2012/11/15

Estado de direito ou estado de direita?


Concordo totalmente com o ponto de vista do Daniel Oliveira expresso neste seu artigo. Ter-lhe-á faltado referir (mas faço-o eu aqui), que o Estado tem a absoluta obrigação de proteger os cidadãos que observam a Lei e não de os espancar. 
Ou seja, num país a sério, a PSP e o MAI deveriam ser acusados e sujeitos ao veredicto dos tribunais, se tudo se passou assim, como tudo leva a crer que se passou, de facto...
A PGR tem aqui ampla e clara matéria para actuar, mas os cidadãos que foram vítimas dos maus tratos da polícia e as organizações cívicas que lutam pelos direitos civis deveriam também agir com decisão.
Ou, com o pretexto da austeridade e o beneplácito da troika, já metemos todos o Estado de Direito definitivamente na gaveta??!

2012/11/14

Antes...

... Porque o depois, sabêmo-lo pela dura experiência do dia a dia, a realidade é bem diferente. Senhoras e senhores, sem mais demoras, apresento-vos Pedro Passos Coelho!


2012/11/11

Alguém paga!

Quando a minha prima Ermelinda ouviu aquela senhora do Banco Alimentar afirmar, contava-me ela, que vivemos acima das possibilidades, estremeceu um pouco. Quando a ouviu dizer, com um tom de censura e aroma a incenso e a estearina a arder na voz, que vivemos acima das possibilidades porque "alguém pagava," voltou a estremecer. Quando a ouviu dizer que temos de deixar de comer bifes todos os dias, ficou incrédula. A ela, que já há tanto tempo que não come bifes todas as semanas sequer, pareceu-lhe, dizia-me ela, que a senhora a estava a ameaçar que teríamos provavelmente de deixar de comer de todo.
Aquilo não lhe parecia tontaria ou brincadeira. A senhora falava a sério. O pensamento fê-la estremecer mais uma vez. Quando, depois da surpresa inicial, começou a pensar na hipótese de toda a gente deixar de comer bifes, ou de os comer apenas uma raríssima vez por outra, concluiu que o matadouro, o talho e o supermercado iam à falência com a quebra do negócio. O pensamento, fê-la estremecer ainda uma vez mais.
Não se surpreendeu, revelou-me, quando ouviu dizer que a venda do Nestum estava em alta e imaginou que a Nestlé se aguenta certamente bem no meio desta crise. Coitados dos pequenos negócios, contudo. Mesmo, os grandes negócios nacionais, pequenos à escala internacional, não têm hipótese. Deve ser impossível gerir uma cadeia de supermercados com base na venda de Nestum.
E estremeceu uma vez mais.
Depois pensou que, quando preconizava o fim do bife, a senhora do Banco Alimentar estava também implicitamente a dizer "alguém paga!" —o mesmo que ela nos acusava de "termos feito" todo este tempo. Isto porque alguém vai então ter de pagar os subsídios que os trabalhadores. aqueles que vão ser despedidos em virtude da quebra de vendas do matadouro, do talho e do supermercado e o consequente e inevitável encerramento do negócio— terão, por lei, de receber.
Se o matadouro, o talho e o supermercado forem à falência, vão à falência os fornecedores das facas com que se cortam as carnes, dos sacos de plástico em que elas são embaladas, dos frigoríficos em que são guardadas, vão à falência os fornecedores das caixas registadoras, dos programas de facturação, os contabilistas que lhes fazem a escrita e por aí fora. E os fornecedores deles! Vai tudo ao ar! Mas alguém paga.
A vida é assim: neste modelo de sociedade, para irmos vivendo, alguém paga. Sempre. Esta sociedade vive do "alguém paga!" Porque alguém vende. E alguém compra.
É assim que está estruturada. Uns produzem o que os outros consomem. Uns procuram e outros oferecem. E, continuava a prima Ermelinda naquele seu solilóquio que nem me atrevia a interromper, se a senhora conhece uma sociedade alternativa, sem produção nem consumo, devia-nos então ter explicado as suas ideias sobre ela. A sua posição exige-o.
Mas, disparava ainda a prima Ermelinda, ao pagarmos todos (nesse caso o alguém somos nós) estes subsídios ao pessoal despedido dos talhos, matadouros, operários das cutelarias, contabilistas, etc., o dinheiro para o bife e para o resto torna-se ainda mais escasso. Se calhar, não vai sobrar dinheiro sequer para pagar os impostos que cobrem as despesas do pequeno almoço das 10 000 crianças famintas (que o próprio governo reconhece existirem) e das cantinas colectivas abertas de emergência para acolher velhos e novos pobres. Tudo isto estará inevitavelmente em risco. O próprio Banco Alimentar acabará por deixar de ter donativos e os voluntários que nele trabalham estarão sem força para prestar a sua colaboração, definitivamente esgotados.
Ou não... interrogava-se subitamente a Ermelinda. Ou será que haverá sempre uma verba do "fundo de resgate", proporcionado por uma entidade qualquer (alguém  paga!), que garantirá o funcionamento mínimo do metabolismo basal de toda esta gente, para evitar o colapso dos Bancos Alimentares e das cantinas colectivas, resultante da exaustão dos seus dirigentes e dos proponentes da solução caritativa?
A prima Ermelinda, sem me deixar sequer comentar as suas perguntas, questionou então se a senhora do Banco Alimentar sabia mesmo do que está a falar e perguntava-me (a prima Ermelinda não é parva...) se ela teria competência para ocupar o cargo de que é titular. É que até a tia Laurinda, mãe da prima Ermelinda, que vive numa casa a cair de podre, num bairro totalmente degradado com 200 euros por mês, e, para se manter dentro das suas possibilidades, é uma velha consumidora de Nestum, a tia Laurinda, notava ela, que vive assim há muito, mas não é parva, tinha já chamado a atenção para tudo isto há já bastante tempo.
O que a minha prima Ermelinda não percebe é como é que uma senhora tão fina, que dirige uma organização tão grande e prestimosa, que agrupa tanta gente e lida com uma diversidade tão grande de problemas e de entidades, não pensou nisto. Como é que ela emite estas opiniões deste jaez e continua a ocupar o lugar que ocupa, depois do que disse?
E, queres ver, perguntava-me ainda a prima Ermelinda, que, seguindo o velho Princípio de Peter, ainda vão dar a esta senhora tarefas mais complexas? E se isto fosse coisa mais profunda, exclamou de repente a Ermelinda, um desígnio europeu, quem sabe? A senhora era ideal para o cargo: transformar a Europa dos grandes valores da Democracia, da Justiça, da Liberdade e dos Direitos Humanos, a Europa toda, de norte a sul, num super asilo de pobres e velhos, sustentados a Nestum.
Embora me fosse confessando ser pouco dada a teorias da conspiração, a Ermelinda rematou a nossa conversa admitindo que se alguém quisesse exterminar a população de modo eficaz, praticar o "crime perfeito," o método era o ideal. Ninguém desconfiaria, nem o Colombo!
Ao ouvir a senhora do Banco Alimentar, dizia ela, ao constatar que as ideias que expressa não poderão ter saído certamente de uma cabeça daquelas, esta pergunta não deixava de lhe apoquentar o espírito: a mando de quem andaria então ela a papaguear tudo isto...?