2019/05/17

Taxi Driver (17)


Então, para onde vamos hoje?
 - Para o Rossio, para variar...
Muito bem, importa-se que tenha o rádio ligado? (no rádio, notícias sobre as condecorações de Berardo)
-  Desde que o som não esteja muito alto...
O que interessa, tirar-lhe as condecorações? O que interessa é que ele pague as dívidas...
- Claro. As medalhas são simbólicas. Entretanto, os bancos recuperam os créditos mal-parados, através de taxas impostas aos clientes. Alguém há-de pagar...
Isto é uma vergonha e nós é que temos a culpa, pois somos um povo de parvos. Anda toda a gente preocupada com o pagamento de 800 milhões de euros a 100.000 professores e há um gajo que deve 1000 milhões e ninguém se preocupa!...
- É isso mesmo. O que interessa é o futebol e as notícias-sensação. Ninguém parece preocupado com o assalto aos dinheiros públicos, mas estão preocupados com um grupo profissional que reivindica os seus direitos.
Veja lá, o senhor. Eu, por exemplo, trabalho numa cooperativa de taxis. No fim-do-ano, uma pequena percentagem dos lucros, é depositada num fundo para a nossa reforma. É pouco, mas ajuda. Toda a gente concorda, mas alguns dos meus colegas dizem que o governo não deve pagar os anos "congelados" dos professores. Eu já lhes disse que, na próxima assembleia geral, ia fazer uma proposta: como o mercado está mau, a partir de agora devíamos também "congelar" os nossos salários, durante 10 anos, para ver se gostam...  
- Imagino, que ninguém concordou...
Claro que não. Tenho colegas, aqui na "praça", que atingiram a idade de reforma e agora não podem deixar de trabalhar, pois o que recebem não dá para viver. No entanto, trabalharam 40 e mais anos! Como é isto possível? Claro que ninguém pode viver com uma reforma de 600 euros!
- Ordenados baixos e poucos descontos, imagino...
Isto é tudo uma farsa. Veja o exemplo dos motoristas de materiais perigosos: metade do ordenado é pago por "debaixo da mesa". Os patrões dizem que eles ganham 1200 euros, mas na folha de pagamento, só estão declarados 640 euros...
- Sim, muitas empresas utilizam essa forma para fugir aos impostos. Pagam uma parte do salário em "ajudas de custo".
Uma aldrabice pegada, mas esta gentinha não percebe isto e depois fica muito surpreendida por ter reformas baixas! Não percebem que a reforma é calculada sobre o dinheiro declarado pelo patrão e não sobre o que receberam durante os anos que trabalharam. É evidente que se o IRC for calculado sobre 640 euros, os descontos para a reforma são mais baixos do que se forem calculados sobre 1200 euros...
- É mais uma forma de economia paralela. Calcula-se que possa atingir 30% do PIB nacional...
É evidente. Não falta dinheiro, falta é controlo das contas e justiça.
- São vários os problemas, a começar pela impunidade. Os aldrabões, com dinheiro, sabem que podem pagar a advogados que prolongam os processos por décadas, que muitas das vezes acabam em nada.
Quer uma água das "pedras"? (abre uma garrafa de água). Eu vou lá trás, buscar outra...
- Não obrigado, agora vou almoçar...
Pode beber antes de almoço, que não faz mal. Eu chego a beber 4 ao dia! Não há nada melhor...
- Cuidado, que demasiada água mineral pode ser contraproducente. São águas sulforosas e prejudicam os rins. Mas, estou de acordo que as nossas águas são muito boas...
É das poucas coisas boas que temos, pode crer...
- É verdade. Temos muitas e boas. Podíamos exportá-las ou trocá-las por petróleo. Devíamos fazer uma proposta aos árabes: trocávamos água (que eles não têm) por petróleo, que têm em demasia.
Bem pensado. Porque é que não escreve a fazer essa proposta?
- Alguém já deve ter pensado nisso, imagino...
Olhe que não. Porque é que não escreve? Sei lá...ao Marcelo, ou assim...ele vai lá e vende a sua ideia...
- Capaz disso era ele. Vende tudo e o seu contrário...
Por exemplo, 1000 garrafas de água por um barril de "crude". Claro que, depois, era preciso um intermediário, a meio do percurso, para distribuir a água...
- "Intermediários", é o que não falta em Portugal. Talvez o Berardo, sei lá...
Esse, é um "génio". Era capaz de transformar a água em acções e quem tinha de pagar a água, éramos nós...