2011/03/15

Avisos à navegação

O artigo de Mário Soares, hoje publicado no DN, é revelador da inquietação que grassa nas hostes socialistas. Depois de, há uma semana, ter vindo criticar os jovens que convocaram a manifestação da "geração à rasca" (apelidando-os de niilistas e do perigo do populismo e do fascismo, que podiam desencadear), Soares vem agora fazer "mea culpa", alertando para a "mensagem" que a manifestação deu ao país e, pior, criticar Sócrates pelo anúncio de mais um PEC sem consulta prévia do parlamento. Vai mesmo mais longe e escreve que as eleições poderão ajudar a clarificar a actual situação política. Tais considerações, vindas do "pai da democracia", são palavras inequívocas para um governo da sua cor política, que chegou definitivamente ao fim da linha. Se isto não acelerar a demissão de Sócrates, não sei o que o obrigará a sair. Mas, o primeiro-ministro, tem certamente uma resposta para todas as críticas e vai estar esta noite na televisão em mais um dos seus monólogos habituais. Catatónico, como é, acreditará na sua própria mantra, pois já provou não saber viver de outra maneira.

O Japão aqui tão perto

Absorvida como está, com a crise em que o país se encontra, compreende-se a relativa ausência de interesse da população portuguesa pelos acontecimentos no Japão. O terramoto, a que se seguiu um tsunami e, posteriormente, as sucessivas explosões em centrais nucleares, prenunciam uma catástrofe sem precedentes a nível mundial. Todas as palavras serão poucas para imaginar o horror porque passam neste momento as populações japonesas atingidas. E, no entanto, ao vermos as terríveis imagens que nos entram em directo pela televisão, não podemos deixar de sentir, para além do pesar, uma admiração imensa por este povo estóico que vive, literalmente, sobre um vulcão.
É uma ironia da História que o único país vítima de duas bombas nucleares seja de novo atingido pela ameaça da contaminação radioactiva. Ainda não são conhecidos os efeitos reais, mas o aumento da radioactividade, em cidades como Tóquio, indica que o pior ainda poderá estar para vir. Infelizmente, a "irracionalidade" da natureza não se compadece com o mérito das nações. Resta-nos ser solidários com este povo magnífico que, num dos momentos mais difíceis da sua existência, está a dar uma lição ao Mundo em resistência e na organização da sua própria sobrevivência.

2011/03/13

Espontaneidade

Foram, quase que aposto, mais do que aqueles que os organizadores modestamente anunciaram ter descido hoje a avenida e foram, certamente, muitos mais do que aqueles que pateticamente a polícia anunciou. Marchavam de forma totalmente desorganizada, mostravam cartazes escritos à mão, cantavam, tocavam, mas não gritavam as palavras de ordem que habitualmente ouvimos nestas iniciativas. Via-se sobretudo gente nova, via-se um número inusitado de carrinhos de bebé, viam-se muitos pais, lado a lado com os seus filhos. Eu estive lá com o meu.
Os sinais habituais deste tipo de acções estiveram ausentes. Não se viu uma única bandeira partidária, não se ouviu uma única palavra de ordem construída nos gabinetes de agit-prop dos partidos.
Percebia-se que estes manifestantes não são frequentadores habituais deste tipo de acções. Desceram a avenida para dizer não a esta governação, a este modelo (as referências ao "modelo" eram frequentes), ao status quo. Diziam não de forma muito determinada, sobretudo pela sua presença. Gritavam "Basta!"
Fizeram tudo isto de forma espontânea (via-se!), sem os rituais habituais destas ocasiões, fizeram-no em número muito significativo. Só não o vê quem não quer. E quem o ignorar comete um enorme lapso.
Quem não ouviu o grito de revolta implícito na saída destes larguíssimos milhares de pessoas, que desceram à rua por todo o país e se manifestaram também junto a embaixadas portuguesas no estrangeiro, sofre de uma surdez absurda e comete um erro fatal.
Mas, cometem também um erro (e um erro grosseiro!) os manifestantes e, sobretudo, os jovens actores directos deste acto, que pensarem que conseguem levar a água ao seu moinho ficando, simplesmente, por aqui, não insistindo, insistindo e insistindo outra vez, e não o fazendo de forma muito organizada. É que, do outro lado está uma máquina totalmente oleada e profissionalizada, a máquina que se apoderou do aparelho de Estado, dos partidos, dos comentadores, uma máquina com imensos interesses a defender, uma máquina alimentada a corrupção e parasitismo de 100 octanas, uma máquina oportunista, uma máquina habituada a praticar a arte de camuflar crimes graves.
Lutar contra esta máquina pressupõe mais do que entusiasmo e justeza de princípios, embora a luta só seja vitoriosa se houver entusiasmo e justeza de princípios.
Não é para desistir, é para insistir!