2018/09/20

Taxi Driver (15)


2º dia de greve dos taxistas de Lisboa.
São 10h da manhã. Passo pela praça de táxis do bairro, deserta àquela hora.
Pára um táxi. O motorista abre o vidro e pergunta:
- Para onde vai?
Para Sete-Rios, respondo.
- Está bem, pode entrar...
Então, não está em greve?
- Estou e não estou...se fosse para a Baixa não ia, está para lá uma confusão dos diabos...
Pois deve estar e vai continuar, ao que percebi.
- Sim, são capazes de lá ficar o dia inteiro, mas isto não vai dar em nada...
Não? Então?
- Não vai dar em nada, porque há muitos interesses à mistura e há governantes metidos nisto.
Não me admirava nada...
- Olhe, o dono da Uber é o marido da Cristas, a filha do ministro do ambiente tem uma frota de 20 carros na Uber e até há donos de empresas de táxis que têm carros na Uber...Como é que isto pode dar resultado? Não viu o tempo que levaram a aprovar esta lei? Há dois anos que andam a discuti-la e só em Novembro é que vai ser promulgada. Claro que isto deve interessar a alguém...
Sim, há sempre interesses e "lobbies" pelo meio, já sabemos...
- Claro que há. E agora já não é só a Uber, entretanto apareceram mais duas empresas, a Cabify e uma francesa. Isto não pára...
Mas também existem noutros países...
- Pois existem, mas foram proibidas noutros. Ouça, os motoristas de táxi não são contra a Uber, apenas querem ser tratados de forma igual: mesmos direitos e obrigações. Eles podem circular desde que observem as mesmas regras: têm de pagar impostos, estacionar nas mesmas praças e fazerem cursos como nós fazemos. E devem ser estabelecidos máximos no número de viaturas...
As pessoas pensam que pagam menos indo com a Uber, mas não é verdade. Ainda esta semana apanhei uma senhora que me disse que foi a Cascais num carro da Uber, em tarifa dinâmica, e só pagou 40 euros. E eu disse-lhe que se tivesse ido de táxi, pagava 30! Porque no táxi só pagava o que o táximetro marcasse e indo com a tarifa dinâmica na Uber, esta cobra pela prioridade no serviço. Quanto mais serviços têm, mais os preços sobem... 
Estou de acordo, a legislação tem de ser mais apertada. Já há cidades que impuseram regras, como Barcelona, Copenhague e Berlim. A Uber não aceitou as condições e foi-se embora...
- Está a ver? É isso que os nossos governantes têm medo de fazer...está tudo "armadilhado"...
E quanto tempo é que pensa que este "braço de ferro" vai durar?
- Nunca se sabe, pode durar dias ou acabar já hoje, mas há carros a trabalhar...o problema é da legislação. Se houver regras é mais fácil para toda a gente. Já viu os "tuc-tucs"?
Os "tuc-tucs"?
- Sim, os "tuc-tucs". Não havia legislação e começaram a aparecer por todo o lado. Eram 200 e já são quase 600! A ideia inicial era haver 20 ou 30, que iam aos sítios onde os táxis não podem ir, como os castelos, miradouros e tal, mas agora andam por todo o lado. Até ao Cristo-Rei já vão!
Ao Cristo-Rei? Mas, podem passar na ponte?
- Podem, porque são motores com mais de 125cc.
Essa nunca tinha ouvido...
- Vale tudo. Com os protestos, a Câmara ainda fez uma lei para acabar com os motores a gasolina, por causa da poluição. Agora só com motores eléctricos. Mas, continuam a empatar o trânsito, a não pagarem impostos, não têm táximetros, fazem o preço que querem e exploram os turistas que nunca sabem quanto pagam no fim a corrida. A maior parte deles, nem as ruas de Lisboa conhecem...
Pois não, já não falando das informações erradas que dão, pois não têm formação.
- Qual formação, qual quê! Eu bem os vejo em Sintra. Vim de lá agora. Os táxis deixaram de ir ao Palácio, pois só ganham 5euros e eles vão lá cima por 5 euros por passageiro. Levam 6, são 30 euros. Trazem 6 para baixo, são mais 30 euros. Ao fim do dia, imagine quanto dinheiro é que ganham.
Imagino, imagino...
- É como lhe digo, não há lei nem roque nesta cidade...mas, isto não vai dar nada...
Bom, ficamos por aqui. Tenho de ir comprar bilhetes de comboio. E amanhã, já há táxis? Tenho de ir para o estrangeiro...
- Há, desde que não seja para o centro da cidade. Para o aeroporto já está tudo a funcionar.
Estou a ver. Continuação de boa luta!




2018/09/18

Sevilha: Bienal de Flamenco


Está de volta a Bienal de Flamenco, a mais importante celebração musical do género, com lugar marcado na cidade de Sevilha, em anos pares, desde 1980.
Na sua 20ª edição, a decorrer entre 6 e 30 deste mês, lugar para as diversas formas da "arte" (cante, toque e baile) que inclui o flamenco mais clássico (cante "jondo"), o flamenco menos tradicional (cante "chico") e o flamenco moderno, nas suas diversas formas de fusão.
Não fora a distância e o preço dos espectáculos pagos (pormenor não despiciente) e estaríamos lá todos os dias. Acresce que, para além do programa oficial, a autarquia oferece diariamente pequenas actuações de canto e dança, nos lugares menos previsíveis, como praças, jardins, pátios, clubes e peñas flamencas. Uma oportunidade para assistir à abertura, este ano junto à ponte de Triana, com um "flashmob" ensaiado por dezenas de aficionados, que dançaram ao som de uma "buleria" transmitida pela aparelhagem sonora do evento. Seguiu-se o "pregón" (pregão), um encadeado de pregões tradicionais, um "palo" em si mesmo nas palavras de Tomás de Perrate, cantados à capella por este histórico do "cante", que contribuiu para o primeiro momento de magia da noite. O ponto alto da abertura, viria a seguir, com o desfile "no sin mi bata", uma coreografia da "bailaora" La Choni, que, depois da atravessar a ponte de Triana, terminaria no bairro do mesmo nome, com uma "buleria" contagiante. Um fartote, que envolveu grande parte dos locais e de turistas, que se deslocam expressamente de outros pontos de Espanha e do estrangeiro, para assistirem a este momento único de celebração.

Com tanta coisa boa para ver, a escolha era difícil e nem sempre possível dado que alguns dos espectáculos esgotam com meses de antecedência. Foi o caso de Carmen Linares, a maior voz feminina do flamenco actual, que apresentava, em estreia, o concerto "Romances: entre Oriente y Occidente", um projecto em colaboração com Ghadis Benali Y Ensemble, onde se misturam influências musicais do Al Andalus.
Porque as alternativas eram muitas, o critério seguido foi o de ver nomes conhecidos, que nunca tivéssemos presenciado ao vivo. Neste lote, estava o bailarino e coreógrafo Israel Galván, hoje um dos nomes maiores da dança flamenca, presente na Bienal com dois espectáculos, dos quais o mais importante (Arena) teve lugar na histórica praça de touros "La Maestranza". Trata-se de uma adaptação do espectáculo com o mesmo nome, estreado em 2004, que contava com a participação de Enrique Morente. A nova versão, adaptada ao recinto e encomendada pela Bienal, segue o roteiro original (6 quadros, correspondentes a outras tantas "lides") em que Galván incarna o touro e o toureiro alternadamente, num espectáculo de rara beleza plástica, no qual, o dramatismo expresso na arena, é magnificamente sublinhado pelo canto de Kiki Morente (filho de Enrique) e pelos restantes intérpretes: desde logo, Galván, um génio, que não desdenha inovar  com a ousadia que só os criadores de excepção podem permitir-se, mas também os restantes "bailaores" e a "brassband", sempre presente na arena, para além de El Niño de Elche, um transgressor do flamenco que, para além de cantar, recita poemas clássicos espanhóis, adaptados aos dias de hoje. Brutal, El Niño! Uma última palavra, para o som e luz, de recorte magnífico, em condições verdadeiramente adversas (uma praça de touros descomunal) em que nunca nos sentimos deslocados, pese a nossa aversão a touradas.
O terceiro espectáculo, desta primeira série, teve lugar no Hotel Triana, um "corral de vecinos" em forma de "U", onde decorrem vários espectáculos da Bienal, que podem ser presenciados pelos moradores a partir das suas próprias casas. Ambiente efervescente e praticamente esgotado, com direito a serviço de bar, numa organização impecável. Pormenor curioso: a exemplo da sessão na "Maestranza", a sessão iniciou-se com as habituais recomendações sobre o uso e proibição de gravação e fotografias em espanhol, inglês e...japonês! A razão é simples: o Flamenco é uma "rage" no Japão e anualmente milhares de potenciais "bailaoras", passam meses em Sevilha, para aprenderem os segredos da dança. Lá estavam elas, todas vestidas a rigor, de trajes "lunares" e mantilhas locais.

O programa, intitulado "Lebrija, Luna Nueva", era promissor e não defraudou as expectativas: Inês Bacán (uma histórica do "cante") acompanhada do irmão Juan Bacán e respectivas famílias ciganas, na melhor tradição de Lebrija, lugar-cadinho do Flamenco, a meio caminho entre Utrera e Jerez. Onze pessoas em palco (três "tocadores", quatro "cantaores", dois "bailaores" e dois "palmeros") que incendiaram o recinto, na curta hora e meia que durou a actuação. Entre "soléas", "seguirias", "bulerias" e duetos, cantados por Miguel Hijo Fino (um timbre contagiante) e Javier Heredia (cantaor e bailaor de fino recorte) o concerto teve momentos mágicos, que repassaram para a assistência, em verdadeiro êxtase. O "duende" esteve, mais uma, vez presente em Triana, o bairro onde sempre voltamos com saudades de regressar.
Para a semana há mais. Seguem-se, Tomatito, com dois convidados de luxo (Duquende e Arcángel) e El Niño de Elche, com o concerto "Antología del cante heterodoxo", baseado no álbum com o mesmo nome. Se houver bilhetes, ainda haverá tempo para Rosalía, a nova sensação do cante feminino flamenco. Lá estaremos.