2016/12/23

L'Air du Temps


Que o Mundo era um lugar perigoso, já sabíamos há muito tempo.
Se dúvidas houvesse, esta semana estava aí para comprová-lo.
Em menos de oito dias, foram cometidos três atentados: em Ankara (contra o embaixador russo), em Zurique (contra uma mesquita local) e em Berlim (num mercado de Natal). Total: 15 mortos e mais de 50 feridos. Ainda na mesma semana, mais um morto e um ferido (Milão) e um avião desviado (Malta), este último, aparentemente, sem vítimas.
De mais longe, ainda que diariamente nos écrans televisivos, chegam-nos notícias do Iraque (Mossul), da Síria (Alepo) e do Yémen. Também nestes países, os mortos, de tantos, passaram à categoria de milhares. 12 mortos em Berlim, são um drama; 300.000 em Alepo, são uma estatística.
Ouço os "tudólogos" de serviço, nos canais generalistas e pasmo com a sua eloquência. Todos, apesar das "nuances", parecem dizer as mesmas coisas: que o Daesh está a ser derrotado (onde, em Mossul, em Alepo, na Líbia, no Mali, na Nigéria?), ainda que tenha grande parte dos territórios iraquianos e sírios, sob controle (!?). Dizem ainda os "experts", que a vaga de atentados na Europa é um sinal da fraqueza dos fundamentalistas: os terroristas (quem, o Daesh, o Al Qaeda, outros grupos?) estão "acossados" e, por isso, atacam na Europa para mostrar a sua força. Dessa forma, não só ajudariam a criar um clima de terror, como contribuiriam para a psicose do medo, o que permitiria aos governos instaurar mais medidas de segurança e, aos partidos de extrema-direita, subir nas sondagens.
No limite, a chegada ao poder de partidos xenófobos e autoritários, contribuiria para uma maior repressão por parte do estado e criaria maiores divisões entre a população local e estrangeiros.
Nesse dia, estariam reunidas as condições subjectivas e objectivas (presume-se) para alcançar o fim último - o famigerado estado islâmico - que propõem os fundamentalistas.
Como tese, não está mal pensado.
No entanto, há coisas que não se compreendem. Sabendo tudo isto, o que leva os governos das grandes potências ocidentais (EUA, França, Bélgica, Inglaterra, Alemanha, etc.), a venderem armamento a países como a Arábia Saudita, o Qatar ou o Kwait, apontados como sendo co-financiadores de movimentos como o Daesh? O mesmo Daesh que reivindica os atentados de Paris, Bruxelas, Nice e Berlim?
Outra distinção, assaz curiosa, é a denominação usada: em Mossul (cercada pelas tropas iraquianas, pelos curdos e pelos EUA) são "terroristas"; em Alepo (bombardeada pelas tropas de Assad e pela Russia) são "rebeldes". Então, não são todos do Daesh?... 
Também não se compreende que, após os atentados, as polícias venham dizer que os seus autores estavam há muito identificados como suspeitos. Alguns deles, até já tinham estado presos (!?).
Mais grave ainda, parece ser a pouca e deficiente cooperação entre as polícias de diversos estados, como aconteceu este ano entre a polícia belga e a polícia francesa. 
Difícil mesmo de perceber, é este afã dos terroristas em deixarem "esquecidos" nos veículos, que usaram para praticar os atentados, os seus documentos de identificação (!?). Terão medo que a História os esqueça?
Uma coisa parece certa. De acordo com as estatísticas, houve muito mais atentados terroristas nos anos sessenta e setenta do século passado do que agora. Na altura, o terrorismo foi atribuido a movimentos da extrema-esquerda. Actualmente, é atribuido a fundamentalistas religiosos. Não sabemos lá muito bem, se estes são de "esquerda" ou de "direita", mas isso também não interessa nada. O que é preciso é fazer negócio, que a vida são dois dias e ainda há muita gente para matar. Boas Festas.