2022/10/20

Brasil: democracia versus barbárie

 

Faltam 10 dias para a 2ª volta das eleições presidenciais brasileiras. 

De acordo com a maioria dos analistas e institutos de opinião, o debate do passado domingo, entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, saldou-se por um "empate técnico", o que não permite extrair grandes conclusões para as eleições do próximo dia 30. O debate teve uma primeira parte de nível bastante aceitável, resvalando, na segunda, para as habituais acusações "ad hominem", que não contribuíram para elevar a discussão. De facto, ambos os candidatos pareceram bem preparados, com um Lula mais desenvolto, usando a sua experiência política e poder de comunicação que sempre o caracterizou; e um Bolsonaro, mais hirto e em pose militar, com as mãos atrás das costas, que teve de socorrer-se de uma cábula para defender os seus argumentos. As críticas de Lula, centraram-se fundamentalmente nas políticas de educação, na gestão da pandemia e na desflorestação da Amazónia, durante a actual legislatura; enquanto as críticas de Bolsonaro, tiveram como alvo o tema da corrupção durante os governos de Lula, de que foram exemplos maiores o "mensalão" e o "lava jato", como se previa. Até aqui, poucas novidades. 

Esta parece ser, também, a opinião da maioria da população, a avaliar pelas sondagens posteriores ao debate e publicadas esta semana pelo IPEC e pela Data Folha, dois dos principais centros de sondagem no Brasil. Assim, com base na sondagem do IPEC (efectuada entre 15 e 17 de Outubro últimos) Lula terá agora 50% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro terá 43% (na primeira volta, estas percentagens foram, respectivamente, de 48% e 43%). Ou seja, Lula, depois do debate, terá aumentado ligeiramente a sua vantagem para 7 pontos percentuais. Já na sondagem da Data Folha, publicada hoje (19 de Outubro) as percentagens são de 50% para Lula e 44% para Bolsonaro (uma diferença de 6 pontos). Para além destes votos, há ainda a considerar 5% de votos nulos e 2% de votantes, que não sabem e/ou desconhecem em quem votar. 

Resumindo: os votos em Lula mantêm-se constantes (a rondar os 49%) enquanto os votos em Bolsonaro, (depois de um crescimento surpreendente, relativamente às sondagens pré-eleitorais) parecem ter atingido o seu valor máximo (a rondar os 44%). A percentagem dos votantes, que não mudam de opinião, mantém-se estável: 93%. A dúvida parece estar, agora, nos 7%, que ainda não decidiram em quem votar. É neste grupo, com cerca de 10 milhões de eleitores, que ambos os candidatos se concentram, pois dele pode depender a vitória no dia 30. Uma coisa é certa: mesmo que Lula ganhe, como previsível, Bolsonaro terá a maioria no Senado e no Congresso, o que não facilitará a vida do próximo governo. É prevendo este desfecho, que ambos os candidatos se desdobram, esta semana, em múltiplas acções eleitorais de última hora, para tentar conquistar o voto dos indecisos. Lula, mantém o apoio do Nordeste, da população mais pobre, do mundo cultural e do eleitorado feminino; enquanto Bolsonaro, tem o apoio da maioria das seitas evangélicas, dos ruralistas e dos militares, os chamados três BBBs (Bíblia, Boiada e Bala),  tradicionalmente os grupos populacionais mais despolitizados e conservadores do país.     

De Lula, todos sabemos que foi operário metalúrgico, sindicalista, fundador do PT, candidato perdedor em três eleições presidenciais e ganhador noutras duas. Durante os seus mandatos (2002-2010) muita coisas boas e más aconteceram. Desde logo, as políticas sociais e educacionais, que tiraram da miséria extrema 40 milhões de brasileiros e permitiram aos mais desfavorecidos estudar e tirar cursos superiores, contribuindo para a qualidade de vida do brasileiro médio e aumentando o PIB nacional, como nunca até aí. O Brasil tornou-se uma das dez economias mais competitivas do Mundo e acedeu ao excelso clube do G20, fazendo parte dos BRICs de sucesso. Lula saiu do governo com uma taxa de popularidade de 87% e, só não foi eleito pela terceira vez, porque a constituição não o permite. Há, no entanto, um lado escuro nesta história de sucesso, devido às acusações de corrupção, que lhe custaram diversos processos judiciais e, inclusive, a prisão. Sobre este candidato, que muitos preconizavam morto politicamente, escreveu esta semana, André Lamas Leite, cronista do "Público": "O "cadáver político" que esteve 20 meses preso e que - digamo-lo com frontalidade - não se duvida que tenha cometido os crimes pelos quais foi condenado transitoriamente, beneficiou messianicamente de Sérgio Moro - oportunista obcecado, agora senador, e que mercadejou o seu cargo por uma breve passagem pela pasta da Justiça - que, assim, se transformou, suprema ironia, no desfibrilhador "lulista"". Ou seja, apesar de todos os revezes, Lula renasce das cinzas, graças ao seu principal acusador no processo Lava Jato. "Bolsonaro, não teve o engenho de transformar os 87% de aprovação, com que Lula abandonou a presidência em cinzas, mesmo após as condenações judiciais" (Leite, André Lamas: in "Público" d.d. 4/10/22).

De Bolsonaro, sabia-se pouco até ter chegado ao Planalto, mas os quatro anos que leva à frente do governo, chegam e sobram para fazer o retrato da criatura. O que sabemos de Bolsonaro? Sabemos que: "Bolsonaro acha bem os cidadãos terem em casa armas de uso militar. Na primeira campanha presidencial, em 2018, disse que "Uma arma, mais que defender a nossa vida, defende a nossa liberdade". Agora, na segunda campanha, descreveu-se como "Um presidente que defende a legitima defesa e o armamento para o cidadão de bem". "E digo a vocês: povo armado jamais será escravizado". Desde que chegou ao governo, assinou um decreto a facilitar a venda de armas. Em 2018, havia 350 mil armas registadas em nome de "coleccionadores, atiradores e caçadores". Em 2022, há 1 milhão. Os brasileiros compram hoje uma média de 1300 armas por dia". Entretanto, a criminalidade no país, cresceu para 63.000 vítimas por ano. "Bolsonaro não acredita na ciência. Em 2020 disse que o Covid-19 era "uma gripezinha" e que os brasileiros não apanhavam doenças. No Orçamento do Governo Federal de 2021, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, teve um corte de 30%, o maior de todos. O segundo maior corte foi na Educação e o terceiro no Ambiente. O Brasil, registou 700.000 mortes por Covid, uma das maiores percentagens do Mundo". "Bolsonaro não acredita na importância da Amazónia. Em 2019, disse que "é uma falácia dizer que a Amazónia é património da humanidade" e que "é um equívoco dizer, como atestam os cientistas, que a Amazónia, a nossa floresta, é o pulmão do Mundo". Nos anos do governo Bolsonaro, a desflorestação na Amazónia brasileira cresceu 56,6%" (Reis, Bárbara: in "Público" d.d. 8/10/22). Podermos ainda falar da misoginia. Bolsonaro, pai de três mulheres, disse que teve uma filha assim "Dei uma fraquejada e veio uma mulher", da homofobia (disse "Seria incapaz de amar um filho homosexual: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo", ou do racismo (disse que "os índios estão a ficar seres humanos como nós" e fala do peso dos negros em arrobas, medida para pesar gado)" (Ibidem).  

Perante tal cenário, e uma vez afastados os restantes concorrentes políticos (que ficaram pelo caminho na primeira volta e hoje se perfilam ao lado de um dos candidatos) só resta aos brasileiros votar num dos finalistas. Acontece, que estas eleições, as mais importantes no período pós-ditadura militar, não são apenas entre Lula ou Bolsonaro. Estas eleições, são sobre dois projectos antagónicos, dos quais dependerá em grande parte o futuro próximo do Brasil. Na realidade, as eleições brasileiras são entre a Democracia e a Barbárie.