2008/05/15

"Business as usual"

Andam as brigadas dos bons costumes muito atarefadas em culpar o primeiro-ministro (oposição e fundamentalistas anti-tabagistas) ou em desculpá-lo (governo e demais clientelas políticas) sobre a questão de fumar ou não fumar num voo fretado de oito horas. Como se essa fosse a questão mais importante da nação. Um jornal de referência chegou, inclusive, a dedicar-lhe a sua manchete.
Entretanto, ninguém se interrogou sobre as declarações do cacique populista venezuelano (que alguma "esquerda" insiste em bajular) e que mandou à merda a chanceler alemã, depois de lhe chamar seguidora de Hitler num discurso público. A mesma chanceler, a quem Sócrates deve a aprovação do Tratado de Lisboa de que tanto se ufana...
Que se saiba, sobre este incidente, o nosso primeiro-ministro (e amigo de Merkel) disse nada. Como nada disse sobre o regime do títere que governa Angola e a quem o governo português presta vassalagem. Tudo a bem da negociata, está bem de ver.
Que os nossos governantes sejam o que são, já não nos deve admirar. Que a imprensa e os fazedores de opinião continuem a dar mais importância a questões como fumar num avião sobre o Oceano Atlântico, dá que pensar...

2008/05/14

Voltando ao assunto...

Retomo a ideia que tentei desenvolver no texto que intitulei Recobro Ortográfico... Algumas vozes amigas contestam (infelizmente não consegui que o fizessem sob a forma de um comentário que seria bem mais útil) a ideia de que estaremos, sem nos darmos disso conta, a assistir ao nascimento de mais um crioulo com esta introdução tosca de anglicismos no nosso discurso quotidiano. O português, alertam estas vozes, é, ele próprio, um "crioulo" resultante do latim e da "globalização" moderna resultará um inevitável processo da "barbarização" do inglês, como da "globalização" romana nasceu um latim bárbaro.
Não questiono o efeito dos mecanismos que envolvem os processos de globalização, de ontem e de hoje, e não duvido dos perigos que rodeiam o português no contexto de um tal processo. O que contesto aqui é a ideia de inevitabilidade. Como se estivéssemos já condenados a uma extinção inexorável. Ora, justamente a "evitabilidade" desta extinção anunciada é que vem tornar claro a importância da língua. Falar português neste mundo global é a afirmação, não só, de uma realidade linguística única, mas também da possibilidade de nos reinventarmos como povo. Esse é o desafio, que ultrapassa qualquer projecto de cariz nacionalista bacoco. Assistir sem luta ao processo de degenerescência da Língua Portuguesa é, pois, mais do que um simples problema do domínio da linguística, a admissão clara de uma tendência suicida.
Vamos ver quem tem a última palavra...

Ted Nelson

Soube que Ted Nelson passou por Portugal. Tenho pena de não ter podido acompanhar este personagem que considero fascinate, cuja obra conheço há muito. Enquanto lamento não ter podido cruzar-me com ele, vêm-me à ideia alguns pensamentos sobre o universo em que ele está inserido. Nelson é tido por muitos como o "inventor" deste meio que nos permite estar neste momento em contacto, a World Wide Web. Não será o "inventor" no sentido literal do termo, mas foi certamente o seu grande e mais remoto mentor. O Projecto Xanadu, um antepassado inequívoco desta WWW onde hoje todos nos encontramos, data de 1960. As ideias de Nelson levaram-no à criação do conceito de hipertexto e, mais tarde, de hipermedia. Mas, o conceito do Xanadu estava muito para além daquilo em que a WWW hoje se tornou. O conceito era iminentemente político. Ele próprio escreve que em 1960 imaginou "um sistema universal de publicação electrónica, anarquista e corrente, através do qual qualquer um pudesse publicar o que quer que fosse, que qualquer um pudesse ler. (Até agora, isto parece a web.) Mas, a minha abordagem prende-se com profundidade literária, que inclui a apreciação comparada, a anotação e uma proposta de direito de autor única. Hoje chamo-lhe literatura electrónica profunda, uma vez que as pessoas confundem hipertexto com a net."
O debate continua, mas a influência de Nelson no nosso quotidiano actual parece insofismável.
Não posso deixar de associar o desenvolvimento destes conceitos aos tempos vividos na América dos anos 60. Não posso deixar de traçar paralelos entre a América dos anos 60 e o Portugal dessa época, e não posso deixar de encontrar aí factores que me parecem contribuir decisivamente para o atraso, nunca recuperado do nosso país.
Onde estavam os "Nelsons" portugueses nessa altura? Na guerra ou a fugir dela. Poderia ter havido "Nelsons" portugueses? Dificilmente, já que a luta dos "Nelsons" potenciais se situava ao nível da quase sobreviência, material, espiritual e intelectual. Enquanto na pátria, aos "Nelsons" pouco tempo lhes sobraria, depois de assegurar a sobrevivência, e nenhumas condições estariam criadas para imaginar um futuro liberto dos fantasmas da repressão, no estrangeiro, também não me parece que os "Nelsons" potenciais tenham tido tempo, disposição e condições para imaginar o nosso futuro no futuro.
O Xanadu é um projecto de liberdade. Não é possível concebê-lo no quadro de um quotidiano repressivo e inibidor. As condições brutais em que decorriam o protesto contra a repressão e a luta pela sobreviência quotidiana no Portugal dos anos 60 ditaram atrasos de que ainda hoje nos não libertámos, para além de tiques e formas de actuação dessas gerações de que as gerações mais novas se começam a aperceber e a combater. Vamos ver é se no seio das novas gerações surgirá a capacidade de reacção que lhes permita imaginar um Xanadu qualquer, ou se elas se vão acomodar.
Uma coisa é certa: ninguém os vai obrigar a usar gravata ou a cortar o cabelo...