Bom dia, para onde vamos?
- Para Sete-Rios, estação de autocarros...
Por onde deseja ir? Eu pergunto sempre isto aos clientes. Cada um tem a sua preferência...
- Pois, mas como não ando no trânsito diariamente, não o posso ajudar muito. Eu costumo ir pela Carolina Michaelis, ao longo da linha férrea...
Vamos embora. A esta hora já não deve haver muito trânsito. O pior são as "compras" do Natal.
- É preciso é consumir. O resto, logo se vê...
Andam todos a queixar-se, mas há sempre dinheiro para o bacalhau e para as "broas".
- O que é que o pessoal há-de fazer? Não tem dinheiro para muito mais. O melhor é comer. Sempre morrem mais satisfeitos...
São 11 da manhã e o senhor quer acreditar que este é o primeiro serviço que faço hoje? Ainda por cima, andam aqui estes "chico-espertos" (apontando para um "uber", que tenta ultrapassá-lo pela direita), que nem guiar sabem...
- Não sabem guiar? Mas, têm carta, não?
Sim, devem ter carta, só que não respeitam as leis de trânsito (enquanto abre a janela do lado direito): "Ouve lá, ó parvalhão, julgas que passas à minha frente?".
- Realmente, pelo menos podia ter feito sinal...
Qual quê? Isto é a lei da selva. Agora, na praça do Jardim Zoológico, vai ser a confusão total.
- É sempre. Ainda por cima com as obras na praça, que duram há anos...
Veja só quantos homens estão a trabalhar. Quatro ou cinco. Assim, nunca mais acabam as obras. As obras em Portugal não é para se fazerem, é para ir fazendo. Deve ter sido um "ajuste directo", feito pela câmara. Quanto mais tempo durar, mais os "amigos" ganham...
- Essa do "ajuste directo", faz-me lembrar as obras para o palco das Jornadas Mundiais da Juventude. Ainda hoje, estamos à espera das "contas finais".
Bem podemos esperar sentados. O senhor acredita mesmo que algum dia vamos saber as contas exactas?
- Bem, pelo menos foi o que disse o bispo que coordenou as Jornadas. Entretanto, já foi nomeado Cardeal e está em Setúbal. Ele afirmou que, em "tempo útil", seriam apresentadas todas as contas...
Pois, pois... em "tempo útil" para a igreja, deve querer dizer a "eternidade"... eles prestam "contas" depois de morrerem. Uma vergonha, aqueles farnéis que deram aos voluntários nas Jornadas. A televisão mostrou os pacotes com a ração. Eu alimento melhor o meu cão.
- Isto é um país de irmandades e corporações. Foram 350 anos de Inquisição e 50 de Fascismo. São quatro séculos de ignorância e subserviência. O "pessoal" aceita tudo. Muito medo e respeitinho. Esta mentalidade já está nos "genes" dos portugueses. A Igreja, indirectamente, continua a controlar as mentes...
E de que maneira! Não viu as fotografias da benção da perfuradora nas obras da conduta em Lisboa? Lá estava o padre a abençoar a máquina... que coisa mais parva!
- Por acaso não vi, pois não estava em Portugal, mas ouvi falar. Não me admira, com estes governantes beatos. De resto, é uma tradição que vem de longe. Todos os governantes convidam padres para abençoar as suas obras...
Sim, mostram-se na televisão e escondem os pecados internos. Nunca se sabe nada e, quando se sabe, é preciso ser alguém a denunciá-los. Uma cambada, que vive à custa da fé que apregoam, mas não praticam...
- Quanto maior a ignorância, maior a crendice. É dos livros.
Bem, parece que chegámos. Se não se importa, deixo-o aqui à porta, senão nunca mais saímos daqui...
- Acho bem. São só cinquenta metros. Bom dia e Bom Natal.