2023/02/11

Taxi Driver (26)

Então, para onde é a viagem?

- Para Sete-Rios, terminal de autocarros.

Vai para longe?

- Para Faro. Costumo ir de comboio, mas a CP está em greve...

Faz bem, com a CP nunca se sabe. Os autocarros são mais fiáveis.

- Talvez, mas prefiro o comboio. É mais cómodo, podemos esticar as pernas, ir até ao bar, enfim é melhor. Além disso, a viagem dura exactamente o mesmo tempo...

Quanto é que dura a viagem de comboio? 

- 3 horas e um quarto. O mesmo que o autocarro. A única diferença é que o comboio pára em 9 ou 10 estações até a Faro e o autocarro é directo. Se o comboio fosse directo e houvesse uma linha dupla, poderia chegar a Faro em 2 horas e meia. Seria uma grande economia de tempo...

Eu sei bem o que isso é. Tenho uma pequeno apartamento no Algarve, que alugo em "time-sharing" e todos os anos vou lá passar umas semanas. Os comboios no Algarve são uma desgraça! Comboios? Aquilo nem comboios são! Já vou para  Algarve há mais de 50 anos e as automotoras ainda são as mesmas! Só existe uma via e têm de esperar em Faro, para deixar passar as automotoras de sentido contrário. Não se percebe, sendo o Algarve a província mais turística de Portugal. Já era tempo de modernizarem a linha. 

- Conheço bem a situação. Então, quando temos de mudar em Faro, para ir a Vila Real de Santo António, parece que mudámos de país. A linha passa a rasar o casario, as automotoras têm de abrandar e param em todas as estações. O problema é que, a partir do momento em que Portugal aderiu à CEE (já lá vão 36 anos) o país deixou de investir na ferrovia. O dinheiro dado pela Europa, para modernizar as vias de comunicação, foi maioritariamente para a rodovia (a chamada "política do betão"). Os governos estão mais interessados em investir em auto-estradas, pois dá mais dinheiro a ganhar às construtoras que, depois, cobram as portagens. Desde então, foram encerrados mais de 1200km de ferrovia! A que resta, pouco ou mal foi modernizado. O mesmo se passou com os comboios que ficaram a apodrecer no Entroncamento e noutros locais do país.

Pois foi. Nunca deviam ter encerrado a Sorefame! E, depois, venderam os comboios ao desbarato! Sabe para onde foram os comboios de Portugal? Para a Suíça! Eu fui emigrante, na Suíça, durante 15 anos. Sei bem. Também lá tiveram uma grande discussão sobre as auto-estradas (eles fazem referendos para tudo) e deram preferência aos comboios. Sabe o que fizeram na Suíça? Abriram túneis através dos Alpes para passarem os comboios. Os camiões entram directamente nos comboios de mercadorias e são transportados por linha férrea. Muito mais rápido e eficiente. Além disso, causam menos poluição.   

- Conheço mal a Suíça e nunca lá andei de comboio, mas, depois da França, sei que tem uma das melhores ferrovias da Europa. Não sabia que os nossos comboios tinham ido para lá. O mesmo se passa ao contrário, pois segundo li, muitos dos comboios que estavam "encostados", eram de origem espanhola e suíça e, agora, como não temos comboios modernos, estão a renovar essas carruagens e automotoras, para pô-las em linhas do interior, no turismo no Douro, etc...

Fazem muito bem, mas andam sempre atrasados. Não se percebe estes políticos! 

- Perceber, percebe-se. Eles não são todos incompetentes, só que as "prioridades" são outras. Dá muito mais lucro investir na construção civil e em auto-estradas, do que na ferrovia. Dessa forma, obrigam as pessoas a comprar carro e a gastar dinheiro em gasolina e em portagens, que geram mais impostos. Os comboio, são menos lucrativos. Não sei se sabe, mas grande parte dos contratos de construção, são por ajuste directo. As empresas que os ganham (a Mota-Engil, a Teixeira Duarte, etc...) inflacionam os preços, pois uma percentagem do lucro reverte para os partidos do poder. Por alguma razão há sempre "derrapagens" nos orçamentos. O maior financiamento dos partidos, vem da construção. Os partidos beneficiam as construtoras e estas retribuem, financiando as campanhas partidárias. Sempre se fez assim e foi assim que a Máfia italiana começou. Há mais de um século. Uma velha prática, que funciona sempre.

Pois é. Agora, é o que senhor acertou, É isso mesmo. Já vi que é uma pessoa informada e não se deixa enganar. Estamos nas mãos de piratas!

- Pois estamos. Bom, chegámos. Quanto é que lhe devo? 

 São 8 euros, bagagem incluída. Continuação de bom dia e boa viagem até ao Algarve. 

2023/02/07

O país de emigrantes que trata mal os imigrantes

Em Portugal, só nos lembramos de Santa Bárbara, quando fazem trovões.

Tem sido sempre assim e continuará a ser. Está nos genes. Somos um povo reactivo, mais do que proactivo. Gostamos de contemplar, mas não de actuar. Somos criativos, mas pouco organizados. 

No último fim-de-semana, o país "acordou" literalmente para um fenómeno existente e identificado há anos. Não faltaram vozes de espanto e de condenação. Depois do mal feito, trancas à porta. A hipocrisia lusitana, no seu melhor. 

Aconteceu em Olhão e na Mouraria, mas podia ter acontecido noutra cidade ou noutro bairro do país. 

Na primeira cidade, foram espancados dois jovens imigrantes nepaleses, recentemente chegados a Portugal, quando regressavam do seu trabalho diário. A agressão só foi conhecida, porque os principais canais televisivos transmitiram um vídeo da ocorrência, filmado pelo próprio grupo que cometeu o crime. Uma barbaridade sem nome, que durou minutos, sem que um único morador da rua acudisse aos desgraçados, apesar dos gritos de um deles, pontapeado, chicoteado e a quem queimaram o cabelo com um isqueiro. Inominável. Onde já se viu isto? 

No bairro mais multicultural de Lisboa, morreram 2 pessoas e 14 ficaram feridas, num incêndio que eclodiu numa loja do rés-do-chão, onde dormiam 16 pessoas! Eram todos estrangeiros, a maioria asiáticos, de nacionalidade bengali, paquistanesa e indiana. Aparentemente, o fogo teria sido provocado por um fogareiro a gás, já que os inquilinos cozinhavam no quarto onde dormiam (um T0, de dimensões reduzidas). 

No primeiro caso, os moradores de Olhão confirmaram as agressões e disseram mais: estas agressões não são uma excepção, mas acontecem com frequência (mais de 15 nos últimos tempos). Sempre contra estrangeiros, jovens imigrantes, que não falam português e não ousam queixar-se à polícia, com medo das represálias. No segundo caso, toda a gente da rua sabia, desde os vizinhos aos comerciantes, passando pela polícia e pela junta de freguesia de Santa Maria Maior, mas ninguém faz nada para combater a sobrelotação de casas alugadas por senhorios gananciosos.        

Ou seja, toda a gente sabe, mas ninguém se queixa, toda a gente convive com o crime, mas ninguém protesta. Seja por medo, seja por insensibilidade, seja pela falta de empatia, que tomou conta de nós. 

Foi assim, com o imigrante ucraniano, barbaramente assassinado às mãos da polícia de estrangeiros, nas instalações do SEF do aeroporto de Lisboa; foi assim, com o grupo de trabalhadores asiáticos, nas estufas agrícolas do sudoeste alentejano, que viviam  em condições sub-humanas, "descobertos" após a pandemia do Covid, no concelho de Odemira; foi assim, com o grupo de trabalhadores asiáticos, chantageados e torturados pela GNR do posto de Milfontes; foi assim, com dezenas de timorenses, aliciados para vir trabalhar para Portugal que acabaram a dormir à chuva e ao frio, no Martim Moniz em Lisboa; foi assim, com centenas de refugiados do Mediterrâneo, chegados a Portugal entre 2015 e 2016, que desapareceram sem deixar rasto; é assim, todos os dias, nas instalações do SEF, onde os imigrantes  pobres pagam para obter uma "senha" (!?) e chegam a aguardar anos por uma licença de estadia, única forma de trabalharem legalmente. Sem licença, ficam à mercê de engajadores sem escrúpulos que os exploram no salário e na habitação sem condições. É assim na zona de Arroios, onde se calcula viverem 20.000 estrangeiros e coexistirem mais de 80 nacionalidades. É assim, no eixo de Almirante Reis, onde nos últimos dois anos houve dez fogos, em habitações onde chegam a dormir 20 pessoas, amontoadas em colchões e beliches. É assim, em Portugal, um país de emigrantes no passado e no presente, que hoje necessita de imigrantes para fazerem o trabalho que nós recusamos fazer. Uma vergonha civilizacional. 

Perante este quadro tenebroso, poucas alternativas (soluções) são oferecidas. Toda a gente lamenta, mas não se conhecem medidas concretas para melhorar a situação. Começaram as respostas evasivas e o "passa culpas" habitual. O presidente da CML, promete alojamento temporário a quem ficou sem casa; o presidente da Junta de Santa Maria Maior (da qual faz parte o bairro da Mouraria) diz não caber à Junta solucionar o problema; a presidente da Junta de Arroios, diz conhecer o problema e estar a preparar um levantamento de casos conhecidos; a polícia, diz ser uma assunto do SEF que, por sua vez,  diz ser uma assunto da Segurança Social. Toda a gente se "descarta", à boa maneira portuguesa, mas ninguém resolve nada. 

No meio destes governantes medíocres, esteve bem Marcelo Rebelo de Sousa, que ontem se deslocou a Olhão para conhecer os dois jovens nepaleses agredidos, a quem apresentou desculpas em nome de Portugal. Voltou a estar bem, mais tarde, quando aproveitou a visita à cidade, para dar uma aula de cidadania sobre racismo e xenofobia, a alunos do secundário de Olhão. "Chapeau"! 

2023/02/06

"Pope in Rio"

A história é conhecida e conta-se em poucas palavras:

Em 2018, no Panamá, o nosso país candidatou-se a organizar as próximas "Jornadas da Juventude" em Lisboa, previstas para 2022.

Para surpresa de muitos (os que não sabem como estas coisas se fazem), Portugal ganhou a nomeação. Todos nos lembramos das reacções de júbilo do Presidente da República, presente nas jornadas latino-americanas, após o anúncio do nome de Portugal.

Seguiram-se as manifestações nacionalistas do costume: vinha cá o Papa, com ele viriam mais de 1 milhão de peregrinos, Lisboa seria o "centro" do Mundo durante uma semana e, o evento, traria dinheiro, muito dinheiro, como é habitual nestas coisas...

Começaram a ser programadas as diversas fases do evento. Primeiro, a escolha do lugar: esta recaiu sobre um espaço devoluto, ocupado por contentores, na zona fronteiriça entre Lisboa e Loures. Os presidentes de ambas as autarquias, ao tempo Fernando Medina (PS) e Bernardino Soares (PCP), não escondiam a sua satisfação: o primeiro por poder terminar a obra de requalificação da zona Oriental de Lisboa, iniciada com a Expo'98; o segundo, porque Loures, deixaria de ter contentores na Bobadela, que ocupavam aquele espaço desde a Expo. Foram feitas as fotos da praxe com o presidente da república, tendo por cenário um "outdoor" onde se anunciava o evento e voltaram todos para casa, contentes, já que faltavam 4 anos para as Jornadas e havia tempo...

Entretanto, pelo meio, surgiu a Pandemia Covid, que viria alterar a fase de planeamento. A Igreja, "compreensiva" como sempre, percebeu as dificuldades e concedeu um ano-extra de preparação. Aparentemente, estava tudo em ordem e deixou de falar-se nas "jornadas", excepção feita às reportagens televisivas que iam mostrando a Bobadela, "limpa" de contentores. 

Eis senão quando, a sete meses do evento, uma notícia do "Observador", veio revelar a maqueta idealizada para o palco-altar onde o Papa celebrará a missa principal. Mais do que o modelo proposto, foi o seu preço (5 milhões de euros + IVA) que escandalizou toda a gente. A coisa chegou aos telejornais e pior ficou quando o responsável pela coordenação do evento (o ex-vereador José Sá Fernandes), mostrou uma maqueta mais pequena, por ele aprovada, que custava metade do preço (!?).

A partir daqui, a história é conhecida. Há duas semanas que não falamos de outra coisa. Não fora a guerra da Ucrânia ou terramoto na Turquia, o assunto "palco" seria certamente "manchete" por muitos dias. Pediram-se explicações à igreja, ao presidente da república, às câmaras implicadas no processo, à construtora Mota Engil (responsável pela maqueta) e, inclusive, foi "convidado" um empresário de festivais (Álvaro Covões) para coordenar o evento. Só faltou mesmo, convidar a Medina (brasileira) organizadora do "Rock in Rio" em Lisboa...

Como é habitual nestas coisas, começou o "passa-culpas" (num país onde a culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é verdade?). Nisso, somos especialistas. Carlos Moedas, qual "Presidente da Junta", já veio anunciar que, a partir de agora, será ele o responsável pelo evento. Entretanto, recomeçaram as reuniões, para reestruturar o projecto, com o fim de reduzir custos. De acordo com as últimas notícias, a Mota-Engil irá apresentar um plano mais barato, que dispensa a capela para o Papa rezar (notícia do jornal "Sol")

Esta história de (falta de) planeamento, lembra-me sempre uma anedota que se contava sobre o Inferno dos ingleses e dos portugueses. Os primeiros, encontraram-se com os portugueses e contaram-lhe o sofrimento em que viviam: "sofremos queimaduras terríveis, mergulham-nos em vinagre e atiram-nos com merda o dia inteiro. Como é o inferno português, já que vocês parecem sempre felizes?". Ao que o português respondeu: "É exactamente igual ao vosso, só que há dias em que não há fósforos, dias em que falta o vinagre e dias em que não há merda. Por isso, suportamos melhor o Inferno".  

Faz sentido: haverá Papa, mas não haverá capela.