2013/07/11

Coulrofobia

Dificilmente alguém pode admitir que a solução proposta ontem pelo presidente de república seja fruto de alguém que se tem por tão reflexivo, tão atento, tão dialogante, tão experiente, como ele pretende ser lido pelos portugueses. Por mais tolerância que possa ainda encontrar escondida no meu alforge político, por mais que tente encontrar explicações para o novelo em que Cavaco nos colocou só me sobra uma enorme fobia por este personagem de ópera bufa.
Cavaco gasta mais tempo e recursos a polir a imagem do que a exercer, de facto, o seu cargo. Se trabalhasse mais, se interviesse a tempo, se exercesse com rigor humilde a função clara que os seus compatriotas o incumbiram de executar, teria sido outro o desfecho deste triste espectáculo a que assistimos nestes tempos mais recentes. Assim,  o arauto da estabilidade aumenta a instabilidade, o defensor da Constituição desrespeita-a, o paladino do bom senso propõe soluções inexequíveis, o defensor dos mercados provoca-lhes reviravoltas incómodas.
Ninguém sai ileso desta fogueira para onde Cavaco Silva nos lançou. Nem ele. 
Que ele vá para o inferno da política portuguesa quando morrer é coisa que não pode deixar de ser considerada positiva e que não poderei nunca deixar de saudar. Que nos arraste a todos, na sua insanidade política, para esse inferno é algo que nunca lhe poderei, nunca lhe poderemos, perdoar. Como primeiro responsável por tudo isto, não lhe podemos perdoar.

2013/07/10

Cavaco não vê televisão


De acordo com as notícias que vão correndo nos principais canais televisivos, o Presidente da República anunciará hoje ao país a sua decisão sobre a actual crise politica. Após três dias preenchidos com audiências em Belém, onde recebeu os representantes das chamadas forças sociais, desde partidos a sindicatos, passando pelas confederações de patrões, banqueiros e “tuti quanti”, Cavaco parece ter encerrado esta fase de auscultações sobre tão importante decisão.
Compreende-se. Depois de o terem deixado com a “criança nos braços”, após o inacreditável episódio da tomada de posse de uma ministra sem governantes e na eminência da queda do governo (o que afastaria a direita do poder por muitos e bons anos), Cavaco tinha de encontrar uma saída airosa para a crise.
Perante os cenários possíveis (manutenção do actual governo, um governo de inspiração presidencial ou convocação de eleições) o Presidente, que sempre vendeu a “mantra” da estabilidade e nunca escondeu a sua aversão a eleições, viu-se na necessidade de ensaiar uma farsa democrática, pedindo a todas as forças vivas da nação que passassem pelo palácio, a fim de escutar uma segunda opinião.
Entretanto, o governo, feito em cacos, fazia de conta que existia e (noblesse oblige) enviava a recém-empossada ministra das finanças a Bruxelas, para dar ar de que tudo corria de acordo com a normalidade. E não é que a presença de Maria Luís Albuquerque, na reunião do Ecofin, foi saudada por todos os colegas europeus presentes, como a solução acertada para um problema sem conserto?
Tivesse Cavaco perdido menos tempo a ouvir os parceiros sociais portugueses e ligado a televisão na segunda-feira de manhã e teria ouvido o ministro Schauble a declarar em Bruxelas que a Europa (leia-se Alemanha) aprovava a continuação do actual governo e a escolha de Albuquerque para continuar a aplicação do programa da Troika em Portugal.
Moral da história: se o presidente ouvisse as notícias, teria poupado tempo e dinheiro à nação, pois muito antes da decisão que irá anunciar ao país, já os Alemães sabiam que não ia haver eleições em Portugal e que o actual governo era para continuar.

ETIQUETAS: Alemanha, Cavaco, Europa, Farsa, Governo, RM    
   

2013/07/07

O dia em que Paulo Portas chegou a 1º ministro

Caso o Presidente da República aceite a solução de governo proposta por Passos Coelho – e tudo indica que o faça – teremos esta semana a continuação da coligação governamental actual, com uma pequena, mas importante alteração: Paulo Portas, o ministro cuja demissão era irrevogável há dias atrás, tornar-se-á, de facto, o governante com mais poder no actual governo. De acordo com o organigrama ontem apresentado por Passos, Portas acumulará o actual pasta dos Negócios Estrangeiros, com a coordenação da Economia, do QREN, das Finanças e das relações com a TROIKA, tendo ainda conseguido o almejado ministério da Economia, que será entregue a Pires de Lima, do seu partido. Ou seja, o CDS, um partido com 12% de votos, terá 4 ministros no novo governo, entre os quais um super-ministro que acumula os dossiers mais importantes da governação. É obra!
Como é isto possível? Bom, de Portas já não nos admiramos de nada e acreditamos que seja capaz de vender a sua própria mãe (de resto, a única pessoa que ainda deve acreditar nele). Do Presidente, há muito que deixámos de acreditar e ficaríamos espantados se, depois de tudo o que se passou, tivesse a coragem (coisa que não lhe conhecemos) para demitir esta cambada de vira-casacas e vende pátrias que nos governam. Finalmente, Passos, um líder fraco e sem ideias, que tendo chegado ao poder em condições excepcionais, só sobreviveu à custa de muletas (Relvas, primeiro e Gaspar, depois) os verdadeiros ideólogos nestes dois anos que já leva a coligação. Restava, pois, Portas, um politico desleal, mas suficientemente hábil para levar o programa de austeridade a bom porto, mesmo que este programa tenha falhado redondamente como a própria carta de Gaspar o denunciava.
“Last but not least”, perante a eventualidade de eleições antecipadas (a única saída verdadeiramente democrática para este drama shakespeariano) os mercados deram sinal de nervosismo (aumento de juros a médio e longo prazo) e a Troika logo avisou que novas eleições dariam origem a um segundo “resgate” e um regresso mais tardio aos mercados. Chantagem pura, pois.
Resta a oposição, ou o que dela resta: Do PS, e para além dos formais discursos de discordância, nada podemos esperar o que faz algum sentido, pois não é de admitir que Seguro queira ir para o governo já, agora que a crise está no seu auge. Provavelmente, a sua estratégia será a de aguardar até 2015, altura em que, espera ele, o governo estará tão desgastado que o poder lhe cairá nas mãos. Do PCP, Bloco e Verdes, a exigência de eleições antecipadas, ainda que correcta, é insuficiente para mudar a situação criada.
Estamos nisto e isto é mau demais para acreditar. O que faltará ainda acontecer?