2010/12/30

With a little help from my friends

O candidato Cavaco Silva espalhou-se ao comprido no caso BPN. É um caso que causa um evidente estrago na sua imagem, por mais poeira que queira deitar-nos para os olhos. Tudo isto é agravado pelo facto de ele ainda não ter percebido que, mesmo que não existissem  reparos formais a fazer sobre os investimentos levados a cabo (há quem já tenha manifestado fundada opinião contrária), o candidato não se vai livrar nunca da carga política que estas suas ligações carregam.
É a questão política que interessa e é nesse domínio, do manifesto potencial político explosivo desta questão, que o candidato se tem espalhado.
Demonstrando a sua proverbial inabilidade políticia, deu mesmo uma ajudinha ao PS ao levar o governo minoritário a reagir já hoje, com veemência e com toda a legitimidade, à sua declaração relativa à actual administração do BPN. Nada mau hein?!

2010/12/29

As rãs

Uma rã é colocada num vaso de água fria. Naturalmente não tem reacção, está no seu meio. A água é então aquecida de modo suficientemente lento até ferver. Não se apercebendo do aumento da temperatura —demasiadamente lento para que seja detectada a elevação da temperatura— a rã não reage e morre cozida.
Os resultados desta conhecida experiência, produzida e reproduzida no século XIX, têm sido utilizados como metáfora para descrever a dificuldade que os humanos têm em reagir a certos fenómenos de evolução muito lenta, de cujos efeitos só se apercebem quando já é tarde.
Mais do que a experiência original e o pretenso desfecho fatal, interessam-me as experiências que apontam para a falsidade das conclusões a que chegaram os experimentadores do século XIX.
Em Portugal a metáfora da rã aplica-se na forma insidiosa como o estado da economia nos tem sido descrito. Lentamente temos sido levados a pensar que as coisas estão mal. E lentamente temos sido levados a pensar que somos nós os culpados. A situação descambou e agora somos levados a acreditar que estamos cozidos. mas, quem levantou o lume?
A manobra está clara nas justificações que são dadas para introduzir medidas brutais e pretensamente cegas e está clara em algumas das medidas tomadas. Lentamente tem-nos sido transmitida a ideia que os portugueses gastam demais. Dão-se gritos de alerta porque cada português deve 500 euros. Lentamente o caldo de cultura destas "verdades" vai aquecendo e as rãs portuguesas parecem mostrar sinais de que não se apercebem disso. Mas, repare-se como dos diversos escândalos financeiros, dos diversos casos de corrupção, do abuso legal que algumas das medidas impostas prenunciam, nada resulta. E como estes escândalos são cobertos. Repare-se como em clima de restrições pesadas, de aumento brutal dos preços, de dificuldades dos bancos em aceder ao mercado interbancário, de níveis inimagináveis de crédito malparado, vemos diversas campanhas de empresas financeiras ligadas à banca, na televisão e pelo telefone, que oferecem crédito... ao consumo!!
As perguntas impõem-se então: há ou não há crise? Quem a provocou? Quem a deve pagar?
Dizia eu atrás que cientistas contemporâneos concluíram, após reproduzirem as experiências originais do século XIX, que é falso que as rãs não reajam ao aquecimento da água. Ai não que não saltam cá para fora assim que ela atinge um determinado limite de temperatura! A menos que a fuga lhes seja barrada... Os experimentadores do século XIX estavam enganados, conduziram mal as suas experiências ou extraíram delas conclusões erradas.
Pois é esta a verdadeira metáfora. Em vez de pensarmos que os portugueses vão docilmente deixar-se cozer, devíamos talvez acreditar que vão reagir. Para surpresa de muitos, estou certo.
Bom ano novo!

2010/12/23

Assimetrias

No mesmo dia em que o governo, magnânimo, anuncia um "aumento" de 10 euros (!?) no ordenado mínimo nacional, que passará a 485 euros em Janeiro, ficámos a saber que os gestores portugueses ganham, em média, 14 vezes mais. Ou seja, 6.800 euros.
Nada que não se saiba, mas é sempre "reconfortante" ouvir os discursos dos responsáveis da nação quando pedem sacrifícios e, ao mesmo tempo, se preparam para meter mais 500 milhões de euros no "buraco" do BPN.
Ora, como sabemos, o dinheiro não "estica". Para dar para uns, não pode dar para todos, não é verdade?
É Natal, nada parece mal...

2010/12/22

O homem sem qualidades

Se dúvidas houvesse, a prestação de Cavaco Silva no debate televisivo de ontem, frente a um candidato do PCP sem qualquer "histórico" nestas andanças, mostrou a verdadeira estrutura do actual presidente. Um homem sem discurso, atabalhoado e frágil, nitidamente incomodado com as acusações relativas à fraude do BPN ou a submissão portuguesa face aos ataques dos "mercados" internacionais. Não fora a pronta e cirúrgica intervenção da moderadora a "salvá-lo" das questões mais incómodas e Cavaco teria passado por um debacle televisivo, naquela que foi atá agora a sua pior prestação nos debates em curso. Nada que nos espante, num personagem sem verbo e sem Mundo, que se refugia num discurso economês supostamente superior, mas incapaz de prever a crise com a qual nos debatemos há, pelo menos, cinco anos (tantos quantos leva de magistratura). Uma desgraça, este presidente-candidato, no qual não imagino alguém poder querer votar. O pior é que as alternativas são más de mais para acreditar nelas e, perante tal panorama, não são de esperar resultados muito diferentes das últimas eleições presidenciais. Uma escolha impossível.

Já nem vale a pena manter as aparências

As expressões "mercados" ou "agências de rating" não passavam até há pouco tempo de conceitos distantes e abstractos para a maior parte dos leigos. Seriam referidas como se terá pronunciado, imagino eu, a palavra Papa durante séculos. O Papa, lá de longe, decretava, excomungava, decidia sobre a veracidade da mentira e a aldrabice da verdade e a malta, respeitosamente, flectia o joelho e acatava, com temor reverencial, os seus ditames.
Infelizmente para o novo papado, a informação não circula com a lentidão de outrora e os símbolos deste novo poder estão muito mais sujeitos ao escrutínio imediato dos povos. Hoje só quem insiste em viver nas estrelas ignorará a verdadeira natureza deste novo pontificado.
O filme "Inside Job", referido pelo Rui Mota aqui, traça um retrato implacável dos "mercados". As agências de "rating" não passam, quanto a mim, de novos piratas. Os pontífices desta nova religião, diz quem sabe, deixariam os dissolutos Bórgias e Medicis corados de vergonha... ou roídos de inveja. Os processos, a crueldade e a discricionariedade destes novos pontífices fariam empalidecer Gregório IX.
E, contudo, as nações dobram-se hoje perante os papas desta nova religião e inquietam-se perante a possibilidade de serem excomungados por desrespeito a S. Mercado e S. Rating, os jovens santos, recentemente canonizados, mentores desta nova igreja. Teme-se a bula, tenta-se comprar as indulgências a juro favorável.
A submissão a este novo papado ilegítimo e imoral surpreende. Surpreende, por exemplo, a forma desavergonhada como um representante do Ministério das Finanças de Portugal, representante de um governo legitimado pelo veredicto do povo, declara, de forma submissa e reactiva, respondendo directamente a uma ameaça de um agente privado de um poder ilegítimo: "Reitera-se que tudo se fará no sentido de contrariar os riscos que estão na base do anúncio da análise por parte da agência Moody’s e isso reflectir-se-á, confiamos, na decisão resultante dessa análise durante o primeiro trimestre de 2011."
"Tudo se fará"... Prostrados "confiamos..." É, portanto, uma questão de fé. Pornocracia II.

2010/12/19

Os pobres que se cuidem...

Agora que os debates televisivos vão adiantados, começa a ser claro qual o alvo principal dos candidatos nestes tempos de penúria. Na época do ano onde, por tradição, a caridadezinha volta sempre com amor, os políticos presidenciáveis já encontraram o votante potencial perfeito: aqueles que - por desespero - mais crêem no Messias. Os pobres que se cuidem, pois a caça ao voto não olhará a meios...

2010/12/16

O holocausto

"Aumentar a competitividade da economia portuguesa" significa para o governo, para os patrões e para a UGT, sacrificar e tornar ainda mais precária a vida dos trabalhadores. Os gordos vão continuar gordos e sorridentes, o resto do pessoal que ande aos caixotes ou permaneça na rua, despedido, à frente das empresas,  encerradas à má fila e com impunidade, na esperança que tenha sobrado um vago sentimento de justiça na sociedade portuguesa. Poder despedir desta forma era certamente uma "deficiência" da legislação laboral actual que urgia corrigir...
A falta de vergonha é tanta que as medidas são adiantadas por uma criatura chamada António Saraiva que é presidente não sei de que agremiação privada, antes de serem formalmente anunciadas pelo governo. Ninguém o responsabiliza por esta óbvia quebra de protocolo. Tudo parece normal. Triunfante, Saraiva vai continuar a sorrir alvar, gordo e reluzente como um porco.
O que, no entanto, me causa maior angústia é o facto de não perceber o que querem fazer os portugueses perante todo este calvário. As imagens de trabalhadores à porta das empresas encerradas, da miséria crescente, do desespero dos desempregados passam nos ecrãs. Passam sem que se pareça esboçar sequer uma reacção. Cresce o número de gente que procura nos caixotes do lixo a sobrevivência, dizem-nos e vamos nós vendo por aí. Mas, a sociedade portuguesa arfa, coitada, de cansaço.
Um clássico da banda desenhada "Maus" de Art Spigelman conta a história dos judeus durante o holocausto, através de personagens animais. Uma espécie de mega-fábula, à La Fontaine, tingida de sangue e dor. Os judeus são ratos. Relembro uma conversa entre um rato-judeu, sobrevivente do holocausto, e um outro, seu filho, determinado em recuperar as recordações do calvário do pai. Este descreve ao rato-filho o modo como os judeus eram queimados perante a vista de todos. "A gordura que ia correndo dos corpos queimados, eles (os alemães) recuperavam-na e voltavam a deitá-la por cima desses corpos para que queimassem melhor."
"Isto ultrapassa-me", confessa o filho, "porque é que os judeus não tentaram pelo menos esboçar uma resistência". Responde o pai: "Não era tão fácil como possas imaginar. Estavam todos tão esfomeados, tinham tanto medo e estavam tão cansados. Até mesmo o que se desenrolava perante os seus próprios olhos, nem nisso eles acreditavam."

A grande cabala

Trata-se obviamente de uma grande "confusão" entre voos da CIA e voos de repatriamento de prisioneiros, como "explicou" hoje Luís Amado. Ninguém acredita que o governo português tenha dado autorização FORMAL para os voos da CIA através das Lajes. A autorização, a ser dada, só pode ter sido INFORMAL. Esta é a chave para interpretar as declarações "formais" de Luís Amado, que não podem ser refutadas, ainda que os telegramas disponibilizados pela Wikileaks provem que o governo português esteve disponível para autorizar os voos. Fecha-se assim mais um capítulo obscuro da política portuguesa, pródiga em explicações cabalísticas que tudo explicam e nada esclarecem.

2010/12/15

A mãe de todas as fraudes

Inicia-se hoje o julgamento do caso BPN.
Convém lembrar alguns números: para evitar uma crise sistémica na banca portuguesa, o estado injectou (até agora) no BPN, a módica quantia de 4.600 milhões de euros. O banco foi, entretanto, nacionalizado e posto à venda pelo valor de licitação de 180 milhões. Para além desta verba, os eventuais interessados (até agora não apareceu nenhum) terão de investir 200 milhões extra para resolver problemas urgentes de tesouraria. Só em dívidas aos clientes são 400 milhões. Acresce que a CGD já comprou 2.000 milhões da dívida. Sim, leu bem. Trata-se da maior fraude da história da banca em Portugal. Esta é uma das razões da nossa dívida pública, que não pára de aumentar e explica os aumentos de impostos do OE para 2011. Esta dívida, que não foi contraída pelos contribuintes, vai ter de ser paga e alguém terá de o fazer. Imagine quem...

2010/12/14

Wikileaks, como, onde, porquê

Veja como é feito, quem o faz e porquê. Juian Assange explica. Leia a petição para libertar Assange aqui.

Serviço público

O Público iniciou no dia 22 de Novembro a publicação do trabalho em filme de Michel Giacometti. "Povo que Canta" é o título da série de 12 volumes (livros, cd e dvd), contendo os 37 episódios da série emitida entre 1970-1974 pela RTP e dois outros volumes com material extra. Esta edição foi coordenada pelo antropólogo Paulo Lima.
Ninguém que se interesse por música neste país pode prescindir desta série. Este "Povo que Canta" é um trabalho que não vai certamente deixar ninguém indiferente. Já suscita, e suscitará certamente ainda mais no futuro, muitas interrogações sobre uma vasta gama de questões.
Um verdadeiro serviço público este que o jornal Público faz. Veja mais informação sobre o "Povo que Canta" aqui.

2010/12/13

Morente

O Mundo Flamenco está hoje mais pobre. Morreu Enrique Morente, "cantaor" maior da arte "jonda".
Para quem, como nós, teve o privilégio de vê-lo cantar - a última vez há menos de três meses, durante o recente Festival de Flamenco de Lisboa - o desaparecimento do "maestro", representa o fim de um ciclo de ouro, que conheceu nomes como Camarón de la Isla e Antonio Gadges. A arte "jonda", antiga de séculos, sobreviverá a esta perda, da mesma maneira que sobreviveu à morte de nomes que fizeram a história do Flamenco. Outros se seguirão, certamente, mas nenhum como Morente.
Resta-nos os discos. Vinte e dois no total, numa carreira que teve início em 1967 e que se prolongou até 2008, ano da sua última gravação. Para os amantes da "arte", os títulos "Homenaje a D. Antonio Chacon" (guitarra Pepe Habichuela), "Morente - Sabicas " (guitarra Sabicas), "Omega" com Lagartija Nick (dedicado a Lorca e Leonard Cohen) e "El pequeño reloj" (este com a participação da sua filha Estrella Morente), são indispensáveis. A ouvir com atenção. Arte Flamenca em estado puro. Um clássico.

Quem tem medo da Wikileaks?

Era inevitável. Mais cedo ou mais tarde, as revelações da Wikileaks teriam de "chegar" a Portugal. Foi hoje e faz manchete nos principais orgãos de informação. Nada que nos deva surpreender. Todos os países e governantes têm "telhados de vidro" e o sigilo das chancelarias é, na maior parte das vezes, um eufemismo para a hipocrisia diplomática. Curiosos não são os adjectivos usados pelos serviços da embaixada que descrevem Sócrates como "carismático", Cavaco como "vingativo", ou Alegre como "dinossáurio de esquerda". Curiosas, mesmo, são as notícias que revelam a dupla faceta do presidente do BCP (Carlos Santos Ferreira) e do papel do banco português no conflito Irão-EUA, ou (mas isso já suspeitávamos) as dúbias afirmações de José Sócrates, a propósito da passagem de prisioneiros da CIA pela base das Lajes.
Não faltarão as habituais reacções - de apoio e condenação - às últimas revelações da agência de Julian Assange. Desta vez não são os EUA os visados, ainda que, indirectamente, a política americana esteja, mais uma vez, implicada.
Trata-se de algo mais grave: a ingerência de um banco português na política de um país estrangeiro; e as mentiras do primeiro-ministro no famigerado caso de voos para Guantánamo.
São estas notícias verdadeiras? Tudo indica que sim. Trata-se de textos, extraídos de e-mails, enviados da embaixada americana em Lisboa. Porque haveria de ser mentira?
São estas revelações de interesse público? Certamente que sim.
Devem ser tais textos publicados? Se os textos são verdadeiros e foram validados por jornais de referência (neste caso, o "El Pais") é porque são de interesse jornalístico.
A liberdade de informação é um direito adquirido das democracias avançadas e constitui um pilar essencial - quiçá o mais importante - da liberdade de opinião. Pesem algumas críticas que possam ser feitas aos conteúdos e ao "timing" das revelações, entretanto vindas a lume, é sempre preferível saber de mais do que saber de menos. Aos cidadãos, em geral, de extrair as suas conclusões e agirem em consequência. Contra a difamação e os infractores existem sempre os tribunais. Estas devem ser as regras do jogo.
É preferível uma sociedade onde possam existir "wikileaks" do que uma sociedade que os proíba. Esta é a minha convicção mais profunda e bater-me-ei por ela. E você?

2010/12/11

Aplauso para César!

A iniciativa de Carlos César pareceu-me desde o início um iceberg com uma pequena ponta apenas visível, que ameaçava causar inevitáveis estragos em diversas frentes. As opiniões começaram por apontar para os estragos que causaria no próprio César, homem politicamente ambicioso, Carlos César iria ser a primeira vítima da sua iniciativa. O coro de críticas (onde sobressai um PR entalado) apontava o demérito, o carácter demagógico e populista ou o aparente desrespeito pelos princípios da República.
Olhando para o cacos que se começavam lentamente a juntar e para a reacção extremamente nervosa de gente que considero, inequivocamente, inimiga do povo português, pensei para com os meus botões que haveria certamente algo mais a dizer sobre tudo isto. Algo mais do que as primeiras impressões que se vão  ouvindo.
Hoje o Público traz uma análise de São José Almeida, sob o título "A alternativa de César", que aconselho todos vivamente a ler e que, na minha opinião, resume esta ideia de que a iniciativa de Carlos César é virtuosa, ao contrário da crítica feita por uns de forma quiçá apressada, ou, por outros, à esquerda e à direita, já conscientes do estrago que ela causou e das consequências sérias que vai ter no futuro político do País.
"Afinal, há alternativa e Carlos César provou-o. O presidente do Governo Regional dos Açores mostrou como é possível encontrar soluções para a crise económica que não passam exclusivamente pelo sacrifício das pessoas e do seu nível de vida. Como é possível encontrar saídas sem que isso ponha em causa os pressupostos políticos e ideológicos que devem mover a esquerda. Como é possível fazer um Orçamento mais parco sem pôr em causa princípios ético-políticos que devem mover os partidos socialistas, nomeadamente o princípio de que primeiro está o bem-estar das pessoas e o respeito pela dignidade humana."
Não posso estar mais de acordo com o que São José Almeida escreveu. Acrescentaria talvez apenas três  pequenas notas.
Em primeiro lugar, para sublinhar a ideia de que se o OE2011 é mau, não pelas razões apontadas pela generalidade dos seus críticos, mas porque revela ter sido feito em cima do joelho, para acudir a problemas conjunturais. Havia e há alternativas possíveis à leviandade. "Trata-se de uma questão de opções e prioridades," como sublinhou Carlos César a propósito da iniciativa açoreana. Está provado! 
Em segundo lugar, o PSD que apoiou este OE por dever patriótico e que colhe por isso dividendos políticos, na prática, mais não fez do que dar luz verde a um instrumento leviano e mal feito. Ao deixar passar o OE o PSD revelou que, nas mesmas condições, faria exactamente as mesmas opções levianas, que este governo fez. O PSD (para quem imagina que poderia ser alternativa política a este PS) aprendeu na mesma cartilha e dele não se poderia esperar uma política diferente. Tem de pagar a factura política! 
Como nota de rodapé, vai um aplauso para a reacção de Carlos César à crítica de Alberto João Jardim. É digno de registo ouvi-lo dizer, com todas as letras, que o presidente do Governo Regional da Madeira "não tem vergonha nenhuma!" É que não tem mesmo, mas ninguém lhe diz. Talvez Jardim venha a ter de meter a viola no saco mais cedo do que pensa...

2010/12/08

Estado (a)Social

Só cadáveres eram quatro. Descobertos num "lar" da terceira idade, onde a mensalidade podia chegar aos 700 euros. Uma ninharia, para uma senhoria que, mais do que o alvará, prezava o "amor" com que tratava as suas utentes. O facto de terem morrido quatro pessoas ao mesmo tempo deve-se, certamente, a uma coincidência e às avançadas idades das falecidas. Todos nós temos de "partir" um dia, declarou a afável senhora à comunicação social.
De acordo com o mais alto "responsável" (gosto desta designação) da Segurança Social, o "lar" já estava identificado pelos serviços há três meses por não cumprir as exigências impostas por lei. Na altura foi pedido à dona do "lar" para encerrá-lo. De livre vontade. De livre vontade? Devem estar a gozar connosco.
Quando oiço falar esta gente "responsável" fico sempre mais descansado. O que seria se eles fossem irresponsáveis?...

2010/12/07

A mulher de César

Júlio César proferiu a célebre frase "à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta." A diplomacia (e não só!) tem vivido sempre à sombra deste princípio. É a área da actividade humana onde os vestígios da barbárie mais se manifestam e é uma área onde a democracia nunca entrou. Com mais ou menos punhos de renda, em ambientes mais ou menos perfumados, mais à direita ou mais à esquerda, a diplomacia é um antro de cínicos, amorais. E são todos assim, como lembrava alguém ontem, muito candidamente, num programa da CNN sobre o tema do Wikileaks: do Vaticano à China, dos EUA à Venezuela.
Muitos dos que criticam a revelação dos "telegramas" americanos referem, como que a querer encerrar o argumento, que a única "vítima" destas revelações é a diplomacia norte-americana. Não foram revelados segredos dos Chineses ou dos Norte-Coreanos. Se assim fosse ainda vá lá...
É divertidíssimo ouvir estes defensores da institucionalização do cinismo e da mentira como ferramenta política. Até um surpreendentemente reaccionário e míope Miguel Sousa Tavares enveredou por esta via, ao criticar um artigo certeiro do Rui Tavares de ontem no Público sobre esta matéria.
Ora, a verdade é que o que está em causa neste caso não é, sobretudo, a bondade dos meios usados pelas diplomacias dos vários países, mas sim a sua utilização por quem prega moral a toda a hora e se arma em campeão da defesa da virtude mundial. Os EUA são as principais vítimas de todas estas revelações (veremos se assim é...)? Pois é bem feita, porque deveriam ser um exemplo. E, ao contrário do que disse o tirano Romano, à mulher de César não deve bastar parecer ser honesta. É preciso ser mesmo honesta! É este o problema. À "comunidade internacional" também não basta parecer honesta, é necessário que seja honesta. Só isso torna a "comunidade internacional" uma entidade legítima.
O que as revelações do Wikileaks parecem vir demonstrar —independentemente da própria bondade dos seus intentos...— é que os EUA parecem honestos, mas não são. Não estão sozinhos, claro, mas como querem muito parecer o que não são, ficaram com a careca também muito mais à mostra. O grito que se ouve nestas revelações é pela transparência e pela honestidade num sector que tresanda a opacidade e trafulhice. Não seria o facto de revelar telegramas da Coreia do Norte ou do Irão que tornaria as revelações da Wikileaks mais ou menos legítima. Estes países não são exemplos de virtude.
A conclusão é simples: a democracia, a transparência e a ética têm de chegar à diplomacia e às relações entre estados. Tem de chegar ao fim o tempo da diplomacia feita de sociedades secretas, em autogestão e em formato tablóide.

Preocupados a valer

Aparentemente, os bancos e as autoridades ficaram preocupados com a sugestão feita pelo ex-futebolista Eric Cantona. Muitos a discutem, mas poucos falam das razões que levaram Cantona a fazer este apelo. Diz ele, já agora lembremo-lo aqui também: "Creio que não nos podemos sentir verdadeiramente felizes ao ver tanta miséria que nos rodeia."
Em vez das óbvias fragilidades da sugestão do Cantona, sublinhadas por uns, e dos anátemas sobre ele lançados por outros, era, sei lá, giro que se discutisse a pergunta substantiva que o ex-jogador fez e o levou a pronunciar-se sobre esta questão. Sei lá, é uma sugestão...
Podemos, de facto, ser verdadeiramente felizes com tanta miséria à nossa volta? Responda quem souber.
Os bancos estão preocupados? É pouco para quem faz de preocupar os outros o seu negócio. Falta ainda ficarem, eles, verdadeiramente preocupados.

2010/12/04

Do caciquismo em todo o seu esplendor

A César o que é de "César", deve ter pensado o presidente da região autónoma dos Açores que, num gesto filantrópico, resolveu isentar os funcionários públicos açoreanos da redução de vencimento a que todos os funcionários públicos deste país estão sujeitos. Já tinhamos o Jardim madeirense, a Felgueiras da vila homónima, o Ferreira do Marco, o Isaltino de Oeiras, só nos faltava mesmo um "César"...mas, esta gente não tem vergonha? E não há ninguém no governo que ponha ordem nesta bagunça em que o país se tornou?

2010/12/03

Da coerência do veto

Depois de ter vetado uma proposta para taxar os dividendos dos accionistas da PT no ano fiscal corrente, a bancada do PS prepara-se para vetar a proposta de aumento do salário mínimo para 500 euros. Não se pode dizer que esta bancada não seja coerente em vetar, tudo e o seu contrário...

2010/12/02

As presidenciais

Uma ideia que tem sido subtilmente repetida sobre a Presidência da República é a de que se trata de uma instituição com poderes precisos: um presidente não governa, promulga diplomas, corta umas fitas e tem uma vaga capacidade de intervenção. Em suma, serve para pouco. Podemos chamar-lhe a "teoria da rainha de Inglaterra".
Esta teoria tem um número que me parece crescente de seguidores e dá um jeitão aos proponentes da candidatura de Cavaco Silva. O candidato é fraquíssimo e ao apequenar as funções deste orgão de soberania, as capacidades do actual PR parecem, de repente, adequadas, isto é, se é para isto, o dr. Cavaco Silva, chega perfeitamente. Para fazer "nada" Cavaco Silva serve. Na verdade, como ele é "doutor" tem até qualificações de sobra... Podemos chama-lhe a "teoria do p'ra quem é..."
Há quem diga até que para cumprir estas funções, o PR poderia passar a ser eleito por colégio eleitoral e assim se poupavam uns milhares largos de euros em dispendiosos processos eleitorais. 
Desvalorizar o papel do Presidente da República é uma estratégia para tirar importância à importantíssima eleição que aí vem e fazer assim batota política. A desvergonha é tanta que os proponentes da tese da desvalorização não hesitam em queimar o actual PR nesta estratégia (levando o argumento até ao fim, pode-se dizer que o PR não vale nada e portanto Cavaco Silva está bem para a função...).
Por parte de Cavaco, a ambiçãozinha palonça de ser "presidente" fá-lo esquecer que, desta forma, vai sair de todo este processo com o pouco prestígio de que desfruta feito num molho de bróculos. 
Que os sectores mais retrógrados da sociedade portuguesa, partidários da teoria do "p'ra quem é", finjam  contentamento com tudo isto parece normal.
E, contudo, o medo das presidenciais é tanto que já ouvi apelos abertos à abstenção por parte dos defensores de Cavaco, mas pelos vistos fui só eu...
Que os sectores mais progressistas e esclarecidos embarquem, pareçam ignorar esta manobra e cheguem às mesmas conclusões que os reaccionários quanto ao interesse desta eleição, que não encontrem uma qualquer forma de convergência e se preparem para entregar de bandeja o cargo de PR a Cavaco Silva, já é coisa que me deixa profundamente incrédulo e triste. 

2010/12/01

Mais depressa se apanha um acariciado...

"Mais depressa se apanha um acariciado que um coxo", disse hoje à comunicação social a eurodeputada Ana Gomes, a propósito das revelações da Wikileaks que confirmam a utilização da base das Lajes por aviões com prisioneiros para Guantánamo. O "acariciado" em questão é o actual ministro dos negócios estrangeiros Luís Amado, que, durante a Comissão de Inquérito sobre os referidos voos, jurou a pés juntos que se demitiria caso se provassse que Portugal tinha autorizado a passagem de aviões da CIA com prisioneiros. Nessa altura, estávamos em 2006, a embaixada americana aconselhava o governo americano a "acariciar" o ministro, pois este estava sobre pressão da oposição e era necessário convencê-lo a dar autorização aos voos em questão. A história tem destas coisas...

2010/11/30

Cisma

 Independentemente de toda a retórica e teorias dos pitonizos e pitonizas da economia e da política cá do burgo, a realidade é esta: a emigração aumentou para níveis de há décadas, que julgávamos inatingíveis em democracia, voltámos à "sopa do Sidónio" com um vigor que julgávamos impossível de acontecer em democracia, o desemprego está a um nível que imaginaríamos impossível de atingir em democracia e os empregados, com empregos mais ou menos confortáveis, contribuintes do sistema de segurança social de há décadas, fazem hoje contas de cabeça para antecipar o mais rapidamente possível as suas reformas, como forma de minorar a irreversível perda da massa que andaram a descontar.
Esta é a realidade em toda a sua singeleza e crueza. Isto é o Portugal de hoje, o Portugal pós-25 de Abril, o Portugal da democracia. Como se não bastasse, sentimos de todos os lados a ameaça de que as coisas vão ainda piorar mais. A nossa paciência é para os donos do mundo um dado adquirido.
A isto chegámos por via da acção de gente que tem toda nome e cara (já se têm vergonha na dita é outra história) que continua a apresentar-se perante os portugueses como salvadora da Pátria. Sem eles, segundo nos querem fazer crer, seria o dilúvio.
Há quem insista em os considerar heróis, há quem os defenda acaloradamente contra toda a evidência, há quem lhes tenha dado o voto no passado e quem se prepare para lhes dar o voto no futuro.
Contra esta corrente, eu acho que aquela gente devia ser toda responsabilizada, que devia pagar pelo que fez. E acho que é tempo de profunda ruptura com o status quo e de um radicalmente novo desígnio. O que estamos a viver não presta.
Mais cedo ou mais tarde o cisma que se desenha vai ter de se materializar em actos. Se a democracia não conseguir dar resposta a isto, paciência... Não podemos é sustentar este estado de coisas mais tempo.

2010/11/29

Talvez o Wikileaks queira denunciar...

Se o Wikileaks quisesse publicar qualquer coisa sobre estas manobras de "diplomacia económica" que a Comissão Europeia anda a levar a cabo, estou certo que iria encontrar grande soma de material interessantíssimo.
Imagino o que se discute nos dias e os telegramas que correm nas chancelarias e gabinetes por essa Europa fora, a propósito do OE português... Imagino a quem isso causaria um "embaraço diplomático"...

2010/11/27

Inside Job


Encontra-se em exibição, nas salas de Lisboa, um dos mais extraordinários documentários desta década. Na senda dos filmes-denúncia popularizados por Michael Moore, cujo "Capitalism, a love story" era já um prenúncio do que aí vinha, "Inside Job" (A Verdadeira Crise) de Charles Ferguson, arrisca a tornar-se o verdadeiro "clássico" da crise financeira actual.
Ao longo de hora e meia, Ferguson (académico de Berkeley, Harvard, MIT e conselheiro da Casa Branca) escalpeliza as causas e consequências desta crise, passando em revista os momentos mais importantes, sem deixar de interrogar os principais actores e confrontando-os com as suas práticas fraudulentas. Tudo ilustrado com exemplos e graficos claros, ainda que aqui e ali com algum excesso de informação nem sempre fácil de acompanhar. Uma verdadeira lição em "economia fraudulenta", que deixou milhões de pessoas na falência, levou países à bancarrota (a Islândia é o exemplo maior) e provocou um "crash" em Wall Street, como não se assistia desde a grande depressão de 1929.
Se a surpresa é grande, quando confrontados com os dados inequívocos apresentados por Ferguson, mais surpreendidos ficamos ao verificar que a maior parte daqueles que estiveram na origem desta crise, sairam com elevadas indemnizações e, alguns deles, foram inclusive reconduzidos em cargos políticos de responsabilidade financeira.
Se alguma dúvida existisse em relação à promiscuidade existente entre a alta finança e a política, este filme desvanece-a definitivamente. Isso em si é uma boa notícia. A má notícia é que os actuais dirigentes - Obama incluido - não parecem querer ou ter força para contrariar esta tendência. E isto só nos pode preocupar.
A ver, absolutamente.

2010/11/25

O pendor para a direita

O dr. Ferraz da Costa veio tentar apequenar os resultados da Greve Geral, e mais-não-sei-quê de alterar a lei da greve, acrescentando que os sindicatos não sabem a verdadeira situação em que o país se encontra. Uma metralhadora a atirar em todas as direcções. (Ouça tudo aqui.)
Ó dr. Ferraz da Costa, se calhar não é sua intenção, mas esta conversa é um triste insulto à inteligência dos seus ouvintes, que são muitos, fervorosos e devotados, creia...
Então os sindicatos não sabem o estado em que o país se encontra?! Permita-me discordar. Sabem e sabem melhor do que ninguém, antes de mais nada porque os sindicatos são de trabalhadores e os trabalhadores sentem na pele —e são os primeiros a sentir— o "estado em que o país se encontra". Ao contrário de outros sectores da sociedade portuguesa a quem não falta calor para aquecer neste inverno, roupinha pinoca e comidinha no prato para manter a barriguinha aconchegada.
Por outro lado, diga-me lá: os sindicatos não sabem como o país está, mas depreende-se então das suas palavras que o senhor sabe. Se sabe, porque não o revela? E se não o revela porque razão o não faz? Será uma razão política? E se o senhor tem direito a não o fazer, por uma razão política, os sindicatos não terão o mesmo direito, ou pretende para si regime de excepção...?

2010/11/24

Generalidades

O Secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, diz que esta greve não é geral. Não se preocupe, senhor Secretário de Estado. Depende do conceito que o senhor tenha da palavra "geral". O governo também devia, em geral, governar e não governa. 
A perspectiva depende sempre do ponto de fuga...

2010/11/23

Mobilizar

GREVE GERAL!
24 de Novembro, 2010

A lição da Irlanda

Agora que a Irlanda, pressionada pela Alemanha e pelo BCE, acabou por pedir a intervenção do FMI (100 mil milhões de euros para acudir ao sistema bancário irlandês) caiu mais um mito do modelo económico neo-liberal, tão elogiado pelos governantes portugueses que viam no "tigre celta" a referência europeia para a nossa economia. Pelos vistos, não chegaram as medidas draconianas impostas ao povo irlandês, a quem foram pedidos os maiores sacrifícios há menos de um ano com a promessa que, daqui a uns tempos, a situação iria melhorar. Da mesma forma que os sacrifícios pedidos ao povo grego não saciaram os interesses dos especuladores e banqueiros internacionais (eufemisticamente designados por "mercados") e que conduziu à mesma receita aplicada na Irlanda, ou seja, a entrada do FMI na Grécia.
Mal era conhecida a decisão irlandesa, já as "nervosas" bolsas notavam em baixa os índices bolsistas espanhóis, sinal que alguns analistas interpretaram como um possível ataque a Espanha por parte dos especuladores.
Resta Portugal, o quarto "PIG", que há muito faz parte do elo fraco do sistema Euro e que, por essa razão, é manchete diária nos principais orgãos de referência económica internacional, como o "Financial Times", o "The Economist" ou o holandês "De Volkskrant". Bem podem os governantes portugueses, como Sócrates e Cavaco, repetirem à exaustão que os nossos bancos são saudáveis e que não temos uma crise sistémica semelhante à Irlandesa. A pressão é enorme e Merkel, secundada por Sarkozy, não esconde o seu desejo: uma Europa "a duas velocidades", onde os países economicamente mais fracos devem abandonar o Euro se tal for necessário.
Acontece que, a verificar-se tal medida, o próprio Euro será posto em causa. Tentar resolver um problema económico, sem medidas políticas adequadas, é mais um passo para o abismo a que esta política desastrada conduziu. Ou seja, sem coragem política que limite o desregulamento financeiro actual, não há projecto europeu que resista e, para isso, é preciso voltar a pôr a política a comandar a economia, questão que os governos da União Europeia não querem resolver. É nestas alturas que são necessários estadistas, coisa que, obviamente, não se verifica na Europa a vinte sete, hoje dirigida por meros executantes da grande finança especulativa. Não extrair as devidas lições no tempo certo, conduzir-nos-á, inevitavelmente, a uma crise ainda maior, cujas consequências são para já imprevisíveis. A Irlanda devia, por isso, constituir o aviso necessário. Mas, pode já ser tarde.

2010/11/21

A hermenêutica e as frases históricas

A ministra da cultura diz que não há outra solução senão aceitar os cortes de 23% previstos para a cultura. Vai ficar na história esta ministra.
É conhecida aquela expressão "quando ouço a palavra cultura saco logo da pistola", que terá sido proferida por Hanns Johst (um escritor expressionista nazi) e depois aproveitada por Göring.
Vejam lá quem, ao fim destes anos todos, acabou mesmo por dar o tiro...! Que o sorriso vos não engane.

2010/11/20

Há mais vida para além da NATO

Preparada com meses de antecedência, a Cimeira da NATO encerra em Lisboa um ciclo iniciado em 1949. Criada em plena "Guerra Fria", com o objectivo de defender os interesses aliados, a NATO funcionou sempre como elemento dissuador do poderio militar soviético organizado em redor do Pacto de Varsóvia. Com a implosão do Bloco de Leste, e consequente derrota do modelo socialista russo, a organização levou tempo a posicionar-se num Mundo que deixara de ser bipolar para tornar-se multipolar. Durante mais de uma década os militaristas americanos pensaram que eram donos do Mundo. O "11 de Setembro" e as guerras longínquas que se seguiram - Afeganistão e Iraque - obrigaram a organização que, supostamente, fora criada para defender os países do eixo Norte Atlântico, a deslocar-se para regiões que não controlava. Os resultados estão longe de satisfazer os estrategas do Pentágono e os tradicionais aliados europeus têm cada vez mais dificuldade em acompanhar as aventuras expansionistas americanas, vítimas da sua própria ignorância. Há muito que o inimigo principal deixou de ser a Russia e os inimigos actuais não estão organizados em pactos militares apoiados em exércitos tradicionais. Como constatam os politólogos de sofá, o inimigo é hoje "transversal" (está em todos os continentes e em nossa casa) e não pode ser apenas combatido com bombardeamentos massivos ou divisões militares blindadas. Os fiascos do Iraque e do Afeganistão, comprovaram uma lição que a História já nos tinha ensinado. Mais cedo, ou mais tarde, um exército tradicional estrangeiro, por mais bem preparado que esteja, perde sempre contra uma guerrilha nacionalista bem organizada. Foi assim na Coreia, na Indochina, na Argélia, no Vietnam, nas colónias portuguesas de África ou, mais recentemente, no Iraque e, tudo indica, no Afeganistão.
Perante a evidência dos factos, restava à NATO acabar ou mudar. À falta de melhor alternativa (os EUA não abdicam do apoio dos aliados e a Europa não dispõe de exército próprio) restava a mudança. É esta nova era que agora se inicia em Lisboa. Resta saber se a "guerra psicológica" e conquista da opinião das populações afegãs, que a NATO se propõe fazer, dará alguns frutos. Com o histórico conhecido (nove anos de lutas infrutíferas e o apoio a líderes corruptos como Karzai) não é de esperar mudanças significativas naquela região.
Uma coisa é certa: Lisboa voltará, amanhã, a ser uma cidade mais livre e sem a paranóia securitária que caracterizou este fim-de-semana. Os seus cidadãos poderão concentrar-se nos verdadeiros problemas que afligem a sociedade portuguesa; esses, sim, preocupantes para o nosso futuro imediato. Porque há mais vida depois da cimeira...

2010/11/19

Dúvidas, receios, mercados e tentativas de fuga

Lembrar-se-á quem anda atento a estas coisas que o acordo PS-PSD sobre o OGE ficou preso pelos tais 500 milhões de euros, que depois o governo acabou por desencantar, não se sabe bem por que artes.
Para se ter uma noção da dimensão real do problema que trouxe o país suspenso e convocou as pitonizas e os pitonizos deste país, que vimos em grande afã opinativo, vale apena recordar um curioso comentário que o coordenador da CGTP, Carvalho da Silva, fez num programa emitido pela TSF aqui há dois dias.
O país vem assistindo, com enorme incredulidade, aos esforços de última hora por parte dos accionistas dos grandes grupos económicos para antecipar a distribuição dos dividendos relativos à primeira metade do ano. Uma  verdadeira, declaradamente pública e escandalosa tentativa de fuga ao fisco. Ora, Carvalho da Silva afirma que tinha apurado que, só da parte de dois desses grandes grupos, esta tentativa de fuga ao fisco representaria um desfalque nas finanças públicas de mais 300 milhões de euros, ou seja, mais de 60% da quantia que "dividiu", de forma tão assanhada, PS-PSD...
Quando se fala nas dúvidas dos "mercados" sobre a capacidade de Portugal implementar as medidas do OGE 2011, há uma dúvida que a mim me assalta. O que é que os "mercados" querem dizer? Que "receio" é este? O de que o governo não consiga suster estas tentativas de fuga, ou o de que o governo se terá de pôr a pau porque os "mercados" não perdoarão se os candidatos à fuga não se conseguirem mesmo baldar?

2010/11/14

Estamos Salvos!

O presidente José Ramos-Horta anunciou, durante a cimeira de Macau, que Timor-Leste está interessado em comprar títulos da dívida pública portuguesa. E esta, hein?

2010/11/10

Os agiotas

Portugal pôs hoje à venda mais títulos da dívida pública portuguesa. Teixeira dos Santos, o ministro a prazo, declarou não ter havido qualquer dificuldade em encontrar compradores e que tinha vendido por um bom preço (!?). O preço é indicado por Portugal, mas a taxa dos juros é fixada pelos investidores internacionais. Obviamente que os agiotas estão interessados em comprar. Quando o juro é alto, quem não quer comprar a dívida de um país falido? Imaginem o lucro gerado com juros a sete por cento?...
Os governantes portugueses devem pensar que somos todos parvos.

"Nós estamos no pensamento mágico"

João Cravinho, lá de longe, faz uma crítica arrasadora ao actual momento do país. Vale a pena ouvir a entrevista que deu à TSF (a parte mais interessante foi incluída no noticiário que pode ouvir aqui; terá de ter a paciência de deixar passar as notícias sobre a emissão de dívida pública e, sobretudo, as vulgaridades habituais dos "analistas".)
Cravinho chama a atenção para a questão central que Portugal enfrenta: não há uma única medida (uma única!) para fomentar o crescimento. E também não há culpados. Vogamos à bolina portanto, ou, como diz o ex-ministro e deputado deportado, "estamos no pensamento mágico". E sem timoneiro, o que é uma coisa verdadeiramente extraordinária.
Querem soluções? Ask the 8 ball...

2010/11/09

7%

Com a taxa de juros a sete por cento, Portugal atingiu hoje um número simbólico - que o próprio ministro das finanças considerou ser a barreira psicológica - após o qual o FMI poderia ser chamado a intervir no nosso país.
Não sabemos se é isso que vai acontecer, mas sabemos que a economia portuguesa continua a não crescer acima dos 0,8%, que o desemprego se mantém em 10,6% (a quinta maior percentagem europeia) que a dívida pública continua a crescer e que 4% do PIB são para pagar juros (qualquer coisa como 4 mil milhões de euros ao ano). De acordo com a análise do "Financial Times" de ontem, somos já o país mais pobre da Europa.
Ou seja, não se prevêem melhores dias a curto prazo e, a médio-prazo, como diria um famoso economista, estaremos todos mortos...
E agora, Teixeira dos Santos? Qual vai ser a próxima mentira?

Os "mercados"

Quando ouvir dizer a palavra "mercados" outra vez, lembre-se deste artigo, que reproduzo do NYT com a devida vénia.
Pense nas dificuldades que sente, nos cortes dos pequenos salários e pensões, pense nas notícias que se ouvem sem cessar, pense nos PECs, nos PIIGS, pense na austeridade, na "austera" Merkel, no "apreeensivo" Barroso, pense, sobretudo, na cara do Presidente da República, na cara do Primeiro Ministro, na cara do Ministro das Finanças, na figura do Catroga de telemóvel na mão e do seu staff sorrindo a compasso por trás dele, pense nos deputados do PS e nos da oposição na AR Portuguesa, na cara e no discurso dos dirigentes  dos diferentes partidos. Pense nos comentadores e "politólogos" que a toda a hora invadem o nosso espaço com os seus malabarismos verbais e pense na conversa com que nos enchem os ouvidos a toda a hora.
Pare um momento e pense em tudo isto. Clique depois na imagem e leia o artigo...
Garanto-lhe: é um exercício que vai mudar a sua vida!

2010/11/07

Notícias de outra cidade (2)

Doze dias em Amsterdão, sendo pouco tempo, permitem perceber algumas alterações de humor neste povo tradicionalmente cordial e afável. A cidade, que durante décadas ostentou o título de uma das capitais mais tolerantes da Europa, está a tornar-se da "cor" da estação do ano. O Outono é, por definição, mais cinzento.
Logo à chegada ao aeroporto, enquanto compro o bilhete de comboio que há-de transportar-me ao centro da cidade, a funcionária - já depois de ter-me atendido - repreende grosseiramente uma mulher muçulmana de meia-idade (que ousou perguntar-lhe uma informação, enquanto eu recolhia o troco do pagamento) obrigando-a a ir para trás de mim e esperar pela sua vez. É verdade que, formalmente, a funcionária tinha razão, mas duvido que usasse aquele tom de voz com um holandês.
Porque o sistema de controlo nos eléctricos é agora feito através de um cartão electrónico (chip-kaart) quem não o tiver terá de comprar um bilhete válido por uma hora. Nem todos os estrangeiros falam holandês, mesmo aqueles que vivem há anos nesta sociedade. Os muçulmanos (normalmente marroquinos) que não se fazem entender à primeira, correm sérios riscos de serem despachados com frases de duplo sentido, ditas entre sorrisos de escárnio e aparente amabilidade.
No dia da meu regresso a Lisboa tento, sem êxito, fazer o "check-in" numa das máquinas do aeroporto. O computador não reconhece o número da minha reserva e pede-me outra identificação. Introduzo o passaporte e recebo uma reserva com outro nome, ainda que com o mesmo apelido. Em desespero de causa dirijo-me a uma funcionária que tenta perceber o erro enquanto me pede o passaporte. Porque tenho cinco nomes não consegue atinar com o apelido. Explico-lhe que a reserva está feita em nome do primeiro e último nome. Ela tenta desesperadamente todos os apelidos e desiste, tentando enviar-me para outro balcão. Recuso e peço-lhe para tentar Rui Mota. Acede, contrafeita e, quando descobre o óbvio, vira-se para mim com ar de enfado e exclama: "com tantos nomes, não é para admirar que não encontre a sua marcação!". Refreio os meus impulsos para lhe responder à letra, pois não quero perder o avião e ainda tenho de tirar o cinto e os sapatos quando passar o controlo electrónico...
Os holandeses andam nervosos e a recente chegada ao poder de uma coligação de direita, apoiada pelo partido do xenófobo Geert Wilders, contribui para o aparecimento dos "little men" de que falava Willem Reich nos idos anos quarenta...

Não estou a falar sozinho

Vinha no carro a falar sozinho. Falava alto. É coisa que me acontece amiúde (falar sozinho!), e, em  especial quando estou a guiar, falo alto.
De repente, "dou um prego" na gramática. Uma troca na ordem correcta dos pronomes, fruto do ruído constante proveniente deste português abrasileirado que enche o ar nos tempos que correm. Emendei-me a mim próprio (sempre em voz alta...), escandalizado com o meu próprio "prego".
Depois, comentei discretamente para mim mesmo (desta feita já não em voz alta...), que estava satisfeito. Norma é norma e, mesmo a falar sozinhos, temos de ser exigentes. A infalibilidade não existe, mas a sua procura permanente, mesmo quando se trata apenas de colocar na ordem um pronome que tentou meter-se na bicha à má fila, é uma dessas exigências elementares.
Não sou certamente a única pessoa no mundo sozinha e não sou, seguramente, o único a falar sozinho. Há por aí muita gente, hoje em dia, só e a falar sozinha. Conheço muitos. E não serei, certamente também, o único a impôr-se a si próprio padrões exigentes de vida e de obediência a valores, gramaticais e outros. Conheço também muitos.
Podemos e devemos questionar todos os valores e estar atentos, sobretudo, àqueles que afinal o não são. Mas, uma vez discutidos e firmados, a eles temos de nos submeter, humildemente e em nome da coerência. Em nome da ordem correcta do pronome ou de qualquer outra norma, temos de obedecer à regra livremente estabelecida. É a regra do jogo.
Como não serei certamente o único a pensar assim, sou de opinião que nos devíamos juntar para fazer passar esta mensagem. Inevitavelmente, ao lutar pela regra dos valores, ao discuti-los, ao questioná-los primeiro, e, finalmente, ao aceitar o seu primado, vamos obter de imediato um mapa simples que desenha com clareza a fronteira entre os que, de um lado, querem fazer isto e os que, do outro, o não querem. Podemos depois mais facilmente discutir o que fazer com estes e vamos também conseguir distinguir, com maior precisão, de que "valores" falam quando, eles próprios, falam de valores.
O debate político em Portugal está a este nível. É mais ou menos básico e rasteiro, mas é o que se pode arranjar.
Não estou a falar sozinho, pois não?

2010/11/03

Inevitabilidades

O "debate político" em Portugal resume-se hoje a isto: as medidas a tomar são inevitáveis, não se pode discutir as causas da crise ou soluções porque as medidas são inevitáveis e o que nos espera é, assim, inevitavelmente, ter de aguentar as consequências da inevitabilidade das medidas.
E ninguém tem culpa! Não se pode discutir a culpa, não se pode sequer apresentar alternativas, porque as medidas são inevitáveis e ninguém pode apontar o dedo ou apresentar uma saída deste ciclo vicioso, que resulta de ter de gramar as consequências inevitáveis da tomada de medidas inevitáveis, porque as medidas  são... inevitáveis!
É o arrefecimento global, é "a verdade conveniente"!
Quem toma as medidas inevitáveis está defendido pelo seu carácter inevitável e fica livre de mais encargos, e quem as ousar contestar está a esquecer que elas têm um carácter inevitável e portanto não sabe do que está a falar...
É este o espetáculo que se desenrola perante os nossos olhos espantados, enquanto pegamos na caneta para assinar mais um cheque que ajude a pagar todo este desvario.
Mas, no meio de tudo o que se está a passar, passa-se, e passa-nos ao lado, uma outra coisa, que por parecer uma inevitabilidade, é rapidamente metida nos arrumos da nossa mente sem grande crítica.
É que no meio de tudo isto vamos ter uma eleição presidencial em breve. O candidato Cavaco Silva  (admiravelmente retratado por José Vitor Malheiros ontem no Público num artigo intitulado "A austera, apagada e vil tristeza da retórica") lembrou-se de repente que a "classe política" dá um triste espetáculo ao país. É verdade. É aliás uma daquelas verdades que, por ser tão, tão verdade de La Palice, leva inevitavelmente a que toda a gente concorde com ela. Esqueceu-se Sua Excelência (mas convém lembrar-lhe!) que ele faz parte indissolúvel dessa classe política que critica e que faz parte dela há muitos, muitos anos. Está inevitavelmente ligado a tudo isto, e de que forma!!, primeiro como ministro das finanças, a seguir como primeiro ministro e agora como presidente da república. São muitos anos, é muita ligação ao poder, é muito exercício de poder, é muita ligação à vida política deste país para agora vir tirar, com este descaramento todo, o cavalinho da chuva!
Cavaco Silva é inevitavelmente parte do problema que agora suscita. Com responsabilidades acrescidas porque o seu papel foi determinante durante 10 anos (tinha a faca e o decreto na mão!) e agora, como presidente da república tinha e tem a obrigação de ter um outro tipo de actuação.
Pois é a esta criatura, mesquinha e sem dimensão, que os portugueses se preparam para estender a passadeira que o levará de novo até Belém. Sem debate, sem avaliação profunda do que foram os seus mandatos como político e do que está em jogo agora, sem discussão, sem luta, pelo que se consegue perceber até agora. Se ele ficar na presidência, os inevitáveis do costume manter-se-ão também. Se ele não quisesse os inevitáveis do costume há muito que os teria mandado à vida. Não vai mudar no futuro.
Com todos estes protagonistas seria inevitável que os portugueses se continuassem a afundar ainda mais. Enquanto houver cheques em branco e canetas para os assinar não se podem, porém, esperar grandes mudanças. Mas, como os cheques estão a acabar e as canetas a ficar sem tinta, se calhar é inevitável que a mostarda chegue ao nariz de alguns.

2010/11/01

Notícias de outra cidade

O "Podium Mozaiek" é um centro intercultural situado em pleno coração do distrito de Bos en Lommer, um dos bairros mais problemáticos de Amsterdão. Nesta zona vive a maior comunidade muçulmana da cidade, com predominância de turcos e marroquinos, as nacionalidades mais numerosas. Construido originalmente para funcionar como mesquita, o centro cultural manteve a arquitectura árabe exterior (um grande cubo encimado por um minarete) e foi totalmente remodelado por dentro. Nele coexistem serviços sociais, galeria de exposições, biblioteca, cybercafé, um bar e um restaurante, abertos ao público em geral. Dispõe ainda de um auditório com capacidade para 300 pessoas, que mantém uma programação regular de música, teatro, dança e cinema, onde actuam periodicamente nomes conhecidos da cena nacional e internacional. Foi o caso do grupo português "Deolinda", que aqui actuou no passado sábado no âmbito de uma digressão holandesa. Sala cheia, de um público curioso, maioritariamente constituido por holandeses e portugueses, para além de alguns curiosos de outras nacionalidades e estudantes portugueses do programa "Erasmus".
Um excelente concerto, onde o grupo passou em revista o seu último album "Dois selos e um carimbo" e ainda teve tempo para três "encores", a pedido de uma sala rendida à arte de Ana Bacalhau, uma fonte inesgotável de energia. Música simples e cativante, com textos irónicos traduzidos em doses reduzidas, a mostrar que os dois anos de "estrada" deram consistência e profissionalismo a um projecto que é já um caso sério de popularidade internacional. No final, a festa e a celebração da interculturalidade, sempre possível quando a música é o elo de ligação. Num bairro conhecido como um dos mais conflituosos da cidade, devido à exclusão social dos seus habitantes e aos conflitos religiosos empolados pelo discurso populista da direita xenófoba, o concerto dos "Deolinda" teve o condão de amenizar as tensões existentes numa sociedade que continua a procurar pontes de entendimento entre culturas diferentes. Se a música puder ajudar, tanto melhor...

2010/10/30

Leite achocolatado para os olhos

Totalmente patético este acordo, verdadeiramente patéticas as posições e justificações do governo e do PSD, patética a estratégia do PR, verdadeiramente confrangedor o comportamento da restante  oposição, enfim, não há ponta por onde se lhe pegue.
É importante reter, porém, do lado do governo, a ânsia de demonstrar que ainda governa e, da parte do PSD, 1) a ânsia de provar que é capaz de governar, 2) o empenho em demonstar que não tem "nada a ver com isto" ("isto" é o estado de descalabro a que a governação do país chegou) e 3) o contributo vergonhoso dado para esta monumental e descarada operação de propaganda a favor da candidatura de Cavaco Silva.
É importante sublinhar e não deixar passar em claro que, face a uma situação classificada como tão, tão calamitosa, nenhum dos protagonistas de toda esta charada se eximiu afinal de prosseguir friamente a sua estratégia própria de curto prazo. O povo português que se lixe! O povo português que pague os dislates destes miseráveis que nos têm governado à vez e que passe o cheque para pagar a estratégia que os seus coveiros manhosamente montaram! Os tachos estão todos salvaguardados, o povo portugês paga. É nisto que consiste o "entendimento" agora atingido.
O que é que mudou verdadeiramente com o "acordo" entre o PS e o PSD, senão terem acordado que fica tudo rigorosamente na mesma?

2010/10/27

Uma proposta singela...

...Para acabar de vez com a "crise": passar isto à hora dos telejornais, em sua substituição. Passar nos 3 canais e em simultâneo.
Ouçam, já agora, até ao fim. Talvez a "crise" passe também a ter, para todos vós, um outro significado...



Alerta

As notícias sobre os resultados positivos que a sua "magistratura de influência produziu" podem muito bem ser exageradas...

2010/10/26

O semáforo

O semáforo é uma criação extraordinariamente simples e eficaz. Raramente paramos para pensar na sua utilidade. Nem quando estamos ali com a luz vermelha mesmo à frente do nosso nariz nos interrogamos, por um momento, sobre o que seria se o semáforo não estivesse a funcionar. Não paramos para pensar o que seria se não existisse semáforo ou se, em vez daquela sequência estável, precisa e categórica de alternância de luzes, tivessemos uma coisa errática, sem lógica e totalmente imprevisível ou absurda. Para mim, governar é algo que se assemelha à acção do semáforo. Depois de ser instalado, ligado à corrente e colocado a funcionar, o semáforo assegura que todos têm hipótese de exercer o seu direito a circular, em condições de perfeita igualdade e com um mínimo de perturbação. No semáforo, como na governação, quanto menos fantasia melhor...
É tão simples quanto isso. Governar é exercer Justiça e velar por uma clara igualdade de oportunidades para todos. O semáforo é justo (todos passam, de acordo com uma ordem convencionada, mas todos passam!) e proporciona igualdade de oportunidades (passa o Rolls-Royce e passa a "bicla" velha).
Em Portugal a governação é um semáforo que tem vindo a evidenciar falhas crescentes, a reclamar manutenção. Nos dias que correm avariou totalmente. Falo de governação num sentido amplo, no quadro da democracia, com o povo como actor da soberania. Reina o caos total no trânsito!
O trânsito empancou em Portugal, como seria de esperar que acontecesse, mais tarde ou mais cedo.
É possível o tráfego fluir sem semáforos. Era útil que esta comissão que "negoceia" o OE 2011 e o actual PR, putativo recandidato ao cargo, percebessem isso claramente... Ou fazem o que é suposto que façam ou não são precisos. É (mesmo) assim, simples como um semáforo.

2010/10/25

"Deixar de pagar as dívidas à banca"

A propósito da nova taxa que os bancos certamente irão ter de pagar para o ano, o presidente do BES veio-nos hoje lembrar que a banca existe para ser rentável. Num súbito ataque de amnésia esqueceu-se do estatuto fiscal de privlégio de que goza este sector particular da nossa economia e de que a "rentabilidade" da banca portuguesa assenta, em boa parte, num inexplicável e injustificado "perdão fiscal" que o generoso povo português decidiu atribuir, por delegação de competências, à banca neste país.
Vale a pena ver e ouvir o insosso presidente do BES a dizer isto ao vivo e a cores.
(O título foi tirado do texto de Paulo Varela Gomes que ontem tive a oportunidade de reproduzir no post "Declaração".)

2010/10/24

"Declaração"

O Público de ontem contém uma "Declaração" de Paulo Varela Gomes (clique na imagem para a ler)  incluida na habitual crónica de sábado "Cartas do Interior".
Por concordar totalmente com o que aí é dito, por ser sensível a este apelo bem articulado, sincero e simples, e por estar disposto a participar nas acções nele sugeridas, aqui a reproduzo com a devida vénia—como acto de total solidariedade— na esperança de que outros, que não tiveram possibilidade de o fazer, possam ler esta "Declaração" e avaliar, por si próprios, a oportunidadade e o alcance do que aí é preconizado.
Se esta reprodução não for legal, paciência; é, desde já, uma forma de começar a participar no que PVG sugere...

2010/10/22

Cosa Nostra no Bombarral

Pelos vistos, a "Máfia" chegou à West Coast da Europa. A verdadeira, porque a máfia lusitana já cá está há muito tempo.

2010/10/16

A "pen" da nossa incompetência

Depois de muitas "noites em claro", os homens do orçamento lá conseguiram esta madrugada entregar a famosa "pen" ao Presidente da Assembleia, num acto que ameaça transformar-se numa verdadeira tradição de ineficiência. Hoje, Teixeira dos Santos repetiu a dose, declarando-se aberto a todas as sugestões para "melhorar" o documento, desde que fosse respeitado o limite do "déficit" imposto pelo BCE.
Portugal tem assim duas hipóteses: ou respeita os ditames do Banco Central Europeu, aumentando os impostos, diminuindo o investimento, estagnando o crescimento e aumentando a recessão; ou, recusa os cortes a que se auto-impôs, aumenta os investimentos e mantém as prestações sociais como forma de diminuir a crescente pobreza, aumentando dessa forma os "ratings" negativos das agências e os juros da dívida à banca internacional. Ambas as soluções são más, pelo que não há, entre elas, escolha possível. Como foi possível chegar até aqui?
Porque as coisas não acontecem por acaso, convém não esquecer os principais responsáveis por esta situação que, durante anos a fio, ignoraram todos os avisos e conselhos, repetindo à exaustão a "mantra" da "economia saudável", bem acima da média dos países do espaço europeu.
Depois de dez anos de divergência económica continuada, dos piores índices em áreas tão fundamentais como a educação, a justiça, a evasão fiscal ou a corrupção, difícil seria esperar melhores resultados em termos económico-financeiros. E, no entanto, foi isso que aconteceu. Agora é tarde para prevenir, coisa que sucessivos governos sem qualquer visão estratégica nunca conseguiram fazer. Resta saber, se por dolo, ou por incompetência. Está tudo na "pen".

2010/10/14

"O actual PR é fraco"

Em entrevista ao Público, Carvalho da Silva volta hoje a abordar a questão presidencial. Vale a pena lê-la. Já há dias referi aqui o coordenador da CGTP a propósito desta questão, sobre a qual nunca é demais insistir.
Carvalho da Silva tem-se revelado neste aspecto uma das vozes mais persistentes e lúcidas que se ouvem sobre esta matéria. Um discurso a necessitar de alguma ordem mas que, sem dúvida, revela uma enorme sensibilidade para analisar o que está neste momento em jogo.
O debate presidencial não deveria ser uma questão arrumada e eu creio que as forças que lutam por um Portugal mais justo a têm negligenciado.
Antes de entregar um poder tão importante, como é o do PR, de mão beijada a Cavaco Silva, vale a pena ir muito mais fundo na avaliação do que foi este seu mandato e no que pode e deve ser o papel de um presidente no Portugal que queremos ver saído do actual atoleiro em que se encontra.

2010/10/13

Lições do Chile

Ainda nem metade dos mineiros chilenos soterrados foi resgatada e já se podem tirar algumas conclusões sobre tudo isto. Estou convicto que toda esta operação vai ter consequências profundas.
É um acidente e, como tal, uma coisa fortuita, imprevisível. É até um acidente de dimensões relativamente reduzidas quando comparado com episódios recentes como New Orleans ou o Haiti. É um acidente de dimensão reduzida quando comparado com o terramoto que ocorreu no próprio Chile!
Mas, se, por um lado, perante essas tragédias, não nos transformámos em cidadãos de qualquer destes lugares, neste caso de facto tornámo-nos "todos chilenos", como diz o RM no último post, e "somos todos mineiros" como me disse o FL. Porquê?
Fica demonstrado de forma inequívoca que a opção pelo primado da dimensão humana não tem discussão, nem escala padrão, e que o engenho, a solidariedade, a capacidade de sacrifício postos ao serviço dos outros não são "commodities", que possam ser sujeitas às oscilações do mercado de valores ou à especulação bolsista. O clima em que hoje se vive faz crer que tudo se resume aos "mercados". No Chile escreve-se neste momento o texto que demonstra justamente o contrário.
Parece-me também difícil justificar no futuro a aniquilação deliberada de seres humanos e a leviandade dos "danos colaterais" quando se vê o mundo ficar às avessas e comover-se até às lágrimas, depois de se ter sentido encurralado como e com estes 33 mineiros. No Chile apagaram-se os pretextos para as divisões artificiais. 33 ou 33 milhões, todos os encurralados querem libertar-se.
Se os meios justificassem os fins, estes 33 mineiros estariam a esta hora certamente mortos. Esta operação não peca por falta de meios e não houve estudos custo-benefício que impedissem o seu emprego. Fica claro de uma vez por todas a falsidade deste princípio e o crime que é aplicá-lo torcendo pela força a lógica das coisas. No Chile a realidade é maior que o mais "real" reality show e demonstra que quem está convicto do fim, não olha a meios.

2010/10/12

Luz ao fundo do túnel

Hoje, somos todos chilenos.

Internacionalismo interesseiro?

Aquilo que me pareceu ser uma imbecilidade de todo o tamanho, pode afinal ser uma jogada de mestre! É que ontem ouvi a reacção do PCP à entrega do prémio Nobel da Paz. Uma reacção que me pareceu, à primeira vista, tão desastrada, tão desastrada, de um primarismo tão grande que nem queria acreditar no que ouvia.
Hoje leio que Wang Yong, do banco central chinês, aconselha a compra da dívida soberana dos países em dificuldade (Portugal, Grécia, Irlanda e Itália) para evitar a valorização do yuan acima dos 3%, pretendida pelos americanos. Ah!, pensei eu, afinal sempre traz água no bico a posição do PCP...
O PCP diz que o Nobel é "inseparável das pressões económicas e políticas dos EUA à República Popular da China". My mistake... Afinal, o PCP não foi desastrado, nem o Nobel atribuído a Liu Xiaobo é a condenação de um acto arbitrário de um estado que vive, em certos aspectos, numa situação de inexplicável paragem no tempo. Afinal o Nobel da Paz é um instrumento de pressão económica. E o PCP, numa atitude patriótica e surpreendentemente europeísta, faz o rapapé aos Chineses não vão eles chatear-se, como se chatearam já com a Noruega, e desistir da hipótese de "contribuir activamente para a resolução da dívida europeia", excluindo, nomeadamente, Portugal desse pacote de apoio activo.
Os insondáveis desígnios da diplomacia e da política internacional...

O défice explicado para quem não tenha ainda percebido

Hoje chegou-nos a notícia que os tratamentos de infertilidade ministrados na Maternidade Alfredo da Costa tinham sido interrompidos. A interrupção resulta de uma circular do Ministério da Saúde que determina a limitação desses tratamentos a um durante este ano, por casal.
Até agora eram ministrados dois tratamentos anualmente. Quem estiver neste momento a aguardar por um segundo tratamento terá de esperar por 2011.
Há, porém, casos em que a interrupção foi ordenada já após o início do segundo tratamento, mesmo em pleno processo de preparação para esse tratamento, ao que consta. Uma "brutalidade", dizem alguns testemunhos que a comunicação social recolheu naquela maternidade. Uma situação que está a provocar revolta. Uma solução tecnicamente "incorrecta e incompreensível", diz uma responsável da D. G. de Saúde, ouvida pela TSF.
A MAC terá assim agido nestes casos por iniciativa própria, pelo que se percebe.
Independentemente das contradições burocráticas e do risco clínico, independentemente do facto de que estão previstos programas para o ano que ministrarão os três tratamentos desde sempre preconizados  (e não apenas os dois que eram actualmente administrados), o que tudo isto vem desvendar perante os cidadãos é o caos, o grau de demência e de insensibilidade que reinam na administração pública portuguesa. "Até hoje nem sequer um telefonema da MAC com nenhum tipo de apoio, quando sabem que isto psicologicamente afecta muito," diz uma das mulheres ouvidas pela TSF.
Em Abril de 2009, o Governo determinou o "apoio aos casais que precisassem de tratamentos de fertilidade, aumentando a comparticipação dos medicamentos necessários de 37 para 69 por cento e o encaminhamento dos casais em lista de espera no público para clínicas privadas. A medida foi uma das grandes apostas do executivo Sócrates para a saúde em 2009," como nota o Público. Agora o défice manda fechar a loja e, mais papista que o Papa, a MAC revelando a sensibilidade de um pneu e tripudiando sobre os mais elementares princípios do comportamento humano, administra sem hesitar um preceito "incorrecto", segundo da DGS, revelando um desvelo que merecerá certamente nota "Excelente" na avaliação.
Aonde chegou a cegueira, a insensatez, o desnorte, o egoismo e a falta de solidariedade das instituições públicas neste País. Se é assim com  a saúde reprodutiva, se é assim com a fragilidade da maternidade, é fácil imaginar o que se passará noutros sectores da vida portuguesa.

2010/10/07

Um Nobel ao retardador

O Nobel da literatura, hoje atribuído ao escritor peruano Vargas Llosa, premeia um dos mais destacados e prolíferos escritores da actualidade. Ainda que o seu nome não constasse há muito da lista de nomeáveis em que o "gossip" de Estocolmo é fértil, poucas vezes uma "obra" (porque é disso que se trata) recolheria tal unânimidade. É verdade que estas coisas valem o que valem e Llosa não precisava do Nobel para ser reconhecido como grande escritor que é. Mas fica sempre bem à Academia Sueca premiar os melhores na sua área. Foi o caso e deve registar-se.

Os cães ladram e a investigação continua

Há tempo escrevi aqui um comentário sobre o cinismo que os instalados no poder revelam ao abordar a questão do mérito. O mérito, para além de ser necessário tê-lo, precisa de ser reconhecido, e precisa de ser reconhecido através de actos concretos. Se assim não for, o mérito não passará nunca de uma curiosidade, de um número de variedades.
Em Portugal, o mérito é doença que suscita imediatas e violentas reacções de rejeição. Poder e falta de mérito vão aqui de mãos dadas. O exemplo vem de cima e pega como fogo em seara seca, por isso, o reconhecimento oficial do mérito, na prática, não existe.
Por mais "roteiros presidenciais" (iniciados por Mário Soares, recorde-se, que Cavaco segue à letra), por mais visitas simbólicas aos "centros de excelência", feitos por suas excelências, o círculo de giz caucasiano não se rompe. Fala-se em mérito e, na prática, ouve-se logo sacar da pistola!
Ainda há dias o professor António Damásio dizia, em entrevista na SICN —por palavras cuidadosamente escolhidas, mas dizia!— que a sua investigação não seria possível em Portugal. A ele coube reagir à falta de condições que tinha e escolher os EUA para fazer o seu trabalho. A nós todos, sobretudo os mais responsáveis, caber-nos-ia e cabe-nos perguntar, porque não? E é aqui que esta questão do mérito e do seu reconhecimento se começa a embrulhar num novelo cuja ponta precisamos de urgentemente encontrar.
Hoje o Público, num artigo de Teresa Firmino, refere que uma equipa de cientistas portugueses,  que trabalha com a equipa que ganhou o Nobel da Física pela descoberta do grafeno, viu o financiamento de um projecto seu que permitiria avançar no domínio da investigação sobre este novo material, ser recusado pela FCT. Um responsável da equipa portuguesa, o professor Nuno Peres da Universidade do Minho, diz, ainda segundo o Público, que "vamos continuar a trabalhar —sem dinheiro, com mais dificuldade—, porque a nossa motivação é compreender a natureza e daí tirar vantagens para a vida das pessoas."
Um dia destes vão todos tentar alapar no "mérito" destes investigadores, vão ver. Talvez mesmo distingui-los em breve com uma paragem do "roteiro" eleitoral e, para o ano, o presidente eleito vai conceder-lhes uma medalha de um "mérito" qualquer, num qualquer dia, de um qualquer Camões, sem corar de vergonha pelo ridículo do seu acto...
Depois continua tudo na mesma.

Uma petição oportuna

Agora que tantos economistas vão à televisão falar da actual crise e das soluções para combatê-la, seria bom ouvir outras opiniões para além dos "especialistas do sistema" que diariamente nos lavam o cérebro com as suas receitas.
Uma petição oportuna é esta aqui.
Assinem e divulguem.

2010/10/05

Atirar a toalha na questão presidencial

O antigo Presidente da República Ramalho Eanes diz que a gravidade da situação do País exige consensos entre os partidos. Ora aqui está uma frase, aparentemente inócua, que tem muito mais que se lhe diga. De repetida de forma ora automática, ora acéfala, esta ideia de que os partidos é que geram consensos acaba por ir fazendo "jurisprudência".
No meu entender, a situação do país —de há muito, não só de hoje— exige discussão e esclarecimento dos portugueses. Exige consenso, mas entre os portugueses. Que os partidos depois reflectirão, claro, mas que tem de emanar dos cidadãos. Uma das, senão mesmo a questão central da nossa democracia é este cheque em branco que os cidadãos concedem aos partidos. Que deu no que deu, como sabemos. A democracia não se esgota, como é sucessiva e inutilmente repetido por alguns, nas eleições, nem o nosso papel enquanto cidadãos acaba no momento em que conseguimos que alguém assuma o papel de nos representar politicamente. Este é um debate que urge fazer na sociedade portuguesa e que, naturalmente, não vai ser nunca promovido pelos partidos.
Há poucos dias o secretário-geral da CGTP defendeu a necessidade de aproveitar a eleição presidencial que se aproxima para um debate profundo sobre a situação do país, que inclui a perspectiva —correcta, no meu entender— da crítica do exercício do poder presidencial. Não posso concordar mais. Habituámo-nos a criticar o Governo, e em particular o Primeiro Ministro, pelos pecados da governação, mas esquecemo-nos frequentemente que o Presidente da República tem grossa percentagem de culpa no cartório e é co-responsável pelo estado a que as coisas chegaram. Não como sócio gerente, mas como silent partner. Negligenciámos avaliar o papel que esta figura tem nos acontecimentos nacionais.
O PR tem, mesmo numa interpretação light dos seus poderes constitucionais, muito mais poder de intervenção do que faz crer a interpretação oportunista que da Constituição fazem alguns parasitas da nossa vida política e, seguramente, muito mais do que aquele que o actual detentor do cargo evidencia. Por outro lado, o exercício deste cargo implica uma margem de assertividade que não tem sido de todo a tónica do mandato deste Presidente. O exercício da Presidência da República feito por Cavaco Silva faz-me lembrar um personagem do Jô Soares de há uns largos anos, conhecido pelo "não me comprometa"! E falo na versão light porque se formos para a versão com todos, o mandato deste Presidente é um fracasso total, na perspectiva do interesse nacional.
Na minha opinião, o desastre da governação do consulado Sócrates ocorre nesta matriz e nela tem também de ser enquadrado.
Ora, o que o comentário de Carvalho da Silva parece vir justamente pôr em destaque é a necessidade de não "arrumar" a questão das eleições presidenciais na secção dos "resolvidos" —aquela em que parece que a generalidade dos doutos comentadores e fazedores de opinião já encafuou a questão— e exigir mais! Partindo do princípio que as expressões "presidente de todos os portugueses" e "equidistânca dos partidos" não são vãs, é fácil concluir que há um terreno imenso onde a acção e a iniciativa do Presidente da República podem ter lugar e que estas não se esgotam no jogo de atirar pinos abaixo no bowling dos partidos. Devíamos ambicionar mais e o PR deveria ser um agente particularmente activo nesse desígnio.
Não vamos eleger o "monarca", figura decorativa, passiva e passada, como alguns desejam. Estamos noutra!
Falando de dificuldades de fazer uma comunicação decente do que está em jogo na presente situação política, teria sido mais últil que, em vez de chamar os partidos, como fez ultimamente, Cavaco Silva tivesse promovido uma discussão muito ampla e aprofundada sobre o que está verdadeiramente em causa. Há mil maneiras de o levar a cabo e não lhe faltariam decerto meios para o fazer. Falta-lhe, manifestamente, é o talento, a criatividade e a visão correcta de um verdadeiro estadista. Deve estar esgotado com as duas mil assinaturas que teve de apor nos diplomas todos que promulgou. Cãibra de escrivão, portanto.
E em resultado de tricas mesquinhas, ódios pessoais e interesses partidários inomináveis preparam-se todos para entregar de mão beijada, de novo, o cargo de Presidente da República a este homem.

2010/10/04

Uma entrevista oportuna

Saiu hoje no Público uma entrevista com Henrique Neto que pode ser lida aqui.


(Foto retirada da edição online do Púbico de autoria de Pedro Cunha)

2010/09/30

A Crise (2)

Não fora a pressão dos "mercados" e ainda hoje o governo português continuaria a anunciar as obras do regime e a apregoar a saúde da nossa economia, quando comparada a outros países em crise por essa Europa fora.
Ontem foram anunciadas medidas drásticas, mas agora é tarde. É tarde porque já deviam ter sido tomadas em 2008, quando a crise nos bateu à porta; e será sempre tarde, porque, como vimos na Grécia e na Irlanda, as medidas tomadas não melhoraram a situação. É tarde, ainda, porque o governo andou a mentir este tempo todo e agora vem com ar compungido dizer que não havia outra alternativa.
Com o agravamento das "medidas de austeridade" - desinvestimento nas obras públicas, aumento do IVA, cortes salariais na função pública, congelamento de salários, diminuição das reformas e nos diversos apoios sociais - a espiral da pobreza só terá tendência para aumentar. Sem investimento não haverá relançamento da economia e sem economia a crescer não haverá aumento de emprego, do consumo e do comércio. O desemprego tenderá a aumentar e sem apoios sociais a pobreza será ainda maior.
Hoje mesmo a "Ernst & Young" anunciou que o segundo semestre será pior para as contas públicas pelo que a recessão tenderá a agravar-se. Más notícias? Nem por isso: de acordo com Almeida Santos, a "eminência parda" do governo, os portugueses devem considerar-se felizes por terem um governo que ousa tomar medidas impopulares. Por esta é que nós não esperavámos. Infelizmente, Santos não está tão senil como algumas pessoas receiam. Antes estivesse.

2010/09/29

Responsabilidades

Aqui há já algum tempo correu nos cinemas o filme de Michael Haneke "O Laço Branco". Era um filme perturbante sobre as virtudes públicas e os pecados privados, sobre a hipocrisia, sobre a plasticidade da moral aplicada intra ou extramuros.
Hoje tenho-me lembrado bastante deste filme. Ao longo do dia fomos ouvindo altos dignitários da governação e da vida política apelar ao sentido de responsabilidade. Esta foi a palavra mais ouvida em tudo o que foi noticiário e reportagem sobre intervenções políticas a propósito do orçamento e das medidas para remediar o problema do défice das contas portuguesas. Uma palavra repetida febrilmente em todos os tons e declinações.
Estranha palavra e estranho apelo este...
Serão aqueles que espetam o dedo moralista e fazem agora, com ar grave e compungido, este apelo à responsabilidade, os mesmos que, quer do lado do governo, quer do lado da oposição, revelaram ao longo de todos estes anos de exercício do poder um comportamento totalmente irresponsável. Serão estes arautos da responsabilidade os mesmos que não hesitaram em fazer prevalecer os seus interesses mesquinhos e egoístas sobre os interesses de todos, sabendo que o desgoverno a que assistimos hoje seria a inevitável consequência dos seus actos? É para o PEC(n) que os portugueses votam nestes imbecis?
E, pergunto, serão menos irresponsáveis aqueles que os premeiam então com o seu voto?
Quem tem medo da crise política? Quem tem medo de reconhecer que os representantes do regime não estão à altura das necessidades do País e que o País sustenta e avaliza representatntes que o não servem? É mesmo para uma mudança muito profunda de regime que devemos apontar.

2010/09/24

A Crise

Agora que Cavaco Silva se preparava para anunciar a sua (re)candidatura a Belém e o que menos desejaria era falar, eis que a realidade se impôe à estratégia presidencial e o obriga a tomar posição sobre a actual crise. Falhadas que foram as conversações entre os dois maiores partidos sobre o OE, mais não resta a Cavaco do que tentar o impossível que é, neste momento, evitar a entrada do FMI em Portugal.
Com uma economia a crescer abaixo de 1%, uma dívida externa correspondente a 80% do PIB e a pagar uma taxa de juro de 6,2% (a maior, na Europa, depois da Irlanda) tudo aponta para que, dentro em breve, Portugal ultrapasse os 6,4% da Grécia, o "momento" em que o FMI "entrou" naquele país. Os resultados estão à vista e não consta que os gregos tivessem ficado melhores com a terapia de choque que lhes foi aplicada. Para já, e no que diz respeito a Portugal, com ou sem Orçamento, as previsões económicas para o próximo ano são ainda piores do que as actuais: congelamento de salários, aumento de impostos, aumento de desemprego, desempregados de longa duração sem meios de subsistência, redução de prestações sociais, redução de comparticipações em medicamentos. Estas são algumas das medidas que têm em vista reduzir o "déficit" que ultrapassa actualmente os 9%. Mas, estas medidas não vão chegar. E porquê? Porque a despesa do estado continua a crescer e, como não há dinheiro para pagá-la, teremos de pedir mais dinheiro emprestado, o que fará aumentar a dívida e os respectivos juros...
Como explicam os analistas económicos todos os dias na televisão, sem aumento da produtividade não há aumento de riqueza e, sem esta, não haverá maneira de distribuir melhor e pagar a dívida que tornar-se-á, a prazo, insustentável. Perante esta verdadeira quadratura do círculo, gostaríamos de saber o que diz o economista Cavaco, pois o Cavaco presidente já sabemos o que pensa.

2010/09/22

De Queiroz ao FMI, passando por Mourinho

O folhetim do seleccionador nacional entrou numa nova temporada. Vale a pena pensar no que foi a temporada anterior.
Creio que foi o major Valentim Loureiro que disse uma vez que o futebol não é mais que um reflexo do país. Se não foi ele foi alguém do género. Temos de admitir que o personagem tinha nisto alguma razão. Não se podem atribuir ao futebol nem todos os malefícios das suas derrotas, nem todas as virtudes dos seus sucessos. Mas, o futebol espelha de facto o País e este episódio Queiroz é disso exemplo.
Em todo este processo se vê a mesquinhez, a invejinha, o resíduo inquisitorial do poder, a leviandade com que os portugueses nele investidos tratam os seus concidadãos, o que é a justiça e o respeito pela lei das instituições que têm de velar por tudo isto. O que é e para que serve o Estado Português, em suma.
Em todo este processo se vê também a insolência do poder e como este (este ou qualquer outro poder, seja político ou institucional, como foi e é o caso da Secretaria de Estado da Juventude e Desportos ou da Federação Portuguesa de Futebol) trucida, com total leviandade, as pessoas no seu continuado e nunca verdadeiramente questionado livre arbítrio. Uma vez conquistado o "poderzinho", vale tudo. No "enterro" de Queiroz, mas também no "convite" a Mourinho se vê como não passamos todos de peões perante os poderes conjunturais que tudo e todos tentam manipular, seja qual for o nosso estatuto, seja qual for o nosso ramo de actividade.
O Estado em Portugal continua, séculos depois da revolução cidadã, a ser eu. Ou, numa versão mais colorida e, sem dúvida, mais fiel, "eu é que sou o presidente da junta!"
Em todo este processo se percebe também que perante as necessidades mais sérias deste país a resposta continua a ser D. Sebastião, chame-se Mourinho ou FMI. Em qualquer caso, no futebol como na economia, a qualificação de Portugal está em risco.
Queiroz foi engolido. Mourinho foi ingénuo e esteve quase a entrar na escala de serviço para o ser. Apenas me consola a ideia de que o FMI, se cá viesse, iria certamente sair de mãos na cabeça jurando nunca mais cá voltar. Nem de férias!

2010/09/21

Um embaixador incómodo

"Portugal manteve a sua posição relativa no mundo, e nomeadamente na Europa: continuamos no pelotão dos mais atrasados, dos mais periféricos, dos mais aflitos. Não progredimos suficientemente mais do que os outros, como precisávamos de fazer para alterar a nossa posição no conjunto dos países. E, na última década, foi mesmo o contrário que aconteceu".

Manuel Maria Carrilho em "E agora? - Por uma nova República".

Adenda: Carrilho, até ontem embaixador português na UNESCO, foi substituido no cargo após a publicação da obra citada e da última entrevista que deu ao "Expresso". Nada que nos surpreenda, num partido que sempre privilegiou a fidelidade canina em detrimento do pensamento autónomo dos seus membros. A verdade sempre incomodou os mediocres.

2010/09/17

A Europa dos Povos

A discussão em curso sobre a repatriação dos ciganos romenos e búlgaros ordenada pelo governo francês tem, pelo menos, uma virtude: mostrar a dupla moral de um país europeu que apregoa a solidariedade e inclusão de minorias como uma das suas bandeiras civilizacionais, ao mesmo tempo que emite circulares cujo texto não destoaria de escritos emitidos durante a ocupação nazi. Andou bem a comissária Viviane Reding ao denunciar tal acto como uma "desgraça", quando comparou as expulsões deste grupo étnico específico (e o texto da circular não mente) com práticas usadas durante a última grande guerra. Obviamente que os ciganos em questão não foram enviados para campos de concentração e receberam, inclusive, apoios financeiros para a viagem de regresso. Mas, o governo francês sabe que a circulação dos cidadãos europeus é livre pelo que, daqui a uns meses, estes ou outros ciganos, voltarão a França ou a outro pais da União Europeia onde decidam viver. As medidas tomadas por Sarkozy, ainda que apoiadas por uma larga percentagem de franceses, tentam escamotear um crise estrutural da sociedade, onde o desemprego, a perca de regalias sociais, o aumento da idade de reforma e o escândalo Loreal (financiamento do partido do governo) minam a autoridade do presidente. Junte-se a isto os "fait-divers" relacionados com a primeira dama, de quem a última biografia é um exemplo, e percebe-se melhor a falta de popularidade de um governo em queda abrupta. Era necessário recuperar a confiança da extrema-direita, agora que o centro-direita parece estar a fugir. Os ciganos estavam ali à mão de semear e são o grupo ideal para funcionar como "bode expiatório". A história não está a seu favor e poucas pessoas (inclusive na Roménia) parecem gostar deles...
O caso francês, sendo o mais mediático, não é sequer único. Diversos países europeus (Suécia, Itália) têm aplicado medidas selectivas de expulsão, enquanto outros preparam alterações às leis nacionais que facilitem a expulsão. A Holanda, por exemplo, que ainda há uma década atrás recebia dezenas de milhares de refugiados políticos, tornou-se um dos países mais restritivos nesta área, a ponto de ter sido alvo de críticas por parte de organismos internacionais como a Amnistia Internacional.
A ascensão ao poder da direita mais retrógada (de que políticos como Sarkozy e Berlusconi são os rostos visíveis) veio reforçar a tendência securitária e discriminatória que alastra pela Europa. Em tempo de crise económica e social a ideologia xenófoba vai fazendo o seu caminho. Denunciar medidas como as que foram tomadas pelo governo francês pode ter um efeito profilático. Nesse sentido, as palavras da comissária luxemburguesa, revelam que nem tudo está podre na Europa.