2018/07/12

Taxi Driver (14)

Boa noite, então para onde vamos?
- Para a Buraca, se faz favor...
Pelo Monsanto, não é verdade?
- Sim, a esta hora, parece-me melhor. Há pouco trânsito...
Pouco trânsito? Isto até parece de dia!
- Sim, é Verão. Há muitos turistas na cidade...
Isto está cheio, amigo. Ainda por cima havia futebol no Terreiro de Paço...
- Também, também...agora, com o Mundial, é todos os dias.
Grande "jogatana", hoje. Viu o jogo?
-  Vi, mas gostei mais do jogo de ontem...
O França-Bélgica? Claro. Também eu. Mas, olhe que a Croácia também dá uns "toques"...
- Sim, sim, muito boa equipa, mas penso que não terá grandes hipóteses, contra a França, na final.
Pois não. Devem estar cansados. Tiveram dois prolongamentos, "penalties", um dia a menos de descanso...
- Nunca se sabe, mas tanto faz, agora que Portugal foi eliminado...
E bem eliminado. Não mereciam ter passado da fase de grupos.
- Se calhar, não. Fizeram os mínimos, mas esperava mais.
Olhe, amigo eu gosto muito de futebol, mas a selecção portuguesa já não me entusiasma...
- Pois. Já teve melhores dias, apesar de ser o actual campeão da Europa.
Pois é, mas deviam ter levado outros jogadores. Eu, se fosse treinador, tinha levado o Éder.
- O Éder?...
Sim, o Éder. Não o queria na minha equipa, mas na selecção...nem que fosse para jogar só 10 minutos, eu tinha-o convocado...
- Para ser franco, não me entusiasma nada...
Pois não. Já lhe disse, o Éder nunca faria parte de uma equipa que eu treinasse, mas devia ter ido à Rússia. Como talismã. Entrava, quando os outros estivessem cansados, atrapalhava os defesas e, no meio da confusão, ainda marcava um golito!..
- Quem sabe?...
Era cá uma fé. Não viu no Spartak de Moscovo? Foi ele que marcou o golo que deu o campeonato russo ao Spartak. Os russos nunca mais se vão esquecer dele..levava só o Ronaldo e punha o Éder ao lado, para marcar golos...
- E os outros?
Quais? O André Silva e o Guedes? Mas, jogaram alguma coisa? Só atrapalharam, homem...
- De facto, desiludiram um bocado. Também esperava mais...
Até o Bernardo, que fez uma grande época no Manchester, não jogou metade do que sabe...
-  Pois não...talvez estivesse cansado...
Cansado? Nada disso. Os gajos são todos uns "mimados" e passam sempre a bola ao Ronaldo, para não terem responsabilidades se falharem...
- É verdade, esta selecção está muito dependente do Ronaldo...
Essa é que é a questão. O amigo já percebeu que eu adoro futebol...podia estar aqui a falar a noite inteira. Eu também gostava da selecção, mas, de há uns anos a esta parte, não me convence. Olhe que eu cheguei a ir a Inglaterra ver a selecção em 1996. Vi 3 jogos. Nessa altura tínhamos uma selecção de luxo...
- A chamada "geração de ouro"...
Isso, a "geração de ouro": o Figo, o Rui Costa, o João Pinto, o Paulo Sousa, o Fernando Couto...
- Estou de acordo. Todos bons jogadores, mas fomos eliminados...
Sim, com o "chapéu" do Poborsky ao Victor Baía...isso, sim era uma selecção...
- Está a ver: quando jogávamos bem, éramos eliminados, quando jogamos menos, somos campeões da Europa...
Exactamente. Não merecíamos ter ganho o campeonato. Aquela fase de grupos, foi uma lástima...
- Mas, em 2000, também tínhamos uma boa selecção. Eu cheguei a ver um jogo na Holanda, contra a Turquia. A selecção, nesse ano, era treinada pelo Humberto Coelho.
Sim, sim, essa também era boa. Durou até 2002, quando fomos eliminados na Coreia. Aí começou a decadência, com aquele murro do João Pinto...
- Mas olhe que em 2004, com o Scolari, quase que éramos campeões europeus...
Pois, mas convenceram-se que iam ganhar e estragaram tudo. E a "geração de ouro", já estava no fim...o Figo estava a jogar os seus últimos anos e o Ronaldo ainda estava "verde"...
- Sim, houve ali um período de transição menos bom, mas de há uns anos a esta parte, temos uma nova geração de talentos...
Qual talento? Eles são todos muito bons, mas é nos clubes que lhes pagam! Agora, é o Ronaldo, que está muito acima dos outros e mais dois ou três: o Patrício, o Pepe, o Quaresma, vá lá...
- Os veteranos...
Claro. Ainda são os melhores. Não temos grandes talentos, convença-se disso. Daqui a dois ou três anos, já nem esses jogam e, com este treinador, não vamos longe...
- Sim, é verdade, às vezes irrita um bocado, aquele jogo mastigado...
Se irrita! É só passes para o lado, passes para trás...além disso, este ano os adversários já conheciam a forma de nós jogarmos e não conseguimos marcar golos. Marcámos aqueles 3 à Espanha, sem saber como. Se não fosse o Ronaldo, não sei, não sei...claro que contra o Uruguai, já não tivémos hipótese. Têm uma grande defesa e depois, aqueles dois "cavalões" no ataque, o Suaréz e o Cavani...Nós só temos um "cavalão", o Ronaldo... 
- É verdade.
Bom, estamos a chegar. Desculpe lá a conversa, mas já deve ter percebido que eu gosto muito de futebol...
- Não faz mal. É sempre bom desabafar. Ficamos por aqui, então. Até uma próxima vez...
Até a uma próxima. E, no domingo, que ganhe o melhor!
- Isso mesmo.

2018/07/11

A república brasileira é uma banana


Se dúvidas houvesse sobre a situação política e a justiça brasileira actuais, os acontecimentos do último fim-de-semana (relacionados com a prisão do ex-presidente Lula da Silva) bastariam para dissipá-las
O que se passou, afinal?
No passado domingo, o Tribunal Federal Regional de Porto Alegre, aceitou um pedido de "habeas corpus" para a libertação de Lula, que está a cumprir uma pena de 12 anos e um mês por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O "habeas corpus", fora apresentado na passada sexta-feira, por 3 deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), com o argumento de que não existiria fundamento jurídico para a prisão de Lula. Surpreendentemente, o juiz desembargador Rogério Favreto, de turno no fim-de-semana, deferiu o pedido no domingo. A reacção não se fez esperar: o juíz Sérgio Moro, responsável pela investigação e acusação de Lula, no processo Lava Jato, recusou o cumprimento da ordem, argumentando que Favreto (na sua qualidade de juíz de turno) seria "incompetente" para deliberar, sem o acordo do relator (João Gebran Neto) do Tribunal Regional Federal (TRF). 
Seguiu-se uma nova ordem de libertação, por parte de Favreto, a exigir a libertação imediata de Lula. Foi nesta altura, que João Gebran Neto, na sua qualidade de relator do processo e instigado por Moro, decidiu suspender a ordem, subscrita pelo desembargador, pela segunda vez. O argumento utilizado, foi o de "evitar maior tumulto para a tramitação do "habeas corpus", dado que a decisão foi tomada durante um turno (plantão)" pelo que só ele a poderia confirmar ou recusar.
Ou seja, Lula esteve "livre", durante duas vezes e, no mesmo dia, "regressou" à prisão, sem desta ter saído. A "saga" parece, no entanto, não ter terminado e aguardam-se os próximos capítulos deste caso singular, sobre o qual o parecer dos especialistas está dividido: enquanto Sérgio Moro, defende a decisão, com base na condenação de Lula em 2ª instância (que, na sua interpretação, permite enviar um acusado para a prisão); outros especialistas, como o juíz Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal de Justiça (que ainda não se pronunciou sobre o caso), considera a prisão ilegal, com base no estado de direito internacional, segundo o qual um acusado é considerado inocente, até o processo transitar em julgado. Como na justiça portuguesa, por exemplo.
Independentemente das interpretações da lei, a verdade é que todo o processo está inquinado desde o início, pois há muito deixou de ser apenas um processo judicial, para tornar-se um processo político, no qual os juízes possuem a sua própria agenda. Mais do que provar quem cometeu crimes de corrupção, de que toda a "elite" brasileira é hoje acusada, os juízes (com Moro à cabeça) aspiram a tornar-se uma força determinante na cena brasileira, a exemplo do que sucedeu em Itália, onde - perante o caos e a desagregação da sociedade italiana - juízes "justiceiros", como Falcone, decidiram "limpar a sociedade de políticos corruptos, com ligações à Máfia". Sabemos o que aconteceu: os partidos políticos tradicionais perderam a pouca credibilidade que ainda tinham e, em sua substituição, surgiu o populista Berlusconi que, após três mandatos e inúmeros processos em tribunal, acabaria por ser condenado por...corrupção.
Mais importante do que isto, no entanto, parece ser a completa desorientação da maioria do povo brasileiro, dividido entre o apoio a um líder popular preso, que poucas hipóteses parece ter neste momento; e um governo impopular, destituído de qualquer moral, tantos são os implicados na corrupção generalizada que atravessa o país.
O que resta?
Muito pouco e mau: à direita, as principais forças políticas estão fragmentadas e não conseguem arranjar um candidato unificador que possa destronar Lula (31% da intenção de voto). À esquerda, é notória a incapacidade em arranjar outro candidato, que não Lula, no qual o PT e as restantes forças parecem apostar todas as fichas. Entretanto, na extrema-direita populista, o candidato preferido parece ser o fascista Jair Bolsonaro (17% na intenção de votos), que é hoje apoiado pela maioria das forças evangélicas, cuja mensagem o candidato passou a utilizar com vista a obter os votos que lhe dêem uma vitória na segunda volta. Como aconteceu com Trump, na América, de resto.
As eleições são já em Outubro e, a menos que surjam novos candidatos para além dos nomes tradicionais, não há ninguém, suficientemente consensual, que possa ganhar numa primeira volta. À excepção de Lula, que está preso. Ora, parece ser essa, precisamente, a questão. Com Lula em liberdade, as probabilidades do ex-presidente se candidatar e ganhar, seriam enormes. Esse é, de resto, o medo da "elite" e da classe média brasileira, que acantonadas nos seus privilégios de classe, querem, a todo o custo, impedir o regresso do PT ao poder.
Entre o medo e o desânimo, a maioria do povo brasileiro parece descrente numa solução que possa melhorar o seu futuro. Se nada de radical mudar, o país pode vir a tornar-se uma república inviável, igual a tantas outras da mesma latitude que, num passado não muito longínquo, determinado fruto ajudou a popularizar.
   

 

2018/07/10

Tudo bem, quando acaba bem.


"All well that ends well", diria Shakespeare.
Os jovens tailandeses e o seu treinador, estão a salvo. Os últimos a sair, serão agora os mergulhadores-salvadores, que garantem a operacionalidade nas zonas submersas.
Durante a última semana, o Mundo pôde ver em directo uma das maiores e mais dramáticas operações de salvamento a nível internacional, pese embora a morte, no início das operações, de um mergulhador tailandês. Impossível não pensar nos mineiros chilenos das minas de Atacama que, em 2010, ficaram soterrados no local onde trabalhavam.
Um feito notável, tanto a nível técnico como de entreajuda e solidariedade internacional, sem a qual uma operação desta envergadura muito dificilmente seria possível.
Este acto, verdadeiramente heróico, nunca será demais realçado e passará, a partir de agora, a constituir um "case study" para futuras acções de salvamento.
Pena que os meios e a solidariedade internacional, não estejam sempre presentes em cenários não menos dramáticos e que merecem, igualmente, a nossa atenção. Desde logo, em situações onde crianças e adultos estão - por razões alheias à sua vontade - em perigo: guerras, perseguições ou tragédias climatéricas, hoje um pouco por todo o Mundo. É o caso do drama das vítimas das guerras no Médio-Oriente, dos refugiados do Mediterrâneo ou dos migrantes latino-americanos, que tentam entrar nos EUA, para citar três dos exemplos mais gritantes da última década.
Nesse sentido, a última cimeira europeia, agendada para discutir o Euro (que não chegou a ser discutido) acabou por se transformar numa cimeira sobre migrações, com cedências impensáveis de Merkel às chantagens do seu ministro do interior, apoiado pelos governos xenófobos da Itália, Áustria, Hungria e Polónia. A Europa "fecha-se" assim, mais uma vez, agora à volta de um "eixo", que cobre todo o território da Itália,  o antigo império austro-húngaro e a "grande" Alemanha, a lembrar velhos fantasmas do século passado. Sabemos da história, que o nacionalismo nunca foi boa opção e esteve na origem das duas últimas guerras. Liderados por políticos populistas, que desejam voltar às fronteiras do passado, os países do centro e Norte da Europa dão, desta forma, um exemplo negativo do que deve ser a solidariedade e o cosmopolitismo das sociedades modernas. Resta acrescentar que às (vagas) propostas dos líderes europeus citados - entre as quais a criação de centros de "contenção" e "triagem" dos migrantes que chegam à Europa, nos países a Sul e a Norte do Mediterrâneo - nenhum país ou governo se ofereceu para tê-los nos seus territórios. Sim, existe uma proposta, mas ninguém quer ficar com o ónus desta decisão. Enquanto a Europa não estiver de acordo sobre uma estratégia comum, para tentar solucionar este problema, continuarão a morrer milhares de pessoas, que não terão a atenção do Mundo, como tiveram (e bem) as crianças na Tailândia. O adiar deste problema, certamente um dos maiores da actualidade, contribuirá para acirrar os discursos de ódio e o populismo crescente na Europa. As eleições europeias do próximo ano, só conformarão esta tendência, mas pode já ser tarde.
Uma última palavra sobre as intermináveis reportagens e cobertura das operações de salvamento na Tailândia. Não fora os relatos sucintos e objectivos da Reuters, da SkyNews, da CNN e do The Guardian, estaríamos reduzidos aos comentários em estúdio de dezenas de "experts"que, ao longo da semana, foram passando pelos diversos canais e, na maior parte dos casos, se limitavam a especular sobre as dificuldades sentidas na gruta...Até especialistas, em meditação budista foram ouvidos em estúdio. Já não havia pachorra. 
Ainda bem, que tudo acabou bem.