2009/12/31

Ortografia

Ao contrário da maior parte das pessoas ainda não sei o que vou fazer em 2010.
Mas sei o que não vou fazer em 2010. É escrever segundo as regras do novo Acordo Ortográfico.
Tudo como dantes, pois.
Bom Ano!

2009/12/29

Num país de labregos

A Ordem dos Médicos, essa vetusta corporação que representa uma das classes profissionais mais reaccionárias do pequeno mundo lusitano, acaba de proclamar, através de comunicado anunciado com pompa e circunstância por todos os meios de comunicação social, que a "homossexualidade não é uma doença". Lê-se e não se acredita. O que se aprende com a Ordem dos Médicos!
Estou absolutamente convencido que, a partir de agora, os portugueses vão passar a dormir muito mais descansados. Menos um problema para 2010. Que alívio...

2009/12/24

Política à Portuguesa

A questão do casamento homossexual ameaça transformar-se numa bomba política que vai escaqueirar tudo, bombistas e vítimas da bomba.
A aposta no tema do casamento homossexual parecia ganha para o PS. Cavaco Silva, com aquele seu habitual agudo sentido político, reforça a vitória e faz o enorme favor aos socialistas de afirmar que havia coisas mais importantes na vida dos portugueses. Ao fazer estas declarações neutralizou o potencial de conflito deste tema e o PS viu uma bomba capaz de lhe explodir nas mãos ser neutralizada pela figura que dela podia tirar maior partido político. A malta tem mais em que pensar, terá pensado Cavaco, e serão os próprios portugueses que com a sua indiferença farão o favor de neutralizar este maçador problemazinho. Os portugueses acharão que isto não passa de... mariquices e remetê-las-ão para o armário de onde saíram, terá pensado sua excelência.
Puro engano! Um movimento de cidadãos conseguiu reunir as 75 000 assinaturas necessárias para levar esta questão à AR e o assunto vai mesmo ser discutido. Ainda por cima, este movimento inclui até gente da zona do PS. Cá para mim, o Freeport, a licenciatura do Primeiro Ministro, etc, são bombinhas de carnaval comparadas com esta bomba!
O casamento homossexual ameaça assim fazer muito mais mossa do que os diferentes agentes políticos queriam ou previam que iria fazer.
Resultado: o PS viu este vulcão, que ia borbulhando mansamente na agenda política do país, entrar de novo em violenta erupção. No meio disto, o PR (e, já agora, a Igreja Católica que deixa cair a sotaina, desenterrando, ao referir-se a este assunto, linguagem da Inquisição...) vai ter de explicar a toda esta gente onde é que está a importância dos outros problemas que referiu nas suas declarações. Pelos vistos, para umas largas dezenas de milhar de portugueses, desemprego, défice, sobreendividamento, etc, são problemas de lana caprina comparados com o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
E assim vamos vivendo...

2009/12/23

Hot Clube

Lamentar um incêndio, num prédio parcialmente devoluto, seria banal não fora nesse mesmo prédio estar alojado (há 60 anos!) o mais famoso e emblemático espaço de "jazz" de Lisboa. Foi ontem, de madrugada, e podia ter sido há anos atrás, tantos quanto o imóvel esteve abandonado. Para já, o "jazz" deve continuar no S. Jorge, ao virar da esquina, que chegou a ser uma das melhores salas de cinema de capital e que, nos últimos anos, não passa de uma "barriga de aluguer" sem qualquer critério de programação ou gosto definido.
Resta-nos desejar um rápido regresso do "Hot" ao seu lugar de origem, se possível ocupando todo o edifício com actividades ligadas ao "jazz", pois é essa a sua vocação natural. Os melómanos agradecem e a capital ficará certamente mais rica com uma sala a condizer. Se há dinheiro para as acrobacias do "Red Bull" também tem de haver meios para a reconstrução da "escola", não é verdade? Se fôr preciso, faz-se uma petição. Com baixo-assinado e tudo.

2009/12/16

Poupadinhos

Certamente preocupada com a grave situação do país - quem não está? - a confederação dos patrões, com o inenarrável Van Zeller à cabeça, veio propôr um aumento de 10 euros para o salário mínimo nacional, em vez dos 25 euros anunciados pelo governo. A argumentação é a de que a maioria das pequenas e médias empresas - que constituem 80% do tecido empresarial português - não estariam em condições de pagar tal aumento.
Os sindicatos fizeram as contas e chegaram à conclusão que o aumento proposto pelo governo não atingia sequer 1% dos lucros globais gerados o que, traduzido em euros, daria qualquer coisa como 8 euros por cada 10.000 euros produzidos. Ou seja, "peanuts" em linguagem de hipermercado.
Resta, obviamente, uma questão: se os grandes hipermercados e distribuidores podem pagar os 25 euros propostos, o mesmo não será possível para a maioria das nano-micro-pequenas e médio-empresas deste país. Muito bem. Nesse caso, obrigue-se os bancos, muitos deles culpados da recente crise que a todos afecta e a quem o governo deu milhões de euros para "salvar" da bancarrota, a abrir linhas de crédito favoráveis à sustentabilidade das pequenas empresas. Para que, deste modo, estas não só garantam os postos de trabalho, como possam pagar o salário mínimo nacional proposto (475 euros) o que permitirá aos trabalhadores gastarem mais nas lojas do Belmiro de Azevedo. Desta forma, ganhavam todos, incluindo o poupadinho Van Zeller...

Irresponsabilidades

Se passassem a trabalhar 60 horas por semana, onde iriam os trabalhadores das grandes superfícies comerciais detidas por Belmiro Azevedo e Cia., arranjar tempo para gastar as fortunas monumentais que passariam a ganhar? Ou a ideia seria a de passarem a fazer as suas compras pessoais todas nessas superfícies, quiçá mesmo passar a dormir lá...?

2009/12/14

COP15 tem sucesso assegurado


A questão climatérica, que constitui o eixo da discussão que neste momento decorre em Copenhaga, sempre me suscitou muitas dúvidas. Aqui mesmo no Face exprimi há tempos umas ideias (de leigo!) sobre o assunto.
No geral, continuo a fazer parte do grupo dos cépticos, no que estou aliás estou bem acompanhado... Desde que escrevi aquele post não vejo razões para mudar radicalmente o meu pensamento sobre esta matéria. Concedo, apesar de tudo, que a acção humana pode ter alguma influência sobre estes fenómenos, sobretudo quando pensamos nas zonas de grande concentração urbana e de intensa actividade industrial, que certamente têm um impacto significativo no ambiente. Mas, olhando para a história das grandes "convulsões" ambientais do passado, no geral, continuo a pensar que, apesar de tudo e por simples exercício de lógica, que está por provar que a acção humana, por muita importância que tenha, tem dimensão suficiente para produzir as alterações pretendidas.
São opiniões de total leigo, mas mantenho-as.
Se, por um lado, não posso pois esperar grande coisa de Copenhaga, creio também, contudo, que esta reunião tem um mérito indesmentível.
Para aqueles de nós que crescemos empunhando a bandeira da ecologia, a indiferença foi um dos nossos piores inimigos. O outro inimigo, que nós próprios criámos, resultou do erro brutal de termos deixado que esta questão se tranformasse numa espécie de derby futebolístico, com "claques" de um lado e de outro.
O mérito e a vitória (já assegurada!) da COP15 reside no impulso decisivo que é dado ao problema ecológico, colocando-o no centro das nossas atenções ("Prestar atenção é, em si mesmo, ampliar" - Galileo's Dream, K. S. Robinson) e provando que ele é transversal, estruturante e que, de facto, nos diz respeito a todos. E mais! Longe de ser um problema fracturante, a questão ambiental é uma das poucas que, definitivamente, nos obriga a entendimentos e a uma acção concertada sobre o modelo de desenvolvimento humano que queremos para o futuro.
Não é questão de pouca monta...

2009/12/10

É de facto caso para dizer: tenham juizinho...!

O episódio da troca de insultos na AR não é só grave pelas razões substantivas que todos tivemos oportunidade de conhecer. O que me choca não é ver membros de um orgão de soberania usando, de forma ostensiva, métodos e uma linguagem próprios de moços (e moças!) de estrebaria. O que me deixa seriamente apreensivo é imaginar que esta gente tem poder para tratar de assuntos que influenciam profundamente o dia a dia de todos nós.
Não deixa de chocar também que o Presidente da AR se limite a esperar que os deputados envolvidos neste caso moderem a linguagem, e não deixa de chocar que os outros deputados, instados a comentar o que se passou, respondam tentando branquear, uns, estas situações e chutando, outros, para a comunicação social a responsabilidade de relevar estes actos em detrimento do que, supostamente, de bom se passa na AR. Ou, tantos outros ainda, se calem.
A verdade é que podemos legitimamente perguntar: se estes deputados demonstram uma tal falta de controlo pessoal e de princípios, e os outros se calam ou assumem uma atitude de um corporativismo caricato, é de esperar que exerçam as suas funções de forma competente?
Não se trata de um fait divers. É um problema grave que merece a tomada de medidas exemplares.

2009/12/04

Fuso Luso 4

Aqui em Concord, Massachussets, neste local agora verdejante e idílico (clique na foto para ver quão verdejante e plácido o local é...), foi disparado o tal "tiro ouvido em todo o mundo," como escreveu Ralph Waldo Emerson.
Parece que tudo não passou de um acidente, mas o que é facto é que os Minutemen conseguiram derrotar os Red Coats. E o "acidente" acabou por ter enormes e profundas repercussões.
Os americanos pagavam impostos e, nesse sentido, achavam-se no direito de se verem representados nas instâncias políticas da metrópole. Os ingleses discordavam, os americanos revoltaram-se e os ingleses trataram de reprimir a revolta. Foram derrotados. O que se seguiu justifica bem a frase de Emerson.
O pior é que depois disto o rol de ataques ao direito à revolta em que os americanos participaram por todo o mundo não tem fim. E, ignomínia das ignomínias, os Minute Men de agora até acabaram por se juntar aos Red Coats de antanho para meter o nariz onde não eram chamados, deixando de intervir onde, se calhar, era preciso.
Há uma América para consumo interno e externo (no sentido literal e metafórico do termo...) e nesta América de hoje os sinais que se vêem indicam que a lição de Thoreau foi, de facto, esquecida.
E, contudo, ela está ali à vista de todos os que visitam Concord. Num placard colocado por cima do local do tal primeiro tiro pode ler-se:
"Continuamos a chamar a isto a terra da liberdade? Que liberdade há em nos livrarmos do Rei Jorge, se continuamos a ser escravos do Rei Preconceito? Qual a vantagem de nascer livre e não viver livre? Para que outra coisa serve a liberdade política senão para aceder à liberdade moral?"
Não sei se os americanos já perceberam isto depois de todos estes anos...

2009/12/02

Fuso Luso 3

Na América do Norte é costume vermos um sinal de sentido proibido no início de uma rua ou estrada e, mais à frente, um sinal que diz "wrong way". Como quem diz "prevaricaste, mas tens aqui a tua chance de te corrigir."
Parece haver uma linguagem oculta nos sinais de trânsito, à semelhança daquela que Edward T. Hall descobriu nos comportamentos e posturas das pessoas. Esta combinação do "do-not-enter/wrong-way" diz-nos qualquer coisa sobre o direito ao erro, à tolerância e à capacidade de proporcionar novas oportunidades que reina nas sociedades norte-americanas.
Se existe a mesma tolerância para com os membros exógenos a estas sociedades, ou se ela conta nas relações destes países com o exterior, aí já tenho sérias dúvidas.
De qualquer forma, o contraste com o que se passa em Portugal é notório. Desrespeitar um sinal de sentido proibido é um desporto radical, e mesmo que o sinal seja passado por engano, não há um aviso, mais adiante, que nos diga de forma serena que nos enganámos, mas que temos a possibilidade de corrigir esse engano.
Eu vejo uma metáfora nisto...

2009/12/01

A Hora do Lobo

Menos de uma semana depois da lei do código contributivo ter sido chumbada pela oposição na Assembleia da República, o governo já contra-atacou. A acreditar na manchete de um matutino de hoje, o fisco enviou um SMS a 100.000 contribuintes a lembrar o pagamento. Nada a opôr, não fosse a hora escolhida para tal "operação": 4 horas da madrugada!
Compreende-se o zelo em recuperar receitas para o depauperado cofre da nação. Já custa mais a entender o "timing" da coisa: "a hora do lobo", como lhe chamaria Bergman. Nos tempos da outra senhora, os PIDES também costumavam aparecer de madrugada para levar os cidadãos incomódos para o regime. Há hábitos que nunca se perdem...

2009/11/28

Smartphones

Tivessem os sucateiros deste regime enferrujado acesso ao crypto-smartphone russo e nenhuma "pessoa de bem" do nosso regime estaria agora indiciado no crime de tráfico de influências que dá pelo nome de "Face Oculta". Limitações do nosso desenvolvimento tecnológico. Mas, não desesperem os mafiosos portugueses: a coisa custa apenas 2.000 euros o que, para os Godinhos da nossa praça, são "peanuts". Não foi ele acusado de querer comprar Vara por apenas 10.000 euros? Dava para comprar cinco "cryptos"...

2009/11/25

Cinco dias noutra cidade

É sempre bom sair de Portugal. Ao contrário do meu companheiro de blogue que vê "potencialidades" portuguesas no futebol, a minha experiência do estrangeiro só confirma o atraso contínuo do nosso pais em relação às nações mais desenvolvidas da Europa. Esta é uma tendência de décadas e pode ser observada por simples observação empírica da realidade. As estatísticas, de que fala o Carlos Augusto, sublinham uma triste evidência: a de um país - o nosso - que no seu quotidiano dá cada vez mais sinais de pobreza em contraste com os sinais exteriores de riqueza de uns quantos. Basta um simples passeio pelo centro histórico de Amsterdão - cidade onde vivi 30 anos e que continuo a visitar regularmente - para nos apercebermos disso. Das pessoas às casas, do trato pessoal à eficiência dos serviços, tudo funciona melhor, num país com a superfície do Alentejo e uma das maiores densidades populacionais do Mundo. Sim, também lá há pobreza (relativa), corrupção (noticiada) e racismo (nem sempre disfarçado). Mas, a qualidade do quotidiano para os seus cidadãos é, sem dúvida, superior e o "stress" (eventualmente maior numa sociedade competitiva e inovadora como a holandesa) é compensado pela eficácia e pragmatismo de um estado que há muito compreendeu que do bem-estar da população depende um maior desenvolvimento do país. Dir-me-ão: é um país mais rico e por isso é mais fácil distribuir a riqueza. Certamente. Mas, à excepção do gás no mar do Norte, não se lhe conhece outras matérias-primas de relevo. O resto, a agricultura, a industria, o comércio e as novas tecnologias, são tudo produto do mesmo: mais educação e formação cívica numa sociedade onde a ética não é uma palavra vã. Também, por essa razão, há menos corrupção e a riqueza é mais bem distribuida. Parece simples, mas não é. Enquanto os portugueses - dos governantes aos governados - não conseguirem interiorizar os princípios básicos que devem reger uma sociedade mais justa e igualitária, a "face oculta" do nosso triste quotidiano não vai melhorar. Nem daqui a uma geração...

Jeanne-Claude



2009/11/22

Fuso Luso 2

O edifício da foto situa-se em Boston e foi construído com o apoio maioritário de uma fundação criada pelo senhor Picower, um investidor na organização do senhor Madoff recentemente encontrado morto na piscina da sua casa na Flórida. O dispendioso edifício alberga o Picower Institute for Learning and Memory, onde o tema das ciências cognitivas é investigado pelos maiores especialistas mundiais.
Nos últimos quatro anos o senhor Picower teria retirado grandes somas do dinheiro investido no empreendimento do senhor Madoff, e isso terá intrigado outros investidores que, suspeitando que ele sabia o que se estava a passar naquela organização, o levaram a tribunal.
Os investigadores do Picower Institute continuam, entretanto, a tentar aprender os complexos mecanismos da memória, aparentemente indiferentes ao sururu causado pelo caso Madoff e pelo caso Picower. Fazem-no neste magnífico edifício, situado em pleno território do MIT, onde para além das luxuosas condições de trabalho, desfrutam do luxuriante jardim interior no último andar que a gravura parcialmente desvenda (clique sobre a foto para ver).

2009/11/21

O prazer está nas tuas mãos


É este, segundo a Visão, «o mote do programa lançado pelas secretarias da Educação e da Juventude da Extremadura e incluiu workshops que pretendem acabar com os mitos sobre a masturbação».
O que eu não daria, na minha adolescência, para poder frequentar um curso de cujo programa fazem parte «técnicas de masturbação e uso de objectos eróticos»…
Que “inveja” tenho dos jovens de hoje, que, além do acesso ao mundo através de um clic, têm agora cursos onde se ensina a bater punheta!
Mas nem tudo são rosas. Os responsáveis esclarecem que, além de esperarem «derrubar muitos mitos negativos sobre a masturbação, claro», «o programa tem muitos mais aspectos, como hábitos saudáveis, auto-estima, afectividade, identidade de género, doenças de transmissão sexual...» Apesar disso, aí estão os empatas do costume: a Associação de Pais Católicos da Extremadura «formou um grupo de protesto que ameaça levar o governo regional aos tribunais».
Lá entram em campo as religiões, lá temos o caldo entornado.
Isto faz-me lembrar o sketch de Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo, de Woody Allen, em que, na hora do vamos ver (como diriam os brasileiros), o organismo tem de enfrentar e anular a acção de um padre, pauzinho na engrenagem que tenta impedir o bom funcionamento do mecanismo (literalmente, no filme) do elemento masculino, a pretexto de que os elementos do casal que estão envolvidos no acto amoroso «nem sequer são casados!»

2009/11/18

Fuso Luso 1

À distância Portugal parece sempre melhor. Mas, lá está a estatística a estragar tudo e a trazer-nos para a realidade. Leio hoje, à distância e por alto, que o país desceu no ranking da corrupção, numa lista liderada pela Somália, essa hipótese cada vez mais remota de país. Os países de expressão portuguesa afundaram-se todos neste ranking, com a excepção de Cabo Verde.
A corrupção parece ser o que melhor define a "expressão portuguesa" e está perto de se transformar num traço dominante da nossa cultura.
Isto assim visto ao longe, com distância, embora ainda embalado pela qualificação de Portugal para o Mundial, não parece ir nada bem...

2009/11/12

Goodfellas (2)

Os bons realizadores não gostam de sequelas. Não por acaso, Scorsese, não quis fazer uma continuação de "Tudo Bons Rapazes". A primeira história é sempre a mais bem contada. O mesmo não parece acontecer com o caso "Face Oculta", que não pára de nos surpreender. Já deixou de ser um "caso" e passou a ser uma "saga". Uma coisa é certa: à medida que nos aproximamos da "cabeça do polvo", começam a surgir dificuldades na investigação.
O senhor Monteiro (PGR) empurra para o senhor Nascimento (STJ) que, por sua vez, diz não ter poder para ouvir "escutas" que incluem o primeiro-ministro, pelo que as cassetes devem ser destruídas, enquanto o senhor Marinho (OA) já veio atacar o sistema e os senhores Júdice e Rebelo de Sousa vieram lançar dúvidas na suspeita investigação. O senhor Nascimento, com o gabinete cheio de cassetes que não pode utilizar como prova, não sabe para que lado se há-de virar e já exigiu tirar o processo ao senhor Monteiro, enquanto a oposição exige esclarecimentos e o governo diz que a oposição está a misturar a política com a justiça... Onde é que eu já vi este filme?
Por este andar, ainda vamos ver o processo arquivado por falta de provas e os "dossiers" deitados ao lixo. Ou à sucata, que é onde os "cadáveres incómodos" são mais facilmente triturados. Se bem me lembro, no "Goodfellas," um dos "gangsters" acabava por ser emparedado vivo...
Não haverá por aí alguém que queira escrever este argumento e enviá-lo ao Scorsese? Pode ser que ele veja potencialidades nesta história lusitana e faça a tal sequela. Material não falta.

2009/11/06

Goodfellas

A acreditar na notícia que esta semana faz manchete nos principais orgãos de informação, estamos perante mais um caso de corrupção em que o nosso país parece ter-se especializado nas últimas décadas. Nada que nos deva espantar. Há corrupção em todo o Mundo e Portugal não é excepção. De resto, os "amaciadores" da opinião pública já vieram sossegar-nos uma vez que, até prova em contrário, todos os suspeitos são inocentes. Onde é que eu já ouvi isto?
Acontece que alguns dos indiciados, neste recente crime de "tráfico de influências", são exactamente os mesmos cuja nefasta influência no tráfego da Fundação que dirigiam, levou à sua demissão do governo. Estávamos em 2001 e, desde então, muitos carros devem ter passado pelas estradas portuguesas. Alguns, ainda lá devem andar, outros deixaram de circular e foram abatidos ao activo, ou mais prosaicamente, deram entrada em depósitos de sucata. Um bom negócio, a sucata. Juntamente com o tratamento de lixos tóxicos e orgânicos, um apetecível "nicho de mercado", para utilizar o jargão dos nossos economistas da Universidade Independente.
Algumas travessias do deserto e oito anos mais tarde, eis que os mesmos nomes reaparecem, agora ligados a um sucateiro de Aveiro que, para além de carcassas de automóveis, também negociava em carris de ferro. A coisa ia de vento em popa e, não fora uma investigação policial da PJ e algumas gravações telefónicas comprometedoras, estava para durar. Agora parece que um dos "alegados" intermediários ("brokers" no jargão siciliano) queria uma percentagem que, dizem as más línguas, seria apenas de 10.000 euros. É a nossa sina. Pequeninos, até no pedir. Se ao menos fosse uma quantia que se visse! Razão tinha o Scorsese, tudo bons rapazes...

2009/11/03

Womex 2009

Cumprindo a tradição, realizou-se na Dinamarca mais uma WOMEX (WorldMusicExhibition) a maior feira de "músicas do mundo" do planeta. Um conceito de feira rotativa, que teve início na cidade de Berlim em meados dos anos noventa e que, desde então, não tem parado de crescer. Em Copenhaga, cidade que acolheu a 15ª edição da WOMEX, estiveram este ano mais de 3000 delegados, entre produtores, agentes, programadores, discográficas, artistas e conferencistas. Uma verdadeira Babel, onde durante quatro dias é avaliado o "estado da arte" e se encontram velhos amigos.
Entre as novidades deste ano, destaque para as excelentes facilidades oferecidas (recinto da feira e complexo de concertos) onde durante o dia e a noite decorreram as principais actividades: negócios e conferências no Bella Centrum (um complexo de congressos nos arredores da cidade) e "showcases" no Kopenhagen Koncerthuset, a jóia da coroa das salas europeias.
Contrariamente a algumas das feiras anteriores, a música escutada este ano pareceu-nos bastante boa, para o que terá contribuido a magnífica estrutura recentemente inaugurada: um "cubo azul" de cinco pisos, com outros tantos auditórios, onde decorriam todos os "showcases", incluindo os "off-womex", estes uma selecção de grupos não convidados. De todas as salas, o auditório principal (studio 1) é a última palavra do design escandinavo, com mais de 2000 lugares numa concha assimétrica construida em madeira. É difícil encontrar uma sala com melhor visibilidade e acústica por essa Europa fora e tudo o que lá ouvimos e vimos nos pareceu transcendente. O recorte vocal e instrumental é impressionante e qualquer deslize é ampliado ao máximo. Para a qualidade do som (uma pecha na maior parte das edições anteriores) muito contribuiu o professionalismo da equipa do Roskilde Festival, contratada para o efeito.
Entre a boa música escutada destacamos, no primeiro dia, The Great Nordic Band, um ensemble ad-hoc constituido por solistas escandinavos, que abriu a feira com um repertório algo "mainstream", mas tecnicamente impecável, seguido de Les Yeux Noirs, uma banda belga de repertório cigano e balcânico; Ale Moller Band e o seu novo projecto, onde pontuam músicos do Senegal, Grécia, Suécia, México e Canadá e a Orquesta Chekara Flamenco, um projecto de música árabe-andaluz que incluia ainda a excelente bailarina Choni. O segundo dia, iniciou-se com o acordeonista brasileiro Renato Borghetti, um solista de grande dimensão, para além do grupo chinês Hanggai, que faria uma das melhores actuações destes "showcases" e os portugueses Deolinda, que "agarraram" a assistência com a sua música sui-generis e as traduções de uma Ana Bacalhau em grande forma. No "off-womex", realce para o ensemble hindu-canadiano da cantora indiana Kiran Ahluwalia, numa fusão de música oriental e ocidental bem conseguida.
Finalmente, a terceira noite, que acabou por incluir os melhores "showcases": a Orchestra Popolare Italiana, o último projecto do megalómano Ambrosio Sparagna, numa colorida viagem musical pelos principais géneros tradicionais daquele país; as polifonias corsas dos Barbara Fortuna em excelentes harmonias vocais; os ciganos hungaros de Parno Graszt, naquele que foi um dos mais participativos concertos da noite e as vozes celestiais do Eva Quartet, provavelmente a melhor prova de que a perfeição vocal existe e vive na Bulgária.
Nesta Womex, a mais participada de sempre, deve ser destacada a presença de 25 delegados portugueses, entre os quais a associação "chapéu de chuva" MUSICA PT, que agrupa cerca de 20 empresas e artistas do sector.
Para o ano há mais. De novo em Copenhaga, no mesmo local e certamente na mais espectacular sala de concertos da Europa.
Lá voltaremos.

2009/10/31

Famílias

A gente ouve o primeiro ministro insistir num arranjinho para a partilha dos lugares europeus resultantes da aplicação do Tratado de Lisboa entre as duas principais "famílias" políticas europeias, toma conhecimento dos escândalos de corrupção que envolvem figuras da "família" socialista e fica a pensar se será a isto que se referem os moralistas contemporâneos quando falam na "crise da família"... Ou serão estas as "novas famílias" de que falam psiquiatras, psicólogos e sociólogos?

2009/10/29

Van Zeller para a Agência de Inovação, já!

O presidente da CIP insiste... Agora vem pedir contenção, sem que aparentemente ele próprio se consiga conter. Opõe-se às propostas dos sindicatos que pedem um aumento de 25 euros (vinte cinco euros!) no salário mínimo nacional, o presidente da CIP e acha duas coisas. Por um lado, que vinte cinco euros não vão resolver a vida dos aumentados porque se trataria de um aumento ridículo. Diz mesmo que os sindicatos deveriam pedir mais. Mas, por outro lado, lá vai dizendo que a concretizar-se um aumento desta natureza, ele iria significar a falência de uma série de empresas que não aguentariam este perturbador acréscimo de responsabilidades.
Para o patrão da CIP, 25 euros é ridículo como aumento, embora seja um encargo substancial para as empresas. Aumentos só no quadro de um grande plano, a longo prazo e com a ajuda do Estado, claro. Um plano que se situa num futuro indefinido e certamente longínquo (não vá a malta ficar rica de repente e não saber o que fazer ao dinheiro...)
"Muitos milhares de empresas dependem de salários baixos", para exportar e portanto o aumento de encargos acarretaria, no curto prazo, o descalabro dessas empresas, argumenta. Para alguns analistas, o problema das exportações portuguesas é que não há "produto". Ou seja, é mau e não corresponde à procura. Para Van Zeller o futuro da economia portuguesa está garantido: "inovar" é manter os salários baixos, insistir no trabalho desqualificiado e produzir assim o produto mais rasca possível. O que as empresas têm de fazer é pois apostar na manutenção dos salários baixos, estagnar, conformar-se, abjurar a formação profissional, a qualificação e qualquer alteração deste quadro só poderá ser encarada no "futuro" e sempre com o auxílio do Estado, ou seja, com o alto patrocínio desses mesmos que já ganham mal. Um "futuro" de esperança aguarda-os, portanto.
Será que os empresários portugueses se revêem todos nestas posições? Será que estas propostas são tudo o que os empresários portugueses têm para oferecer à sociedade? Será que não conseguem parir mais nada do que isto para cumprir o seu desígnio social, ajudar a tirar o país da crise, tornar a sociedade portuguesa mais próspera, retomar a convergência com a Europa, transformar a economia portuguesa numa realidade mais dinâmica e competitiva, como muitos empresários e altos responsáveis políticos nos repetem ad nauseum ?

2009/10/27

Fernando em guerra com quem?

Este caso do pároco apanhado naquela embrulhada das armas é profundamente preocupante. O que fazia o padre com armas de guerra em casa? Por que razão um padre tem este arsenal? Por que razão um abaixo assinado com 300 assinaturas pedindo a substituição do padre, entregue ao bispo de Vila Real há 4 anos não obteve resposta? Por que razão o padre se mantém à frente da paróquia? Que dados terá o bispo para afirmar que acredita que o caso "não tem nada a ver com actos de terrorismo ou de tráfico de armas"? Se fosse "apenas" um "negócio de armas de caça para fornecimento de amigos", como sugere o bispo, como explicar as pistolas e os revólveres? Que justificação encontra a Igreja Católica para estas actividades do sacerdote?
A PJ não esclarece, tanto quanto se pode perceber, se haverá alguma ligação entre este caso e o outro que deu origem à operação de hoje mesmo, que levou à detenção de gente ligada a uma "rede de tráfico de armas". Rede "com dimensão internacional que no mercado interno se destinava ao crime violento e organizado". Mas, os mistérios e as meias palavras das autoridades civis e religiosas não são aceitáveis. O assunto é sério e tem de ser esclarecido cabalmente perante a opinião pública.
Da Conferência Episcopal, tão lesta e tão pródiga em comentários sobre tudo e mais alguma coisa, esperar-se-ia uma posição clara sobre as pistolas, revólveres, caçadeiras e munições do padre Guerra...

2009/10/23

Linguagem de caserna

O presidente da CIP arrisca-se a ganhar um lugar na galeria das figuras mais ridículas da vida pública portuguesa, juntamente com os Jardins, os Loureiros e os Torres. Desdobra-se numa patética sucessão de declarações que revelam bem a casca grossa que se esconde por detrás da fina camada do aparente polimento.
Agora declara, pimpão, que os "patrões estão de pé atrás". A linguagem de caserna --ou de caverna, como quiserem--, a postura e o grau de total irresponsabilidade que revelam, dizem bem do nível a que tudo isto chegou.
O QREN não terá uma verba para formação de patrões? E vai uma aposta em como o homem vai ser reconduzido no cargo?

2009/10/22

Acendam as fogueiras!

Isto está a aquecer. Ainda não tinhamos percebido bem o alcance das palavras do "inteligente" David de Estrasburgo - que por um lado aconselha Saramago a mudar de nacionalidade e por outro tem vergonha de ser português - e já o Padre Carreira vem a terreno defender a leitura da Nova Bíblia, não vá alguma ovelha tresmalhada querer mudar de rebanho.
A "cereja em cima do bolo" é, no entanto, a última entrevista do Torquemada da paróquia. Sousa Lara - o mesmo que impediu o "Evangelho Segundo Jesus Cristo" de concorrer ao prémio europeu de literatura quando era secretário da cultura - vem hoje ao púlpito exortar as hostes. Primeiro, desvalorizando o "exotismo" de um escritor que comparou a Berlusconi, pois "pode dizer tudo quanto quer". Depois, mais refinado, lamentando a liberdade de "certas pessoas que chegam a um patamar em que a Humanidade lhes perdoa tudo". Finalmente, este extraordinário pensamento: "há tanto tema para escrever um bom romance, estar sempre a bater nas religiões e a insultar é, no mínimo, de mau gosto...". De facto, com tanta coisa para escrever, porquê logo escolher a religião?
Quem deve estar a pensar o mesmo é o Salman Rushdie. Esteve dez anos enfiado numa cave e ainda hoje não sabe bem porquê. À época, o "fatwa" lançado pelos islamitas radicais, apenas o queria eliminar. Aqui, a coisa sempre fia mais fino. Houve a secularização e não se podem acender fogueiras todos os dias. Mas, com a desculpa do Inverno, já começou a apanha das achas para a lareira...

2009/10/21

Rankings

A associação Repórteres Sem Fronteiras, publica anualmente um relatório sobre liberdade de imprensa no mundo. O relatório revela que Portugal desceu para o 30º lugar no ranking internacional. A credibilidade do relatório é questionada uma vez que não se conhece exactamente quem fornece os dados que permitem elaborar esta classificação, mas não nos custa acreditar que, neste capítulo como noutros, Portugal esteja em queda.
A intolerância e o medo da verdade passaram já sem dúvida para o DNA dos portugueses. A imprensa portuguesa reflecte tudo isso. Este ranking, se pecar, é por defeito.
Em matéria de rankings porém nem tudo é mau. No ranking da FIFA, a selecção de futebol portuguesa voltou a ocupar um lugar no top ten.
Somos mesmo bons a tratar das coisas ao pontapé.

2009/10/20

Rituais de Outono

Já estava com saudades. Da chuva. Hábitos de quem viveu trinta anos no Norte da Europa.
A diferença é que, no nosso país, as casas são frias e húmidas. Quando chove, a alternativa é ficar em casa com frio ou ir para a rua e ficar todo molhado. Não é uma escolha fácil.
O que me continua a espantar, após todos estes anos, é o efeito catastrófico que a água causa no quotidiano dos portugueses. Todos os anos, com as primeiras chuvas, lá vêm as inundações do costume.
Tome-se como exemplo o caso de hoje. No noticiário das nove, o "pivot" de serviço abre com: "ventos de 80km por hora e chuvas fortes causam inundações em Lisboa e no Porto. Os bombeiros não chegam para as operações de socorro. Caos no trânsito das principais entradas de Lisboa. Em virtude das más condições atmosféricas, o serviço nacional de segurança resolveu decretar o alerta amarelo para todo o país".
Fui ver: de facto, a chuva, que caía abundantemente, ameaçava de inundação o meu quintal. Nada que umas boas vassouradas não resolvessem de imediato. Também é verdade que, ciinco minutos mais tarde, o sol brilhava de novo.
Se todo este caos é provocado pelas primeiras chuvas e é assim todos os anos, porque é que continua a ser assim todos os anos e não são tomadas as medidas preventivas necessárias? O que seria de Portugal, se aqui chovesse como na Holanda, um país onde um terço do território está abaixo do nível do mar e não existem, praticamente, inundações? Estaríamos certamente perante um caso de "alerta vermelho".
Estranho país este, onde o "choque tecnológico" é capaz de projectar linhas de alta velocidade, "hubs" aeroportuários ibéricos, pontes rodo-ferroviárias e estádios para implodir, mas onde não se consegue prever a cíclica chuva que cai, todos os anos, pelo Outono.

2009/10/19

Não habia nexexidade...

Ler as reacções da Conferência Episcopal aos comentários de José Saramago é como observar os anéis das árvores, a chamada dendrocronologia. A gente pega num tronco de uma árvore com centenas de anos, olha para aqueles anéis, analisa-lhes a forma, desvenda-lhes o conteúdo e pensa: olha como era o mundo naquele tempo!
O mesmo fazem os cientistas que estudam as camadas profundas dos gelos ou os sedimentos terrestres. Dados sobre a temperatura terrestre, a precipitação, a química e a estrutura dos gases da atmosfera, as erupções vulcânicas, a variabilidade da actividade solar, etc, está lá tudo.
Ler os comentários da Conferência Episcopal sobre o livro "Caim" é um exercício semelhante. A gente lê-os e pensa: olha como era o mundo naquele tempo!
Com uma diferença: naquele tempo a Igreja mandava assar os Saramagos que lhe surgissem à frente. Agora faz-se de vítima e acusa o albigense de não saber ler a Bíblia e de ter montado uma "operação publicitária" com o seu livro, advertindo-o que deveria "ir por um caminho mais sério".
O porta voz da Conferência Episcopal diz que "não está nas minhas prioridades a leitura desse livro, porque pela apresentação que aparece na Comunicação Social acho que é de alguém que não entende os géneros literários da bíblia". É uma pena que não o leia porque talvez lá descobrisse também uns anéis ou uns sedimentos cheios de informação interessante. E de descoberta em descoberta talvez conseguíssemos, finalmente, saír todos das trevas...

2009/10/17

Melhorar o "handicap"

Começou mal a nova legislatura. Melhor ainda, antes de começarem as sessões propriamente ditas e já um dos mais prestigiados e veteranos membros da Assembleia deu o dito por não dito e desistiu do lugar conquistado pelo distrito de Braga. Um escândalo? Não necessariamente. As pessoas - todos nós, deputados incluídos - podemos, por razões que nos ultrapassam, ter de mudar de planos, muitas vezes contra a nossa própria vontade. Uma doença, a morte de um familiar, um acidente grave, enfim "you name it!".
A desistência de João Deus Pinheiro continua a ser alvo do anedotário nacional. O deputado eleito por Braga podia, de facto, estar gravemente doente, mas também podia tratar-se de uma "birra" por não ter sido escolhido para uma vice-presidência na AG, como chegou a correr por aí.
Interrogado pela comunicação social, Pinheiro, acabou por esclarecer o mistério. Nâo, não se trata de nenhuma doença cancerígena (valha-nos isso!). Muito menos, uma "birra" (vocês estavam a ver a Dra. Manuela Ferreira Leite a negociar lugares comigo?). É doença, sim, mas de "stress" (para quem não saiba, o "stress" pode matar).
A conselho do médico, Pinheiro vai descansar. Muito. O que irá fazer, entretanto? Para já ler, escrever e pintar (uma velha paixão). Ah, e depois, certamente, dar umas tacadas de "golf", para melhorar o seu "handicap"...

2009/10/13

A excelência da música

Neste país surdo e avesso à música (sim, sim, avesso à música!), chamo a vossa atenção para o programa "Diga lá Excelência" que dedicou a sua última edição à arte de Orfeu, com uma excelente entrevista a Rui Vieira Nery.
É tão raro ouvir-se falar em música em Portugal que não posso deixar de assinalar o facto.
Coisas importantes que foram ditas naquele cantinho escondido da RTP 2. Quem se interessa pelo tema e não tenha apanhado a versão televisiva deste programa talvez ainda o possa apanhar no site da RTP.

2009/10/10

A opção da esquerda: gerir a bandalheira ou liquidá-la

Bastaria prestar atenção à forma como a direita insulta frequentemente a esquerda nestes dias que correm, como usa argumentos que parecem saídos dos tempos mais tenebrosos da guerra fria, como se apropria dos seus valores e os distorce para fazer valer as suas estratégias mesquinhas, bastaria isso para perceber que é à esquerda que estão as soluções para os problemas do país. À direita sente-se o medo patológico que a esquerda as implemente de facto. Daí os insultos.
Os tiros no pé que o PR tem vindo a dar ultimamente, a sua manifesta falta de jeito para o exercício do cargo que ocupa e a possibilidade real de ser o primeiro presidente da república pós-Abril a não ser reeleito para um segundo mandato, abrem caminho à possibilidade de uma candidatura conjunta de esquerda que poderia, segundo alguns, conduzir a um perigoso frentismo. Essa possibilidade deixa a direita em pânico.
O pânico resulta de duas coisas. Por um lado, da sua real falta da influência política e da insuficiência do seu discurso político. O povo é de esquerda, as teses que colhem são de esquerda. Por outro lado, pelo receio de que se torne claro, de uma vez por todas, que os portugueses entendam, sem margem para dúvidas, que as soluções estão de facto à esquerda e que este eleitorado volúvel, que hesita e se abstém crescentemente, possa vir a perceber onde jaz a chave para alterar o triste curso da nossa vida colectiva actual.
Onde está então o problema de escolher uma solução de esquerda para o país? O problema começa por estar, justamente, no facto da direita ter margem de manobra para continuar a agitar o papão da esquerda. O problema está também no facto de a esquerda, em muitos aspectos, não se distinguir da direita e não se saber constituir uma alternativa real. O problema está no facto de a esquerda ter tanto medo de ser esquerda como a direita tem medo que a esquerda o seja. O problema está no facto de ser mais difícil criar alternativas à bandalheira do que ir gerindo a bandalheira.
Nas sucessivas campanhas eleitorais em que temos estado envolvidos ultimamente, o que distingue a esquerda da direita? Nada. Os mesmos cartazes, as mesmas "arruadas", as mesmas caravanas insuportavelmente ruidosas, as mesmas bandeirinhas ridículas, o mesmo espetáculo mediático, a mesma retórica, o mesmo previsível futuro institucional, contentinho, venerador e obrigado, os mesmos dirigentes, com os mesmos tiques, indistinguíveis no seu pensamento poluído e nos seus desígnios espertalhaços.
Só a esquerda poderá criar a alternativa necessária, a alternativa do combate à bandalheira que foi criada pela direita.
Quando se despir de preconceitos e assumir inteligentemente o seu desígnio, a esquerda será a alternativa. Até lá, hoje na Presidência, no governo, na AR, e amanhã nas autarquias teremos mais do mesmo: nada.

2009/10/09

Obamania?

A atribuição do Nobel da Paz a Baraka Obama desencadeou, como era de esperar, as mais díspares reacções em todo o Mundo. De facto, nada fazia prever tal desfecho, tendo em conta que o presidente americano era apenas um nome entre duzentos nomeados e nada tinha no seu curriculum o indicá-lo como candidato ao Prémio deste ano. Desconhecido há quatro anos, com menos de um ano de Casa Branca e a braços com duas guerras de longa duração, a carreira de Obama - como "peace keeper" - é demasiado curta e cheia de escolhos para podermos fazer um balanço definitivo. Assim não o entenderam os membros da Academia Norueguesa que, mais uma vez, deram provas da sua irreverência (a que muitos gostam de chamar "sentimentos anti-americanos") e deram um prémio politicamente correcto. Um prémio de esperança, no fundo. Goste-se ou não da decisão esta é, no mínimo, surpreendente. Não que Obama (o segundo presidente americano em funções a receber o Nobel) o não venha a merecer. Mas, convenhamos, parece-nos um pouco cedo de mais. A responsabilidade é, agora, tremenda.

2009/10/06

"Letra M", um texto sobre a música

Um texto sobre a nova produção do Teatro da Rainha para o qual fiz a música. Assistam ao espetáculo se puderem. Mais informação no site do Teatro da Rainha.

2009/10/04

Mercedes Sosa

Com a idade de 74 anos, faleceu ontem Mercedes Sosa, uma das mais admiradas e prestigiadas cantoras sul-americanas da actualidade.
Vi-a, pela primeira vez, na década de setenta, quando a América Latina vivia a ferro e fogo sob regimes militares ditatoriais.
A cantora tinha acabado de exilar-se na Europa, onde viveu nos anos oitenta antes de regressar à Argentina. Podia regressar, mas não podia cantar e essa foi a razão porque escolheu Paris e, posteriormente, Madrid, para viver.
Nessa época, Mercedes deslocava-se frequentemente à Holanda, onde existia uma grande comunidade de exilados argentinos e outros sul-americanos. Recordo a sua estreia absoluta, no "Paradiso" de Amsterdão, onde actuou sózinha, tendo como único instrumento um enorme tambor com que se acompanhava em palco. Uma voz e o ritmo das batidas no tambor. Uma experiência inolvidável, que marcou para sempre a minha relação com a música sul-americana . Voltaria a vê-la, anos mais tarde, na cidade de Utrecht, a solo e num concerto dos Inti-Illimani (Chile) de quem fez a primeira parte.
Dos concertos, lembro-me do apresentador, também ele um chileno exilado (Luís Araveña) com quem partilhei muita música e que me ajudou a compreender a alma da "la negra más negra do continente americano". O Luis, seria, anos mais tarde, convidado para apresentar e participar numa homenagem a José Afonso que organizámos em Amsterdão.
Agora, "La Negra" morreu. Mas a obra discográfica ficou e está ai para quem quiser confirmar a sua história que já é parte da história da canção argentina e mundial.

2009/10/01

Tango certificado

O Tango, em tanto que género musical, foi hoje considerado pela UNESCO património intangível da humanidade.
Uma notícia encorajadora para a candidatura do Fado a certificação semelhante, decisão que será conhecida no primeiro semestre do próximo ano. Independentemente do resultado, o mais importante é o trabalho de levantamento e classificação que vem sendo feito pela comissão portuguesa criada para o efeito, a qual reuniu um espólio documental e de gravações inéditas, até há bem pouco tempo completamente desconhecidas. E isso, em si, é bem mais importante.

The Yellow Submarine

Não é bem o contrato da compra dos submarinos que desapareceu. O que desapareceu é o contrato de financiamento. As contrapartidas. Qualquer coisa como 30 milhões de euros. Estão a perceber?

2009/09/30

Novos agentes de estabilidade

Os argumentos invocados pelo PR e pelo PS para a instauração deste conflito, se forem analisados com cuidado, indicam que ambas as partes têm razão. O PR reclama que houve uma manobra para o "encostar" ao PSD, uma iniciativa que parece de facto estranha vinda da parte do partido do governo. Mas, a verdade é que o PR andou feito ventríloquo (cf. este meu post) soprando deixas à líder da oposição e a figuras do seu universo para fazer chegar o recado ao destinatário. Lembram-se concerteza do período do "realismo cavaquista", quando se falava da fantasia dos números, do governar para a estatística, etc. E lembram-se certamente que já na altura o PM se insurgia contra a "política do recado".
O que mais aflige em tudo isto é o nível a que chegou o confronto político, a noção algo transviada que os mais altos dignitários portugueses têm do primado de Portugal sobre os seus interesses e agendas e os meios de que se socorrem para prosseguir este confronto.
Todo esta "rixa" -- a sugerir noites brancas transformadas em noites rosa...-- prova bem que as alternativas que se nos colocam são falsas, ninguém parece estar à altura das exigências e o que precisamos é, de facto, de um novo figurino para a democracia portuguesa porque este, está provado, fede. As eleições de domingo passado já não contam.
Temos de inventar um regime novo.
Não se pode invocar constatemente a estabilidade e continuar a funcionar num quadro político que só produz instabilidade. E não se pode usar a palavra estabilidade quando o que se pretende é apenas entalar o adversário político. Os portugueses merecem mais e sabem disso!
Procuram-se novos agentes de estabilidade.

2009/09/28

O que esta votação quis dizer

A maioria absoluta do PS nas eleições de 2005 foi alcançada porque uma maioria absoluta de portugueses queria, de facto, reformas em muitas áreas da nossa vida colectiva. Estou certo de que mesmo gente que votou nos outros partidos teria igual desejo. Há um desígnio comum, difuso, mas muito amplo e real.
O PS pareceu a muitos de nós capaz de, sob o comando de José Sócrates, levar por diante este projecto. O discurso de tomada de posse do primeiro ministro foi um primeiro sinal de que as expectativas geradas iriam encontrar eco nas políticas do governo. O governo PS teve todas as condições para fazer aquilo para que os seus apoiantes o mandataram. A maioria absoluta foi a expressão deste impulso colectivo, empolgante e necessário.
O desfecho deste episódio não foi, como sabemos, o melhor...
O resultado das eleições de ontem foi uma clara demonstração de que 1) os eleitores continuam interessados nestas reformas e 2) os eleitores perceberam que aquela maioria absoluta infectou o PS.
O PS perdeu o mandato inequívoco que lhe foi conferido em 2005. O PS perdeu!
E terá novos dissabores se continuar a olhar para o umbigo e se se esquecer que o tombo de ontem não foi maior porque há uma percentagem significativa de gente, que lhe deu o voto em 2005, que ainda pensa --legitimamente, ou não, não interessa-- que não houve tempo para cumprir o programa e decidiu dar-lhe, por mais esta vez, o benefício da dúvida.
Privado dos ingénuos que lhe deram o voto em 2005 e de muitos qua ontem teimaram em acreditar ainda na possibilidade de cumprir o programa de 2005, o PS estaria hoje ao nível do CDS-PP.
Ontem, todos os partidos subiram. Todos, até mesmo, pasme-se!, o partido da inimaginavelmente inapta M. Ferreira Leite!. Até o MRPP subiu e vai passar a beneficiar dessa subida...
Só o PS desceu.
O que esta votação quis dizer foi a reafirmação da necessidade das reformas.
O que esta votação quis dizer é que os partidos vão ter de se entender e a solução a solo não funcionou, nem pode funcionar se prevalecerem dentro dos partidos, sejam quais forem, interesses egoistas.
O que esta votação quis dizer é que os eleitores estão mais atentos do que julgavam alguns políticos e observadores medíocres da coisa pública.
O que esta votação quis dizer é que as agendas políticas dos partidos são todas legítimas e são todas para ter em conta, para discutir e dissecar com seriedade, sem ambiguidades, sem manobras manhosas e abertamente.
O que esta votação quis dizer é que uma certa forma de fazer "política", cerzida, frequentemente, na calúnia, no desrespeito, no golpe baixo, na arrogância, na grosseria e no interesse mesquinho, acabou.
O que esta votação quis dizer é que não é possível continuar a deixar que se confunda o governo da Nação com associações de defesa de interesses corporativos, de classe, de actividade económica ou de outra qualquer natureza.
O que esta votação quis dizer é que os responsáveis políticos do país têm de se entender, abandonar este estilo trauliteiro de resolver os nossos problemas colectivos e aprender a respeitar os interesses dos diferentes sectores da sociedade, tentando conciliá-los para bem da sociedade no seu conjunto.
O que esta votação quis dizer é que não há sectores da sociedade portuguesa virtuosos por direito divino, enquanto outros são pecadores contumazes por acção do demónio.
O que esta votação quis dizer é que a ingovernabilidade começa nos próprios políticos que confundem serviço público com o servir-se do público.
Quanto a mim, foi uma nova era que se iniciou ontem. Quem não percebeu isso está condenado a um ocaso político rápido. Chamem-me optimista, mas o futuro apresenta-se agora mais promissor.

Sacanas sem Lei

...é o título da última obra-prima de Tarantino, provavelmente o seu melhor filme à data. Optei por assistir à sua projecção enquanto aguardava pelos resultados eleitorais. Aventura magnífica, baseada numa ficção do autor, onde as citações, à história e personagens marcantes do cinema americano, são constantes. Para além do bom argumento (a good story, is a good story) realce para as magníficas interpretações de todos os actores, a excelente música - sempre soberba nos filmes de Tarantino - e a emoção (film is emotion) que, mais uma vez, é total.
Sem emoção, decorreram as eleições que, à excepção dos resultados do CDS, não provocaram grande "frisson". Como se esperava, o PS (ganhando) perdeu a maioria; o PSD (perdendo) nunca conseguiu arrancar da "pole position"; o BE mantendo o seu crescimento sustentado e a CDU que, mesmo descendo duas posições, subiu em votos e em deputados. Ou seja, perderam os partidos do "bloco central" e ganharam os partidos mais à direita e à esquerda do hemiciclo. Também aqui, poucas surpresas.
Difícil, mesmo, prevê-se a constituição do próximo governo que, não permitindo grandes variantes, pode durar ainda menos tempo do que a legislatura. De fora, parecem ficar as soluções PS/PSD e PS/BE/CDU. Restam, quanto a nós (politólogos de bancada) duas alternativas: um governo minoritário do PS, com acordos pontuais no parlamento; um governo de coligação PS/CDS, que garanta a maioria.
Importante neste cenário, poderá ser a posição de Cavaco Silva, cujas declarações aguardadas a qualquer momento, podem destabilizar todos os cenários propostos.
Uma coisa, no entanto, parece certa: os sacanas do costume, estarão agora mais escrutinados e não poderão continuar impunemente acima da lei.

2009/09/27

Prognósticos Finais

Ao fim de treze anos de "jejum" fui hoje, de novo, votar.
Gostei do que vi: centenas de pessoas em longas filas de espera, aguardando a sua vez de cumprir o ritual.
Se as sondagens não falharem, teremos uma grande afluência às urnas e uma vitória, mais ou menos folgada, do partido do governo. De acordo com o meu "trabalho de campo", levado a cabo em supermercados da zona, padarias, farmácia, quiosque de jornais e junto de moradores do bairro (acamados incluidos), o resultado das eleições de hoje deve andar próximo deste:

PS: 35%
PSD: 32%
BE: 10%
CDU: 9%
CDS: 7%
MEP: 2%
MMS: 1%
Outros: 2%
Brancos: 2%

A margem de erro é enorme. A ingovernabilidade seria total. Mas, não deixava de ter graça...

2009/09/24

Um marco histórico

De acordo com as últimas notícias, o Ministério da Justiça anunciou já não existirem em Portugal reclusos alojados em celas com balde higiénico, vulgo "balde de merda". Certamente um argumento de monta para a campanha eleitoral do partido do "choque tecnológico". Ou, como diria o outro: "Um pequeno passo na história da humanidade, um grande passo na história de Portugal"...

2009/09/22

Parelhas cómicas

A parelha cómica é um clássico da comédia. Trata-se de uma fórmula que terá talvez origem na tradição da parelha de palhaços do circo. Parelhas famosas foram Bucha (Hardy) e Estica (Laurel), Abbott e Costello, Martin e Lewis, French e Saunders.
Há parelhas cómicas feitas de actores de carne e osso ou de figuras de desenho animado, compostas de homens ou de mulheres, por vezes com mais um ou dois personagens para baralhar o esquema. E não nos esqueçamos do ventríloquo, uma variação a solo da parelha cómica em que um mesmo actor actua a duas vozes.
E qual é a "fórmula" da parelha cómica para nos fazer rir? Uma relação desigual entre os dois personagens, com comportamentos e personalidades deliberadamente contrastantes. Um (o palhaço rico), o sisudo e ajuizado, vestido de lantejolas, provoca o outro (o palhaço pobre), o pateta, vestido de modo mais trapalhão, aquele a quem sucedem os episódios ridículos, que tropeça e se estatela, enquanto o sisudo remata, grave, um qualquer disparate a fingir que é sério.
Ao longo da história do espetáculo têm surgido inúmeras parelhas cómicas e variações destas que têm um único objectivo: criar uma tensão artificial com o objectivo de nos fazer rir.
A parelha cómica, não o esqueçamos, é apenas um artifício. Na realidade, embora até possa existir rivalidade real entre os personagens, a parelha cómica não passa de um expediente técnico usado para criar uma tensão fingida.
O problema das escutas em Belém e a "crise" que suscitou faz-me lembrar esta coisa das parelhas cómicas. Os actores são sem dúvida maus, estamos longe de perceber quem é o palhaço rico e o palhaço pobre, mas o artifício da parelha cómica está lá.
Quase certamente que estamos perante um caso de papéis intermutáveis conforme as circunstâncias e as necessidades. De fora está, definitivamente, a líder do PSD, partenaire de uma outra dupla com o ventríloquo Cavaco, parelha que está agora defintivamente posta em causa.
Certamente vexados pelo êxito da SIC com o programa dos "Gato Fedorento", o senhor Presidente da República e o senhor Pimeiro Ministro decidiram lançar um produto para competir com esta fórmula de (aparente) sucesso, sublinhando a tendência destas eleições de levar o "debate" político para o terreno da comédia...

Garganta Profunda

A demissão de Fernando Lima poderá ter resolvido um problema a Cavaco Silva, mas não explica os verdadeiros motivos da conversa do seu principal assessor com um jornalista do "Público". Foi, ou não, Lima mandatário de outrém e, se foi, quem tinha interesse em fazer circular a notícia das "escutas" em Belém? Alguém de Belém (outro assessor) ou alguém do exterior, para dessa forma tentar culpabilizar o Governo? Cavaco prometeu falar depois da campanha. Entretanto, o presidente, mandou "matar" o mensageiro, o que não contribui para o esclarecimento do caso. Se não estamos perante um "mal-entendido", como querem fazer crer alguns comentadores da nossa praça, poderemos estar perante um caso muito mais grave que indicia a degeneração do próprio sistema político e dos seus principais actores. Sabemos, de outras paragens, que a cultura de "omertá" esteve na origem da república dos juízes. Já estivemos mais longe.

2009/09/17

É possível rir disto?

Tenho uma costela que me grita a todo o momento a inutilidade do Estado e de outras instituições da "civilização". Mas, tenho uma outra que me diz que alguns poderão encontrar nele um justificação legítima. E tenho outra ainda que me diz "ai de nós se não tivermos um Estado activo e actuante."
O Estado tem um único objectivo: o exercício da justiça. Seja qual for a área --agricultura, indústria, ambiente, economia, cultura...-- o Estado serve apenas para corrigir, de uma forma ou de outra, as perturbações e os desequilíbrios que resultam da interacção social e dos handicaps sociais e individuais. O Estado serve para equilibrar e não pode ser, ele próprio, factor de desequilíbrio. O Estado serve para introduzir o factor justiça na nossa vida colectiva.
No actual "debate" eleitoral este tema, que considero ser o único que (nos) interessa, não aparece.
Ora, os cidadãos contribuem com uma percentagem muito significativa dos seus rendimentos para sustentar uma máquina que há muito deixou de obedecer a esta lógica de exercício da justiça e existe apenas para se auto-perpetuar. Em Portugal, a actividade do Estado resume-se praticamente a sustentar a sua máquina. A máquina que existe para garantir justiça entre os cidadãos serve apenas para sustentar os seus membros. E eles sabem que a gente sabe que eles sabem que nós sabemos.
Em vez de exercer o seu desígnio de forma serena e categórica, o Estado está em permanente confronto com o cidadão para, debaixo da capa do exercício legítimo da justiça, se auto-alimentar.
Os cidadãos sabem disto e desconfiam do Estado. De tal maneira isto é verdade, de tal maneira o Estado está desacreditado e desautorizado, que das raras vezes em esse exercício de justiça é efectivamente levado a cabo o cidadão comum, desconfiado, insurge-se.
Neste confronto entre o Estado e os cidadãos, perante a desigualdade das forças que se defrontam, alguns acabam por se acoitar debaixo da asa do Estado na esperança que, assim, a vidinha lhes possa correr melhor. Desta forma, numa espiral terrível, o Estado sai ainda mais desacreditado, o confronto aprofunda-se e a injustiça aumenta.
A vitória por maioria absoluta nas últimas eleições deveu-se apenas a um facto: aqueles que deram ao PS e a Sócrates o decisivo apoio extra, destinado a legitimar a introdução de reformas sérias na organização do Estado, acreditaram que esta situação iria ser afrontada. Sabemos agora que isso não se passou assim. E sabemos agora, depois do PSD nos seus diferentes sabores e do PS 1 e 2, o que é o tal centrão: uma espécie de super-máfia destinada a garantir esta máquina do Estado complacente consigo próprio, à sombra do qual se resguardam os acólitos.
O centrão não está contra os professores, juizes, polícias ou médicos. O centrão está contra todos os que estejam dispostos a garantir o desígnio do Estado: o exercício da justiça.
À falta de debate sério é interessante observar como o debate político virou comédia. Os grandes temas da vida nacional são agora introduzidos pelos "Gato Fedorento".
Há quem defenda que o riso é uma expressão de libertação perante a passagem do perigo. Neste programas já percebi onde está o perigo para cada um dos intervenientes. Ainda não consegui foi perceber o que está a provocar o riso dos seus protagonistas, nem de que perigo eles julgam que se estarão a libertar.
Vamos ver quem ri por último no dia 27...

2009/09/15

Debates

Após dez dias de debates "a dois", em que a televisão portuguesa ensaiou o "modelo americano", ficaram no ar mais perguntas do que respostas. Por exemplo: porque é que as discussões, propriamente ditas, demoraram apenas 45 minutos e os comentários dos painéis de "politólogos" chegaram a demorar 60 minutos? Em debates centrados em questões económicas, porque é que nunca foi abordado o problema da dívida externa, quando se sabe que esse será um dos maiores problemas que Portugal enfrentará no futuro? Porque é que ninguém falou de energia ou questões climatéricas? Porque é que, estando Portugal integrado no espaço europeu, nunca foram discutidas questões como a do Tratado de Lisboa, a política de imigração europeia ou a adesão da Turquia, para apenas citar três exemplos da actualidade? Porque é que, estando Portugal na NATO, nunca foi questionada a presença de tropas portuguesas em cenários de guerra, como o Iraque, o Afeganistão ou o Kosovo? Enfim, a lista seria interminável e a única explicação plausível para a ausência de temas considerados "não-convencionais", só pode ser uma: os participantes acordaram entre si o que eles consideram interessante para os potenciais votantes, formatando à partida o modelo de discussão que lhes interessava mais. Ora o que mais interessa aos políticos não é, necessariamente, o que mais nos interessa a nós, eleitores. Se o modelo de debate em grupo não favorece a clareza das propostas políticas, o modelo espartilhado de debates a dois, para mais cronometrado ao segundo, pareceu-nos demasiado limitativo para os fins pretendidos.
Resultado: um "anti-climax", na maior parte dos confrontos, o que não favorecerá a participação eleitoral no próximo dia 27. Ora, era essa tendência que era necessário inverter: a da abstenção galopante, reflexo do desinteresse que as actuais políticas nos provocam. Mas, se são os próprios políticos a concordar participar numa farsa, como é que o "sistema" pode mudar?
Assim, não vamos lá...

2009/09/07

Cá me queria parecer...

No debate televisivo de ontem, a economista Manuela Ferreira Leite disse uma coisa extraordinária: "as nacionalizações feitas em 1975 levaram a economia portuguesa ao desastre". Atendendo ao brilhante estado da economia portuguesa actual, não podia estar mais de acordo. A culpa foi do Vasco Gonçalves...

2009/09/04

A "Cacha"

As especulações sobre as razões da "eliminação" do Jornal das sextas-feiras na TVI, apontam para uma de três possibilidades:o motivo político, o motivo comercial e o motivo editorial.
Para a oposição (da esquerda à direita) o "ideal" seria o PS estar por detrás da manobra. Não constituia o jornal, apresentado por Moura Guedes, o maior ataque semanal ao primeiro-ministro em toda a comunicação social portuguesa?
Para o governo, tal tese só pode prejudicá-lo e não parece que os "spin-doctors" do PS fossem assim tão estúpidos.
Restam os "espanhóis". Estes, da sede da Prisa, algures em Madrid, teriam dado as ordens pelo telefone.
Confrontadas as "partes" com os diversos cenários, ninguém parece ter uma resposta clara sobre o assunto:
O PS vem a terreiro pedir explicações à Alta Autoridade para a Comunicação Social, demarcando-se do acto. A oposição não acredita e continua a querer ver o dedo do governo na manobra. Os "espanhóis" desmentem qualquer implicação no caso e passam a responsabilidade para a Média Capital em Lisboa. Esta delega na administração da TVI a decisão e a administração, por sua vez, emite um comunicado a falar na "harmonização" dos blocos informativos da estação, como razão última para a "homogeneização" em curso. No meio destes jogos florentinos, falta a verdade. Ou, na falta dela, a notícia principal. Aquilo, a que, em jargão jornalístico, se chama a "Cacha". Mas, agora, sem a Manuela, como é que vamos saber quem é o culpado?

2009/08/28

De uma lado chove, do outro troveja

Depois de um período de expectativa cuidadosamente montado, o programa eleitoral do PSD foi ontem finalmente conhecido. Seguiu-se-lhe uma dissecação, quase até à exaustão, por parte de analistas e responsáveis políticos. Faltou-lhes a todos referir um pormenor: não se trata um programa eleitoral, mas de um produto de simples marketing político.
De forma simplificada pode-se dizer que à posição, por parte do governo PS, de eleger o investimento público como motor da recuperação, o PSD propõe que esse papel seja assumido pela iniciativa privada. É isto em termos simples. Estamos perante uma manobra que visa criar no eleitorado a ideia de que o PSD tem uma "alternativa" à política do PS. Com isto o PSD aparece como um partido diferente do PS e aparece... com uma alternativa!
Ora, em primeiro lugar, PS e PSD são face de uma mesma moeda. Má moeda, para usar uma expressão cara ao PR, o joker deste jogo. Podem ser alternativa um ao outro, mas não são alternativa relativamente ao que verdadeiramente importa à Nação. Talvez por serem faces da mesma moeda se fale de forma tão despudorada de "bloco central"...
Em segundo lugar, a "alternativa" do investimento privado só nos pode dar vontade de rir. Nem os privados estão em posição de cumprir o papel de que o estado actual da economia carece, nem a sua folha de serviços nos revela nada de bom. O que se trama no silêncio dos gabinetes dos privados tresanda a sinistro. Os portugueses não podem esperar nada do sector privado.
Em suma, não poderíamos esperar nada de bom debaixo do primado da iniciativa privada.
O mesmo, porém, se pode dizer infelizmente da "alternativa" contrária. Da iniciativa pública também nada podemos esperar de bom. Os programas são medíocres e os executantes são pateticamente maus. O oportunismo e a corrupção são males maiores para a erradicação dos quais não vemos nem vontade, nem mecanismos adequados. Do poder público só podemos esperar o pior. O que se trama nos gabinetes públicos a sinistro tresanda. Os portugueses não podem esperar nada do sector público.
De resto, uma solução séria para os problemas do país neste momento tem de incluir um pouco de tudo. Apresentar programas ao eleitorado na base do "either, or" é uma completa mistificação só compreensível no contexto da mesquinha luta partidária que se trava em Portugal. Ninguém minimamente sério pode dizer que a solução passa exclusivamente pelo investimento público ou pelo privado. Qualquer proposta deste tipo (e é nessa lógica que tanto o PS como o PSD embarcaram!) é um insulto à inteligência de todos nós.
Neste contexto, a "luta" entre PSD e PS só nos pode causar uma de duas reacções: nojo ou vontade de rir.
Resta-nos a possibilidade de fortalecer significativamente os partidos de fora da área do poder e forçar a criação de outras alternativas para a governação do país que os incluam forçosamente, mas isso será objecto de futuras reflexões quando for possível.

2009/08/27

O Homem do Golf

Exactamente, de hoje a um mês, haverá eleições. A acreditar nas pitonisas que, diariamente, povoam os principais orgãos informativos e cuja única notícia parece ser manter a "silly season" actual, o país corre o risco de ficar "ingovernável" a 27 de Setembro. Este prognóstico é baseado em projecções que mostram os principais partidos do poder em queda, enquanto os partidos à sua esquerda mantêm um crescimento sustentado. Se as sondagens não falharem desta vez, teremos o PS e o PSD com votações bem abaixo dos 40% e o PCP e o BE com votações à volta dos 10%, o que inviabilizará qualquer governo de maioria absoluta. A alternativa, poderá ser um governo minoritário que, dificilmente, tem hipóteses de chegar ao fim da legislatura. Que fazer, pois, perante tal "catástrofe"?
A solução vem hoje escarrapachada no semanário "I", pela boca de João de Deus Pinheiro: "tem de se fazer uma coligação um bocadinho como fazem os holandeses. Os holandeses demoram normalmente um mês a fazer um governo de coligação. Porque negoceiam as medidas mais contenciosas. Em Portugal temos pouco essa tradição".
É verdade. Eu próprio vivi trinta anos na Holanda e não me lembro de ter visto um governo maioritário de um só partido. Mais, as coligações demoram longos meses a constituir-se. Um verdadeiro ritual que passa pelo convite da rainha a um "informador" para convidar o partido mais votado e conseguir consensos. Quando se atinge esta fase, o informador retira-se e entra em cena um "formador" que reune os partidos (podem ser dois, três ou mais) os quais discutem exaustivamente todos os pontos de um programa comum. Quando chegam a acordo, o "formador" volta à rainha com a proposta e esta nomeia o governo na base de um programa consensual. Por exemplo, actualmente, a coligação governamental holandesa é composta pelo partido cristão-democrata (CDA) pelo partido trabalhista (PvDA) e por uma pequeno partido cristão-reformador (PR). É possível, sim, mas é bom perceber que estamos a falar de um país de longa tradição democrática, com mais de um século de parlamentarismo e onde a monarquia tem um função institucional simbólica. Um país, onde a ética não é uma palavra vã e a política não é atravessada pela promiscuidade entre a política e outros poderes, como em Portugal.
O que Deus Pinheiro propõe mais não é do que a reedição do famigerado "bloco central" ao qual ele próprio pertenceu. Percebe-se, o homem já não está em idade de chatisses e nada melhor para o "sistema" do que manter os interesses em família, neste caso as "familias" do PS e do PSD que governam e se governam há mais de trinta anos em alternância. Bem diferente do modelo holandês, como se percebe, pois na Holanda não são sempre os mesmos partidos a formar governo. Um homem distraído, o Pinheiro. Se bem me lembro, não é a primeira vez. Ficou famosa a sua "gaffe", no dia em que rebentou a 1ª guerra do Golfo e ele foi o único comissário europeu a faltar à reunião de emergência em Bruxelas, por estar a jogar "golf". O incidente valeu-lhe um fabuloso "cartoon" na imprensa internacional, onde se via um funcionário entrar no "green" para alertá-lo da guerra em curso: "Golf War! Golf War!", gritava o rapaz. Ao que Pinheiro, impassível enquanto dava uma tacada, perguntava, "Golf, what golf?".

2009/08/19

O que é isto?

Na noite de ontem, em zonas diferentes da grande Lisboa, duas jovens foram violadas. Como é normal, em casos semelhantes, as vítimas dirigiram-se aos hospitais das suas áreas habitacionais, respectivamente o Santa Maria e o Fernando Fonseca, vulgo Amadora-Sintra. Em ambos os casos, não puderam ser feitos os exames forenses, por ausência de especialistas de medicina legal, aparentemente os únicos a poderem avaliar este tipo de agressões. A razão, explica o director de Medicina Legal, prende-se com o mês de Agosto, quando há apenas 3 (três!) médicos escalados para o serviço nocturno de urgência. Porque a humilhação ainda não era suficiente, as jovens foram aconselhadas a não se lavarem, não escovarem os dentes ou mudar de roupa, para que, esta manhã, ainda houvesse provas da "alegada" violação. Ambas as histórias foram contadas pelos familiares das vítimas à televisão e o Instituto de Medicina Legal confirmou a falta de médicos no turno da noite em Agosto.
Ouve-se e não se acredita! Mas que merda de estado é este que permite serviços nocturnos de urgências sem pessoal qualificado e ainda por cima exige das vítimas que abdiquem dos seus sentimentos mais profundos, em completo desrespeito para com os seus direitos de cidadãos? O que é isto?

2009/08/14

Não tenho ídolos...

... Mas se os tivesse, Les Paul (1918-2009) tinha todas as características para ser o mais forte candidato a este lugar. Uma mente brilhante, o eterno e vivaz sorriso, o guitarrista excepcional, o artista extraordinariamente arrojado e interessante e, sobretudo, o pai de uma série de invenções cruciais para a produção musical tal como a conhecemos hoje.
Do símbolo da cultura rock, a guitarra eléctrica (embora nesse campo não estivesse só e o nome de Leo Fender não possa de todo ser esquecido), até ao gravador magnético multipista, do conceito de auto-acompanhamento musical, ao humilde suporte de harmónica que artistas como Bob Dylan ou Neil Young popularizaram, o génio criativo de Les Paul tudo foi capaz de conceber e em tudo é possível descobrir o seu toque e influência. Um designer e um inventor na linha de Tesla ou de Edison!
Sem Les Paul, eu e muita gente ligada hoje à música, da mais erudita à mais popular, da mais "internacional" à mais tradicional, continuaríamos na idade da pedra da produção musical.
São poucos os indivíduos que conseguem produzir com as suas próprias mãos mudanças tão profundas na história e impôr conceitos tão radicais, tornando-os quase banais. Acabou de desaparecer um deles.

PS- Um documentário sobre ele, para quem estiver interessado, pode ser visto aqui.

A carreria de Medina

O que vou dizer a seguir será polémico, e a polémica começa, se calhar, aqui mesmo dentro do Face. Mas, aqui vai.
Ouço Medina Carreira, vejo a sua presença cada vez mais assídua na televisão, observo a sua transformação em comentador da moda, e tudo isto me causa uma sensação crescente de náusea.
Não porque muito do que ele diz não seja verdadeiro, não porque a forma como o faz não seja contundente qb, assim como uma espécie de special efx de televisão. Mas, sobretudo, porque ao nível a que ele se coloca, e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se. O doutor Carreira não está contra o regime que parece denunciar. O doutor Carreira está a fazer o papel do bobo do regime. E é o regime que está mal, não os governantes. Estes servem-se dele como podem e como os deixam. O resto é conversa.
Sublinho e repito: ao nível a que ele se coloca e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se.
Confortavelmente instalado no estúdio de televisão vai lançando os seus ataques de dentro mesmo de um dos principais sustentáculos e beneficiários da situação que aparentemente pretende denunciar. Carreira luta no maquis da tv. Imagine-se o Cristiano Ronaldo a fazer, no Real Madrid, o jogo do Barcelona. É tão absurdo como ver o doutor Medina Carreira a dizer mal da actual situação e dos actuais situacionistas, seus companheiros de equipa, entre câmaras e projectores, coberto de maquilhagem no meio de um cenário a fingir que há horizonte em tudo aquilo.
Depois há duas outras coisas que não recomendam o dr. Carreira e as suas teses. Primeiro, acusa os políticos de falta de sensibilidade social, de não “ouvirem” o que diz a rua... Mas, de seguida, afirma, peremptório e sem se atrapalhar com o ridículo, que a “solução” para o “problema” do país... é económica!
Ora, ó doutor Carreira, ouça bem o que lhe digo: o problema do país NÃO é económico! O problema é cultural. Haverá uma componente económica no “problema” português, haverá certamente uma dimensão "económica" na sua solução, mas não é a economia que explica o que se está a passar e não serão os economistas, nunca, a encontrar soluções. Quando está a chover, os economistas gostam de dizer "Está a chover!" Já sabíamos.
As provas dadas pelos economistas até agora foram abaixo de cão. A presente crise internacional é em boa medida uma crise forjada nas teorias ensinadas nas faculdades de economia. As receitas, as previsões e as análises dos economistas são pura merda! A lista de “economistas” e de praticantes de “economologia”, consigo incluído, que fizeram as coisas chegar ao ponto em que estão, é longa e sonante. E tilinta! Quanto a mim preferiria mil vezes ter a astróloga Maya a dirigir o país. De certeza que os resultados não eram piores.
Quando se conseguir pôr cobro neste país ao regime de castas, à indigência intelectual, à irresponsabilidade, à imoralidade, à exploração do tempo dos outros, então sim, podemos criar empresas viradas para a exportação, atrair investimento externo ou outra qualquer solução “económica” para regular o modo como nos relacionamos uns com os outros no plano material e procedemos à satisfação das nossas necessidades materiais colectivas e individuais. Até lá, tudo aquilo que o senhor diz não passa de um grande e inconsequente vazio.
Ou terá o senhor a veleidade de pensar que se aquilo que diz fosse verdadeiramente revolucionário, fosse gritado no foro adequado, brandindo as armas justas e os colocasse de facto em causa, esta corja de franganotes que o senhor tanto verbera não lhe tinha já mandado calar o bico?
Isto não vai lá com palavreado dr. Medina. Vai, e tem de ir, de outra forma. Daí eu pensar que a sua carreira já merece reforma...

2009/08/13

Um Grande BPN

Medina Carreira, no tom truculento que o caracteriza, deu ontem mais uma entrevista na televisão. Uma hora de crítica impediosa a uma classe que ele caracteriza como oportunista e que está na política para tratar da vidinha. Nada que não tenha dito em entrevistas anteriores ou que não saibamos por observação empírica. Sobre Medina Carreira há, normalmente, duas opiniões diametralmente opostas: ama-se ou odeia-se.
De uma coisa, no entanto, não podemos acusá-lo: é de ser incoerente na forma como - com números - explica o aumento da dívida externa e as suas consequências para o futuro da economia portuguesa. As contas são fáceis de fazer: ao ritmo de endividamento actual, o país estará ingovernável no prazo de dez anos. Produzimos pouco e mal, não criamos riqueza suficiente, importamos mais do que exportamos, necessitamos de empréstimos para manter o consumo interno e estamos, por isso, cada vez mais endividados, logo mais pobres. À crise interna e estrutural juntou-se a crise externa internacional e os indicadores económicos são péssimos. Mas, diz mais: as eleições que aí vêm não trarão qualquer alteração substancial (na melhor das hipóteses um governo minoritário que cairá ao fim de uns meses) e os programas partidários não passam de intenções que o seu "amigo Banana" subscreveria. Os partidos actuais estão enfeudados aos interesses económicos que vêem no poder uma forma de fazer negócios e empregar familiares e, por isso, com maioria absoluta ou maioria relativa, o sistema não mudará substancialmente. Portugal está transformado num "grande BPN".
À pergunta do entrevistador sobre o que proporia para mudar o estado do país, exemplifica: mais do que promessas, é necessário um diagnóstico sério (bastam três meses para fazê-lo) sobre as causas do nosso atraso e um governo que, com um programa mínimo, elimine os obstáculos que impedem o desenvolvimento português. Pessoas capazes (não necessariamente enfeudadas aos partidos) e coragem para executar um programa reformista sob a égide do PR, parece ser a saída preconizada por Medina. Não sabemos se esta fórmula resultaria, mas que a situação não pode continuar assim por muito mais tempo, parece-nos evidente. Para BPN já basta o Banco...

2009/08/09

Histórias de Guerra

As minhas primeiras recordações de Solnado datam dos anos cinquenta, era eu ainda um jovem adolescente.
Lembro-me vagamente do seu nome nos cartazes do Parque Mayer e, já em finais da década, da sua interpretação no filme "O Tarzan do 5º esquerdo", exibido no antigo cinema Condes. O filme foi um êxito de bilheteira e a crítica viu nele um dos primeiros exemplos do cinema "neo-realista" português. Mais do que a história, lembro-me da personagem principal, interpretada pelo Raul, que "levava" o filme aos ombros.
Anos mais tarde, através da "Guerra de 1908", que viria a tornar-se um clássico da rádio, o seu nome tornou-se indissociável de uma época atravessada por uma guerra - essa sim, real - que o regime impunha em África.
Lisboa era, à época, uma cidade taciturna e cinzenta, onde os homens vestiam fatos às riscas e usavam chapéus de feltro e as mulheres sózinhas não eram bem vistas nos cafés. Nas tertúlias do Martinho e do Monte Carlo, discutiam-se as escolhas de uma geração: fazer a guerra ou desertar, o que implicava na maior parte dos casos um exílio incerto. Dado que optei pela segunda alternativa, vi-me impedido de regressar ao país durante oito largos anos. O Portugal Salazarista tornou-se uma recordação cada vez mais distante, que gravações como as de Solnado contribuiam para amenizar. No fundo, as "guerras", a dele e a do regime, eram um absurdo.
Dos seus êxitos, em programas como o "Zip-Zip" ou, mais tarde, "A Cornélia", só soube por relatos indirectos e, no cinema, lembro-me da sua interpretação no filme "Balada da Praia dos Cães", que vi em finais da década de oitenta no Festival de Cinema de Roterdão.
Num dia atravessado por memórias, eu, que nunca o conheci, relembro um tempo de angústia e frustação, onde uma das poucas coisas que o regime não podia proibir, era rir. Graças ao Solnado, ri-me a bandeiras despregadas. Antes e depois da liberdade. Sem o saber, ele foi dos que mais contribuiu para a minha sanidade mental. Não é coisa pouca.

2009/08/03

Como se fora seu filho

Se fosse vivo, José Afonso teria feito ontem oitenta anos.
Uma afeméride, que a Câmara de Grândola vem assinalando de há dois anos a esta parte através de um programa subordinado ao título "Como se fora seu filho".
Do programa deste ano, composto por um colóquio, uma exposição e um concerto, destaque para este último que ontem se realizou no auditório Cine Granadeiro, recentemente reaberto, após renovação.
Lá estivemos, para escutar Cristina Branco e um quarteto de jazz, que apresentou o projecto "Abril" dedicado à obra do Zeca.
Canções e refrões de sempre que os "grandolenses" conhecem de cor e que um dia o poeta, sem imaginar o futuro, lhes dedicou com gratidão. Chegou a vez da "vila morena" retribuir. Como se fora a um filho seu.

2009/07/29

Um Falso Debate

Se alguma surpresa houve no "debate", entre os principais candidatos à presidência da Câmara de Lisboa, essa foi a (relativa) vitória de Pedro Santana Lopes. Mesmo eu que, não votando em Lisboa, pensava que Costa ia meter o "menino guerreiro" no bolso, fiquei espantado com a vitalidade deste último. O homem é de borracha. Um verdadeiro "sempre em pé". O pior é que é capaz de ganhar e a culpa nem é dele. Como é possível apostar num candidato que apoia o negócio leonino dos contentores no porto de Lisboa, a terceira travessia no Tejo (que vai trazer mais 40.000 carros diários para a cidade), defende a saída do aeroporto da Portela e diz que diminuiu a dívida, quando esta apenas passou dos credores para a Banca? Pior, na maior parte dos temas, Santana mostrou muito mais conhecimento dos "dossiers" e da cidade que o seu opositor.
Como bem notou um dos comentadores, após o debate, a discussão não teve a ver com dívidas e túneis, mas com o futuro de ambos os políticos: para Santana, uma derrota pode significar mais uma travessia do deserto. Para Costa, as contas são outras. Ele sabe que pode substituir Sócrates, caso este perca as eleições legislativas que se realizam duas semanas antes.
Uma entrevistadora mais acutilante, teria feito a ambos uma pergunta muito simples: os senhores que "gostam" tanto de Lisboa, se perderem as eleições o que fazem? Ficam como vereadores ou vão-se embora?
Essa era a pergunta que eu, se votasse em Lisboa, gostaria de ver respondida.

2009/07/21

A pegada ecológica

No rescaldo das celebrações do 40º aniversário da viagem da Apolo 11 e do olhar (a maior parte das vezes, basbaque!) sobre a Lua e a "aventura" espacial", será tempo para deitar alguma água na fervura e de dizer: não se iludam! A aventura só continua se a humanidade reformular a sua maneira de pensar, aqui na Terra, e alterar radicalmente a forma de nos encararmos uns aos outros e de encarar este planeta em que vivemos.
O esforço para viajar no espaço, que me parece também a mim, inevitável e meritório, só terá sucesso em verdadeira cooperação e num quadro de partilha generalizada dos nossos comuns desígnios mais sagrados. A prova é que em resultado de estarem cada uma para seu lado, as antigas potências do espaço cederam protagonismo e margem de manobra, e a "conquista do espaço" foi empreendimento que perdeu gás. Por outro lado, se forem só as nações que são vítimas da maior pressão demográfica a procurar resolver o seu problema particular, o resultado será igualmente a derrota e a frustração. Espaço significa, em primeiro lugar, dar as mãos na Terra.
E dar as mãos na Terra significa também que se a corrida ao espaço é promovida para fugir à responsabilidade de resolver os graves problemas aqui na Terra, será de temer que a pegada futura da Humanidade na Lua venha a ser tão dramática quanto a que vamos deixando por cá. De símbolo do Amor a bidé da Terra, eis um destino possível para a Lua.
A corrida espacial voltou a povoar os sonhos de muitos. Fala-se em Marte, fala-se mesmo nas fronteiras da galáxia. O telescópio espacial Kepler da NASA pesquisa até, de forma científica, a possibilidade de existência de vida na lonjura do espaço. As maiores fantasias parecem-nos todas verosímeis. Mas, se partirmos para tudo isto com a mesma mentalidade que vamos mantendo na Terra, belicosa, egoista, e transportarmos para o espaço os vírus que nos devoram aqui, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, esse espaço transformar-se-á em mais uma arena de desigualdades e de injustiça social.
É esta a minha visão romântica da "aventura espacial"...

2009/07/18

A cultura TGV

"Na apresentação oficial da Capital Europeia da Cultura 2012 em Guimarães, o primeiro-ministro, José Sócrates, sublinhou a importância da Cultura para o sucesso económico do país." Lê-se e não se acredita...
A cultura foi, como é do conhecimento público, a área de actuação do governo onde o primeiro ministro admitiu ter errado. As reacções ao estado a que chegou esta área "importante para o sucesso económico do país" são múltiplas e sucedem-se à medida que se sucedem os ataques contra ela. Já perdi a conta às petições, abaixo assinados e outras manifestações contra o estado a que chegou a cultura produzidos durante esta legislatura.
O mais recente e veemente sinal de desagrado chega através do Manifesto - Uma Cultura para o Século XXI , de que sou subscritor. Nele se diz, sem tergiversações: "Do programa de governo publicado há quatro anos destacam-se excelentes propostas que nunca foram cumpridas; da acção do governo nesta área destaca-se o episódico anúncio de iniciativas nunca antes propostas. A decepção é geral."
Ficamos então agora a saber que este é um sector importante para o sucesso económico... Como se trata de um sector que, como o próprio primeiro ministro reconhece, está carente, assaltam-me diversas dúvidas. Então e os "sucessos económicos" que têm sido anunciados, foram afinal fruto de quê? Foram alcançados sem o "importante contributo" da cultura, contrariando assim as palavras do PM em Guimarães? Ou afinal a ausência de uma contributo da cultura teve mesmo consequências no desempenho da economia que não está tão fresca como se apregoa?
Ficámos a saber também que o governo vai investir um pouco mais de 100 milhões de euros em Guimarães, para a realização do evento Capital Euopeia da Cultura 2012. Dá assim seguimento a este estilo espasmódico (neste caso, chamemos-lhe antes TGV) que tem caracterizado, em larga medida, a actuação dos governos da nação na área da cultura.
Periodicamente, lá surge um destes espasmos e aí vão uns milhões para uma evento cultural, daqueles de carácter bem mundano, que tem retorno mediático assegurado.
O estado de auto comprazimento era portanto grande ontem, durante a apresentação oficial da Capital Europeia da Cultura 2012 em Guimarães. E a cultura teve direito a um efémero momento com os holofotes acesos sobre ela.
Ficámos também ontem a saber que o governo francês vai gastar uma verba idêntica --cerca de 100 milhões de euros-- na mediaticamente discreta e bem menos imediatista operação de recuperação de cerca de 50 palácios e 75 catedrais. O governo conservador francês entende que a recuperação do património é um importante estímulo para a economia. O governo de um país rico como é a França, não hesita em aplicar neste programa uma verba semelhante àquela que o governo português se prepara para derrreter num projecto efémero, que a fazer fé no exemplo de iniciativas semelhantes anteriores, nem por milagre conseguiria assegurar a Guimarães esse estatuto de "capital da cultura permanente" que o actual ministro da cultura preconiza e que a cidade e o País merecem...
Ah como é diferente a cultura em Portugal...!

2009/07/14

Cidadania (5)

José Magalhães, o Pina Manique do reino socrático, insurgia-se ontem no blogue do MAI contra a manchete do DN - "Entrega de cadernos eleitorais a empresa privada é ilegal" - acusando este matutino de ter uma "visão albanesa que já não se lia em Portugal desde os comícios da velha UDP" (!?), pois o jornal devia saber que existe uma relação contratual entre o governo e a Critical Software que garante total segurança para os ficheiros eleitorais. Porque tais afirmações, para mais vindo de um ex-PCP, pouco significam, fui hoje verificar se o sistema estava operacional. Não estava. Apesar das reclamações periódicas, junto do MAI, da Junta de Freguesia e através de mails e telefonemas diversos nos últimos três meses, o meu endereço de recenseamento não tinha sido alterado. Agora, já está alterado: depois de eu ameaçar o funcionário que iria fazer uma queixa escrita (mais uma) pela morosidade e ineficiência dos serviços de recenseamento que deviam registar automaticamente a morada indicada no Cartão de Cidadão. É por estas e por outras que estão 15 milhões de portugueses recenseados numa população de 10 milhões, que existe um recenseado com 136 anos e pessoas que votaram duas vezes nas últimas eleições europeias! O Intendente do reino que se cuide, ou ainda é alvo de um saneamento, ao bom estilo estalinista do PCP...