2009/01/31

Não falo!

Sobre o caso Freeport, não esperem que eu venha deitar ainda mais achas para a fogueira da confusão que vai por aí. Não falo sobre isso!

(Porra! Já falei!)

O que se espera no caso Freeport

Volto ao caso Freeport depois do que aqui escrevi na passada segunda feira.
Existem suspeitas sobre o envolvimento do primeiro ministro em casos passados durante um período em que exerceu um outro cargo governamental. É um facto. O primeiro ministro afirma com grande convicção que não, a comunicação social insinua de forma cada vez mais veemente que sim.
Parece cada vez mais inevitável que o primeiro ministro deve apresentar a demissão e aguardar que o caso se esclareça na justiça. Não se pode aceitar que paire sobre o exercício de um cargo desta natureza a mais leve suspeita.
A suspensão do exercício do cargo decorre da natureza do próprio cargo, não tem a ver com a pessoa, como não teria caso ela ficasse, por exemplo, incapacitada por doença. O exercício de um cargo destes exige determinadas características pessoais, físicas, mentais e caracterológicas permanentemente. E a suspeita não se dissipa com declarações televisivas e jogos de retórica.
Mas ser suspeito não é ter efectivamente cometido qualquer acto ilícito.
Resta-lhe que se prove ou não que está inocente e que quem levantou estas denúnicias seja ou não condenado em consequência.
Se, por uma lado, a suspensão do exercício do cargo é um acto com enormes custos para todos, resumir tudo isto que se está a passar a uma espécie de jogo da malha tem consequências, na minha opinião, ainda mais graves. A pouca confiança que os cidadãos depositam nas instituições da República levará um abalo irrecuperável. A força das instituições vê-se no exercício das suas funções próprias, não na finta e na dissimulação.
Quem teme afinal o exercício da justiça?
Se se provar que Sócrates não cometeu acto nenhum ilícito ele pode sair reforçado politicamente de tudo isto. Se não cometeu qualquer acto ilícito os autores das insinuações devem ser duramente responsabilizados pelo mal que lhe causaram e causaram ao país. Se cometeu actos ilícitos deverá sofrer as consequências. Se cometeu acto ilícito os denunciantes devem ser saudados por terem cumprido o papel que num regime democrático se lhes exige.
De outra forma ficará sempre a pairar no ar a suspeita que afinal ninguém quer que haja reacção. De que isto foi montado e vai sair impune. Que estamos perante um mero jogo político em que as ambiguidades do sistema e a frouxidão da actuação servem às mil maravilhas, num caso e noutro, agendas escondidas. Que as diferentes instituições não querem, ou não sabem como agir. Que guardam do exercício das respectivas funções apenas a noção que mais lhes convém...
Nada disto é bom para o regime.

2009/01/30

Um errozito de paralaxe

Hoje a comunicação social deu conta das palavras do PR sobre a questão da nova lei do divórcio, num congresso da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade. Nesse seu discurso, o PR referiu um artigo que citava um dos autores da referida lei que terá confessado "que ela tinha alguns lapsos, uns ‘errozitos’ e que a culpa foi da pressa”. “A ser verdadeira esta declaração," acrescentou o PR em tom indignado, "a nossa perplexidade como se legisla em Portugal sobre matérias com esta relevância não podia ser maior".
Alguém deveria, na minha modesta opinião, explicar ao PR que este tipo de manifestações está bem para os dignitários da Igreja Católica, membros das associações de família, para os colunistas dos jornais, etc. De um PR espera-se muito mais do que o simples comentário público, em tom queixoso, baseado em citações de um jornal, sobre matérias que ele próprio classifica de relevantes. Assim, é curto...

2009/01/29

Neurónio Criativo

Querido Sobrinho,

Não acredites em nada do que dizem por aí. É tudo mentira. Já avisei o teu primo que está na China e ele confirma ter lido mal as instruções do "lego". Ora, como sabemos, o "inglês técnico" não é a sua especialidade. Desde há muito que os promotores de actividades imobiliárias são acusados de influenciarem o poder político e vice-versa. Eu cá, como não percebo nada de políticas, não posso pronunciar-me sobre tais matérias. Limito-me a intermediar e, se forem projectos PIN, tanto melhor. Quando se metem estrangeiros nos negócios, dá sempre "bronca". Pessoalmente, nunca confiei nos ingleses. Veja-se o caso da pequena "Maddie", quando quiseram culpar o Amaral por alegados murros na mãe da Joana. Tudo invenções. Razão tinha o Ferro Rodrigues. Isto é mais uma cabala contra o PS.
Segue o meu conselho: mantém-te afastado dessa gente.

Fraternalmente,

O Tio de Alcochete

A crise e o Berardo

Escrevi, há dias, um post que parece ter sido mal entendido. O tema do mesmo era uma questão que está no centro das minhas preocupações: a crise actual. Pelos comentários expressos, parece que o tema versava as virtudes e defeitos do cidadão Joe Berardo (JB), e o que é bom ou mau para ele; ou, no limite, se prestava a expor as antipatias que o sujeito suscita nos comentadores, presumindo-se, a contrario, a minha simpatia pelo cromo.
Caguei para o cromo. A não ser que, talvez a contracorrente, a mim, presentemente, interessam mais as opiniões dos actores lúcidos do sistema, que as dos seus manifestos opositores. Não confundo, pois, o mensageiro com o teor da mensagem. E aprendi com o mestre da guerra Sun Tzu que só «quem conhece o inimigo e a si próprio não terá a sua vitória posta em causa».
Quanto a mim, o JB provou, pelas declarações que prestou, estar consciente de que a crise do sistema é mais grave e mais profunda que o que alguns teimam em fazer crer.É uma crise dos fundamentos do sistema, que não se consegue resolver com os paliativos habituais, antes exigindo um tipo de medidas de carácter estrutural.
É uma crise que leva o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no discurso que fez na abertura do ano judicial a dizer: «O primeiro [princípio inalienável a adoptar pelo mundo do Direito] mostra-nos a falência dos sistemas de auto-regulação que conduzem sempre à defesa corporativa de interesses de grupo em detrimento dos interesses sociais com os efeitos distorcidos que daí advém, se é que (como diz Luís Máximo dos Santos, em artigo ainda inédito) “não estaremos antes perante uma situação, bem mais difícil, em que as próprias características do actual sistema …. comprometem a possibilidade de uma regulação viável e eficaz”».
O que me interessa aqui é esta última tirada, principalmente por vir da boca de um dos mais altos responsáveis do sistema, ainda por cima no contexto em que foi expressa. Porque é uma tirada de conteúdo “revolucionário”, isto é, põe em causa as «próprias características do actual sistema [as quais, por hipótese] comprometem a possibilidade de uma regulação viável e eficaz».
Os actores principais do sistema que nos regula dominavam, ainda há bem pouco tempo, as causas e os efeitos do dito; e tudo ia correndo sobre rodas, com os mais ricos enriquecendo ainda mais, à custa do endividamento dos pobres e dos remediados que queriam comprar casa ou carro. Subitamente encontraram-se, como o Berardo, «banzados». É ver os debates dos economistas, dos políticos, dos juristas, na televisão. E os artigos de opinião nos jornais. Estão todos à rasca; não sabem o que esperar do dia de amanhã, não sabem propor receitas para uma crise que os ultrapassa.
Tem portanto razão JB quando diz que «os políticos não estão a perceber», apesar de estarem «a dar aquele ar de que é possível recuperar». Pela própria formulação, vê-se bem que JB duvida muito disso, mas vai dizendo «que fazem bem». Remata então JB, dizendo que está mas «é preocupado com a destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande».
— Pois, lá está o hipócrita! Com que então agora é que ele descobriu a sua vocação filantrópica para com os pobrezinhos?!
Esta abordagem figadal é inimiga da razão. Porque não deixa ver que JB não manifesta aqui preocupações “sociais” senão na medida em que, para que os negócios em que ele anda metido se processem na paz dos anjos, o que menos lhe interessa é que sobrevenha uma «destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande». É por isso, para o povo estar sossegado, que ele diz que os políticos «fazem bem» ao darem «aquele ar de que é possível recuperar».
Interessa-me muito mais ouvir isto da boca de quem está com a mão na massa (nos vários sentidos da expressão), que da boca do Louçã ou do Jerónimo, ou mesmo, hoje em dia, dos economistas e da maioria dos políticos.
Entre estes últimos, exceptuo o Obama, depois direi porquê.

2009/01/26

Assim não!

O que me escandaliza neste processo todo do Freeport não é a denúncia, nem o alarido em torno de tudo isto. O caso, a ser verdadeiro, é sério e a denúncia é um dever. O que considero absolutamente inadmissível é que sejam levantadas suspeitas gravíssimas sobre uma figura maior do Estado português e a tudo isto esteja a ser dado, por todas as partes envolvidas, um tratamento tipo Jornal do Incrível.
Todos nos lembramos do que eram os títulos desse "jornal". "Mulher desposa homem com barbatanas"! "Artista mutilado faz mural de 30 m em apneia e de olhos vendados"! "Cobra com duas cabeças dá à luz touro de lide com três patas"! A gente lia aquilo e passava à frente. Os títulos desacreditavam-se a si próprios e nem piada tinham.
Ora, observando os títulos dos jornais e as reaccções dos comentadores e do próprio primeiro ministro e governo, somos levados a pensar que neste caso Freeport estamos perante um simples jogo, sem que ninguém saiba ou queira tirar daqui as devidas ilações.
Sou o primeiro a defender o direito ao bom nome e à presunção de inocência até trânsito em julgado da condenação. Mas, das duas uma: ou tudo isto não passa de uma gigantesca manobra para desacreditar uma figura que merece um respeito especial, pelo seu estatuto e pelas funções que exerce; ou tudo isto é verdade e a figura respeitável pelas funções que exerce e pelo estatuto que tem não as pode estar a exercer em nome de todos nós e com a dignidade que o cargo exige.
O que se está a passar é gravíssimo e não iliba ninguém. Os culpados, se o são de facto, devem ser rapidamente acusados e daí devem ser extraídas todas as consequências, com carácter de absoluta prioridade. O que está em causa é demasiadamente sério para que se espere um dia que seja sem que esta matéria não esteja totalmente clarificada. E os diversos acusadores têm de ser responsabilizados pela acusação de que são autores.
Outra actuação que não seja esta é pretexto para todo o tipo de especulações e propicia uma inaceitável desresponsabilização dos culpados, de um lado ou de outro.
Uma situação que se repete em Portugal mas que urge corrigir. É o regime que o reclama.
O que se está a passar é que não é de todo admissível. Esgrimem-se argumentos, reforçam-se ou destroem-se acusações, preparam-se e executam-se operações de propaganda, como se tudo isto, a ser provadamente verdadeiro ou falso, não fosse susceptível de vir a ter a mínima consequência. Como se de um jogo se tratasse.
Resumindo: se existe a suspeita fundada de que um primeiro ministro de Portugal está envolvido num caso de corrupção como o descrito no caso Freeport, o País não pode correr o risco de ter à frente dos destinos do seu governo uma pessoa assim. Tem de haver um mecanismo que garanta rapidamente o funcionamento do Estado acima de qualquer suspeita. Pelo contrário, se esta acusação é falsa e foram levantadas contra o primeiro ministro acusações falsas, que levam a uma perturbação grave da governação, os acusadores devem ser rapidamente responsabilizados pelo prejuízo que causam à Nação.
Assim, com toda a gente a embarcar no folclore, é que não vamos a lado nenhum. Afinal isto é a sério ou é mais uma à Jornal do Incrível?

2009/01/25

Berardo, o revolucionário

Interrompo um silêncio de vários meses para recomendar a leitura da entrevista que Joe Berardo deu ao suplemento Economia do Público de sexta-feira passada.
De facto, tenho visto os economistas e os políticos à rasquinha, sem saberem no que isto da crise vai dar. O Berardo, que é, ele próprio o reconhece na entrevista, um bocado desbocado, diz que está "banzado" e que "tudo aquilo que [aprendeu] até agora, que era analisar as potencialidades, os endividamentos, os dividendos, foi tudo por água abaixo e [que tem] que voltar a aprender de novo [passe a forma pleonástica]." Remata com a frase lapidar "Tem que haver um novo sistema."
Eu cá, desde que ouvi Greenspan dizer que se enganou acerca da capacidade do sistema se auto-regular (assim fazendo do "padre" João Carlos Espada praticamente o único fiel do liberalismo), só tenho a dizer que já nada me espanta. E acho paradigmáticas as afirmações de Berardo.
Estou convencido de que o que vem aí de crise é muito, mesmo muito, mais grave que o que a generalidade das pessoas julgam.
Porque (segundo Anselm Jappe, em artigo que recomendo vivamente) "desta vez, todos os comentadores estão de acordo" sobre que é realmente uma crise sistémica o que está a começar, e não uma "mera turbulência passageira dos mercados financeiros". Mas "todos aqueles que agora apelam a uma «maior regulação» dos mercados financeiros, desde a associação ATTAC ao Presidente Sarkozy, não vêem nas loucuras das bolsas mais do que um «excesso», um abcesso num corpo são".
Continuando assim a varrer a poeira para debaixo do tapete, nunca perceberão que o que realmente se está a passar é uma crise dos próprios fundamentos do sistema em que vivemos. "Os políticos não estão a perceber, estão a dar aquele ar de que é possível recuperar, eu acho que fazem bem, mas eu estou é preocupado com a destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande", Berardo dixit.
As boas notícias são que, depois de ler o discurso de tomada de posse de Obama, fiquei convencido de que ele, tal como o Berardo, também percebeu!