2020/06/16

Treze semanas noutra cidade: da Memória Histórica às Medidas do Pós-Confinamento


Com o progressivo levantamento das restrições impostas pelo Coronavírus, o território espanhol regressa lenta, mas seguramente, à situação existente antes de 16 de Março, data em que foi declarado o "estado de alarme" nacional.
Entre as muitas actividades, entretanto retomadas, destaque para os trabalhos de exumação de valas comuns das vítimas do fascismo, levadas a cabo em diversas regiões de Espanha, por iniciativa da Associação de Memória Histórica e Vítimas do Franquismo (AMHVF), com o apoio do governo central e das autoridades regionais respectivas. Um longo e penoso trajecto, iniciado no ano 2000, aquando da primeira exumação em territórios de Léon y Castilla. O posterior reconhecimento da Associação, pelo governo de Zapatero (2007), contribuiu para a sua implementação em todo o território e tem sido decisivo na recuperação e identificação de centenas de cadáveres, desde então exumados e entregues aos familiares que, finalmente, podem despedir-se dos seus entes queridos. Um trabalho meritório e ciclópico, que demorará anos, já que o número total de vítimas enterradas, está calculado em 115.000. A Espanha é o segundo país do Mundo, depois do Cambodja de Pol-Pot, com maior número de vítimas em valas comuns.
Pesem os percalços de percurso, durante os governos de Aznar e Rajoy, que sempre se opuseram a reabrir este "dossier" e reconhecer os crimes do Franquismo, os trabalhos da Associação de Memória, com mais ou menos dificuldade, nunca pararam e estão mais activos que nunca. Prova disso, foi a recente Assembleia Andaluza das Associações de Memória Histórica das Vítimas do Franquismo (que engloba 33 associações regionais), realizada no dia 14 de Junho (dia da memória histórica andaluza) no cemitério de S. Fernando (Sevilha), onde decorrem os trabalhos de exumação da vala de Pico Reja, que contém cerca de 1.500 corpos. No cemitério de S. Fernando, existem ainda outras valas, onde estarão enterradas mais de 4.500 pessoas, fuziladas pelas tropas franquistas entre 1936 e 1955. 
A cerimónia, onde participaram largas dezenas de familiares e activistas, teve o apoio de individualidades políticas, orgãos de imprensa local e seria retransmitida pela TVE. Foi ainda lido o Manifesto da Associação e houve tempo para intervenções de familares das vítimas que relataram episódios relacionados com o período dos massacres. Um exemplo de cidadania exemplar, marcado por uma Memória Histórica que urge preservar, em tempo de negação dos crimes do fascismo.


Com 70% do território na fase 3, a Espanha prepara-se para desconfinar completamente a 21 de Junho, data anunciada pelo governo para retomar todas as actividades suspensas. Algumas regiões, inclusive, como as Baleares e a Galiza, passaram já à fase 4 e podem receber turistas de todos os países Schengen, a partir de 15 deste mês. Todos, à excepção de Portugal que, aparentemente, receia o "contágio espanhol" e teme uma invasão de turistas do país vizinho (!?). Para além do insólito da medida (os espanhóis dizem que foi uma decisão unilateral de Portugal) não se percebe porque é que o governo português receia abrir fronteiras terrestres com Espanha e permite voos de Londres para Lisboa, para trazer mais turistas britânicos para o Algarve...A única coisa acertada entre os governos ibéricos, parece ser agora um almoço (há sempre um almoço antes, durante ou depois de um negócio com portugueses) na fronteira de Badajoz-Caia, marcado para o dia 1 de Julho, quando forem abertas as (últimas) fronteiras de Schengen. Se isto, não é excesso de zelo, só pode ser cretinice.   
Já os alemães, não estão com meias-medidas e inauguraram ontem uma "ponte aérea" que ligará os principais aeroportos da Alemanha, às Baleares e a Ibiza, onde muitos possuem segundas habitações. Só esta semana, são esperados mais de 9.000 alemães nas ilhas espanholas, cujos aeroportos foram adaptados com censores digitais para medir a temperatura dos turistas. Quem acusar positivo não entra no país. O "método chinês" começa a conquistar o Mundo...

Porque o turismo, este Verão, poderá ter quebras da ordem dos 50%, os países que mais dele dependem (caso de Espanha, de Itália, França, Croácia, Grécia e Portugal), começam a tomar medidas estruturais para evitar a crise económica e social que se anuncia para o período pós-confinamento. Em Espanha, onde a industria turística corresponde a 12% do PIB e o Banco Central projecta uma quebra de 15% do PIB para este ano, o governo prepara-se para pôr "toda a carne no assador" e anuncia reformas estruturais de vulto para combater a crise. O executivo debate um plano de estímulos e reformas, preparado pela ministra Calviño (presumível sucessora de Centeno no Eurogrupo), que prevê investimentos da ordem dos 150.000 milhões para combater a crise ao longo dos próximos dois anos. Trata-se, para já, de um "borrão" do documento final a ser enviado para Bruxelas, onde Espanha pretende aceder ao grande "fundo europeu de reconstrução" de 750.000 milhões, aprovado na generalidade e que será objecto de discussão na próxima sexta-feira.
Angela Merkel, que assumirá a presidência semestral da UE no próximo dia 1 de Julho, confia em fechar este acordo, sobre o Fundo Europeu de Recuperação, no primeiro mês de mandato. A urgência desta decisão, corresponde ao convencimento generalizado, tanto em Bruxelas como em Berlim e Frankfurt, de que a eficácia da resposta europeia à crise, não depende só da envergadura do fundo, mas também da sua rapidez operacional. O possível acordo do Conselho Europeu requer o visto do Parlamento Europeu, onde igualmente impera uma sensação de urgência. Os dois maiores grupos da Cãmara (PPE e PS) apoiam a proposta de Von der Leyen, mas mantêm divergências sobre as condições de distribuição dos 500.000 milhões em subsídios e dos 250.000 em empréstimos. Manfred Weber, líder do PPE, assinala que o "condicionalismo de ajuda, é a palavra-chave para o seu partido. Deve ser claro que o dinheiro é investido no futuro do país"; enquanto Iratxe García, presidente do PS, considera  que "o único condicionalismo aplicável ao Fundo, é destinar o investimento a políticas do futuro, como a sustentabilidade, a digitalização e o reforço industrial". Aguardam-se decisões.