2019/08/23

Brasil, um país à deriva

A núvem de fumo, que cobriu esta semana a cidade de S. Paulo, provocada pelos incêndios da floresta amazónica a 3000km de distância, é a metáfora perfeita para um país mergulhado na escuridão. De acordo com os dados disponibilizados pelo Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais), que monotoriza o fenómeno , os fogos deste ano correspondem ao maior flagelo registrado nos últimos cinco anos.
Os números não mentem: o fumo do incêndio da Amazónia pode ver-se do espaço. Entre os estados atingidos, Mato Grosso é o campeão, com 13682 focos de incêndio, num total de 72843 no país inteiro, entre Janeiro e Agosto, um aumento de 87% face ao mesmo período do ano passado, segundo o Inep.  Em segundo lugar, está o Pará com 7975. A situação tornou-se tão grave que o estado do Amazonas, com mais de sete mil focos de incêndio, decretou situação de emergência na região Sul e na região metropolitana de Manaus. O governo de Acre decretou crise ambiental.
Perante o alarme, o presidente Bolsonaro, tentou arranjar um bode expiatório (as ONGS, que trabalham no terreno, descontentes por terem perdido apoios governamentais), o que não convenceu ninguém, conhecendo o trabalho que estas organizações fazem no terreno, onde são das mais activas na defesa e preservação do ambiente, como é do conhecimento geral. Mais tarde, admitiria que os causadores dos fogos poderiam ser os fazendeiros, que anualmente procedem a queimadas para desmatar a floresta e preparar os terrenos para o cultivo e agro-pecuária.
Contudo, o número e a velocidade com que surgiram, sugerem actos criminosos - as queimadas foram feitas para fazer desaparecer o que sobra do desmatamento.
De acordo com Vinícius Silgueiro, coordenador de geotecnologia do Instituto Centro Vida, sediado em Mato Grosso, já se detectaram em Colniza (um município de Mato Grosso) 1049 focos de incêndio. "Associamos sempre a queimada nesta época com o desmatamento e neste ano aumentou bastante. É bom para a especulação fundiária" (in "Público" d.d. 23/8/19).
De acordo com os dados fornecidos pelo Instituto, 60% das áreas do fogo ficam em áreas privadas cadastradas. 18% em áreas privadas sem cadastro, 16% em terras indígenas e 1% em área da conservação da natureza (ibidem).
Os números são assustadores: a destruição do Amazonas arrasta-se de ano para ano, muitas vezes de forma irreparável - o desmatamento aumentou 88% em Junho e 278% em Julho, segundo o Inep. Só nas última semanas, teria ardido uma superfície equivalente à da Alemanha. Se pensarmos que a área da Amazónia corresponde à superfície da Europa, podemos ter uma ideia do que um desastre ambiental naquela zona pode significar para todo o planeta.
As causas para esta tragédia brasileira (e planetária) são conhecidas e não podem ser ignoradas.
Elas radicam no governo de Bolsonaro, que tem apostado numa estratégia de desregulamentação e desprotecção do Amazonas, incentivando à exploração económica, seja mineira ou agrícola. Apoiados pelas palavras do presidente, que declarou querer transformar a Amazónia na "alma económica do Brasil", vários fazendeiros reuniram-se para declararem o "dia do fogo" a 10 de Agosto, quando iriam atear incêndios diversos. Sem controlo, atearam fogos em massa.
Só nesse dia, o Inep, registou um aumento de 300% de focos de incêndio, em Novo Progresso, no Pará, num total de 124 casos e, no dia seguinte, ainda mais: 203 casos. Em Altamira, no mesmo estado, foi ainda maior: 743%, um total de 194 focos no sábado e 237 no domingo.
Os causadores destes fogos agem impunemente, pois sabem estar protegidos pelo governo federal e actuam em território não controlado. Só em 2018, 23 ambientalistas foram assassinados no Brasil, transformando-o no quarto país mais perigoso do Mundo para estes activistas. Se recuarmos a 2002, já foram assassinados 653 ambientalistas no país (dados da Global Witness).
No entanto, nada disto nos devia surpreender. Ainda antes de ser eleito, e quando poucas pessoas acreditavam nas suas capacidades (o que se veio a confirmar) Bolsonaro disse logo ao que vinha. Negou as alterações climáticas, defendeu a transformação da Amazónia, cortou nos orçamentos das instituições ambientais  - 38,4% das verbas para prevenção e controlo de incêndios florestais - e contestou os dados oficiais que falavam no aumento da deflorestação de 278% em Julho, exonerando de seguida o presidente do Inep, Ricardo Galvão.            
Quando chegou ao governo, a maioria dos analistas vaticinou-lhe uma curta vida política. Havia três vias possíveis: pôr em prática as suas ideias (fascistas), o que poderia isolar o Brasil na cena internacional; navegar "à bolina", governando de acordo com os problemas que fossem surgindo; ou apoiar-se nas bancadas ruralistas, evangelistas e nos militares que o apoiaram. Todos este grupos estão, hoje, representados no governo, constituido por 1/3 de militares.
A chamada "bancada ruralista" (a do agro-negócio) é um dos sustentáculos da presidência do Congresso e o Presidente tem retribuido o apoio. Mas, há perigos. Diversas organizações do sector, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e agrónomos diversos, avisam que, se a destruição da Amazónia continuar a este ritmo, o agro-negócio definhará com ela.  O desmatamento alterará a duração das épocas de chuva e o tempo brando e seco que se lhe segue prejudicará as colheitas. Em caso de desmatamento prolongado, os terrenos deixarão de ser húmidos e a regeneração da floresta pode nunca mais se verificar.    
Nem tudo é mau, no entanto: a Alemanha e a Noruega, congelaram o apoio (70 milhões de euros a fundo perdido) dado ao Brasil para a conservação da Amazónia; a Finlândia apelou ao boicote activo em toda a UE da carne brasileira; o presidente Macron conseguiu agendar a Amazónia, para a próxima reunião do G7, a realizar este fim-de-semana; publicações de referência (The Economist, The Guardian, The New York Times, The Independent, Le Monde...) dedicam esta semana as suas capas e extensos artigos aos fogos da Amazónia e as redes sociais nunca estiveram tão activas e mobilizadas por uma causa. Amanhã, haverão manifestações nas principais cidades europeias, em defesa da Amazónia e, no Brasil, a mobilização não é menor.
No fundo, se a questão da Amazónia, tiver o condão de condenar e correr com Bolsonaro e o seu governo de corruptos fascistas, nem tudo se perderá e o Mundo ficará, certamente, menos poluído. Também porque não há planeta B.