom contador de anedotas, tal como um ilusionista, conduz a nossa atenção através deste mecanismo da previsibilidade subvertida em direcção a um facto qualquer central, enquanto nos distrai de outros acontecimentos periféricos. A boa anedota, a anedota que nos faz rir, mas que a gente esquece logo de seguida, é pois aquela que parte da nossa expectativa e a desvia sem darmos por isso para um final inesperado.
Alguém se lembra da anedota excelente que o primeiro ministro contou no seu discurso de tomada de posse, que nos fez rir tanto na altura?

2009/03/16

Cidadania

Há seis semanas atrás o meu BI expirou e tive necessidade de pedir um novo. Na Loja do Cidadão informaram-me que, dado não haver urgência, o melhor era pedir um Cartão de Cidadão. Prazo de entrega: dez dias em média.
Aceitei, não sem antes ter feito três tentativas para consegui-lo: a primeira para obter a informação propriamente dita; a segunda para obter a "senha" (que estava esgotada nesse dia) e a terceira, que me custou cinco horas de espera: o sistema automático não estava operacional...
Chegada a minha vez e após ter inserido os dados no computador, a funcionária, solícita, informa-me que terei de aguardar entre dez dias e dois meses (!?) pelo cartãozinho. A razão de tal demora não dependia dela: a partir daquele momento o processo deixava de pertencer-lhe...
Volto a casa, rendido à eficácia deste "simplex", anunciado como a solução dos multiplos cartões pelo informático-mór deste reino do absurdo.
Hoje, ao abrir o jornal, deparo com um anúncio de quarto de página, encabeçado pelo título: " Aviso aos cidadãos eleitores". De acordo com a informação, todos os portadores do Cartão de Cidadão ficam automaticamente recenseados na freguesia onde habitam. Fui confirmar. Já lá estou...mas ainda não tenho o cartão!
Por momentos, sinto-me num filme do "Twilight Zone". Procuro uma explicação. Vale-me o inseparável Coetzee, também ele um estrangeirado na Austrália, que escreve no seu último livro (Diário de Um Mau Ano) o seguinte: "Nascemos súbditos. Somos súbditos a partir do momento em que nascemos. Uma marca dessa sujeição é a certidão de nascimento. O Estado aperfeiçoado detém e conserva o monopólio de atestar o nascimento (...) não se trata apenas de não podermos entrar no Estado sem certificação: aos olhos do Estado, não morremos enquanto o nosso óbito não for certificado; e só nos é passada uma certidão de óbito por um funcionário (ou funcionária) que, por sua vez é detentor (ou detentora) de uma certificação estatal (...) Que o cidadão viva ou morra não interessa ao Estado. O que importa ao Estado e aos seus registos é se o cidadão está vivo ou morto".
Enquanto aguardo o cartão, penso na melhor forma de utilizá-lo. Satisfaz-me saber que poderei usá-lo três vezes este ano. O Estado poderá confirmar que estou vivo.