2008/11/25

Uma questão de espessura

Não há actos gratuitos em política. E como sabemos da história, as coisas por vezes podem não querer dizer o que parece. O comunicado do PR, esse, está cheio de significados. Pelo que diz, mas sobretudo pelo que não diz. A pressa com que Cavaco Silva saíu a "esclarecer-nos" que nada o liga ao BPN pode ser interpretada de diversas formas. Podemos entendê-la como uma tentativa de cortar um mal pela raiz, neste país de "campanhas". A reacção de uma pessoa simples e directa que se sente. Mas também poderia ser entendida --se fossemos mauzinhos...-- como uma tentativa de levar a opinião pública a esquecer que no caso BPN estamos perante gente do universo político do PR, que com ele colaborou intimamente e que se limita a seguir um padrão que floresceu de forma particularmente exuberante na sociedade portuguesa durante o seu consulado como primeiro ministro. Uma outra leitura também possível da actuação do PR, sugere que este se colocou ao nível do pior que a sociedade portuguesa pode produzir, de modo passivo e submisso. Se ele tem medo das "campanhas", que será de nós, pobres pagadores de impostos?
Em todo o caso, falta a tudo isto espessura. Os padrões da causa pública e o sentido de Estado que sentimos escorrerem de toda esta trapalhada são inaceitavelmente fininhos e quebradiços...

2008/11/23

Justa Causa

Corre na Net uma petição de apoio a Joana Varela, directora da revista "Colóquio-Letras" editada pela Gulbenkian. Varela encontra-se suspensa de funções, por alegadas críticas à política cultural da Fundação, o que lhe valeu um processo disciplinar e poderá conduzir a um eventual despedimento por "justa causa".
A "justa causa" é, em última análise, sempre "justa" na perspectiva do "justiceiro". Pensar que a nossa causa é mais justa, porque é fundamentada na razão que assiste os mais prejudicados por esta medida administrativa (mesmo quando moralmente defensável) é juridicamente difícil de defender.
Sei do que falo. Eu próprio fui suspenso de funções numa instituição para-estatal ao abrigo dessa figura de estilo chamada "justa causa" e, finalmente, exonerado depois de seis meses de "inquérito".
O "inquérito" é outra figura de estilo que tem como fim último justificar a medida previamente tomada. É da lei.
Num país arcaico e de tiques autoritários como Portugal, a tentação da punição está nos genes dos modernos inquisidores: seja o poder do estado, seja o das entidades privadas. Ousar discutir a autoridade é, ainda, pecado capital numa sociedade clientelar e subserviente como a portuguesa, onde as pessoas se habituaram a "comer e calar".
No outro lado do "spectrum", o medo e a crónica falta de meios (leia-se financeiros e/ou influência) contribuem para este lodaçal de hipocrisia. Está tudo no livro do José Gil (Portugal hoje:o medo de existir) e ignorá-lo pode trazer-nos grandes dissabores e desilusões.
Hoje foi a Joana do "Colóquio", ontem fui eu, amanhã serão outras as vítimas de uma razão sempre superior que nos corredores da perfídia e do léxico jurista determinam a causa "justa".
Não conheço (a não ser de nome) a directora do "Colóquio", revista que aprendi a ler nos idos anos setenta. Tenho por isso a maior admiração pelo seu trabalho.
Que mais posso dizer? Sim, estou solidário com a injustiça praticada. Porque é disso, certamente, que se trata. Mas, surpreendido? Não, não posso afirmar que o esteja.