2020/04/29

Seis semanas noutra cidade: uma luz ao fundo do túnel...

foto Extra Venezuela
Pela primeira vez, em 6 semanas, as crianças espanholas puderam sair à rua depois de 42 dias de "confinamiento". Um acontecimento nacional, celebrado por todas as famílias com filhos menores, impedidos de ir à escola desde o dia 16 de Março. Na passada segunda-feira, as ruas de Sevilha encheram-se de pais atentos e cuidadosos, que passeavam de mão dada com os "niños", como se fora a primeira saída da sua vida. Milhares deles, pais e filhos, em grupos de 3 e 4 pessoas, a pé ou de bicicleta, nos parques e ruas da cidade. Uma festa!
O episódio gerou uma onda de anedotas nas redes sociais, das quais destacamos aquela onde um pai pressuroso, é interrogado por um polícia, que lhe pergunta: "onde vai o senhor, sózinho?"... "ah, pois, tenho de voltar, tenho de voltar...na pressa, trouxe os bilhetes de identidade, meu e do "niño", a licença paternal para poder acompanhá-lo, o "lanche", a garrafa de água, a máscara, as luvas, a mochila, a fita métrica para medir a distância permitida e... esqueci-me do "niño"!".  
Para que isto acontecesse, foram necessárias semanas de isolamento draconiano, preconizadas num dos países mais afectados pela actual pandemia: 236.899 infectados e 24.275 mortes, o que tornou a Espanha no 2º país com maior número de infectados e o 3º com maior número de mortes, a nível mundial. Tratam-se de números absolutos (fonte: worldometer), que não contabilizam os números relativos por país. Pior, só mesmo os EUA e a Itália (em número de mortes), ainda que, noutros países (França, UK, Alemanha, Turquia, Irão, Brasil, China, Bélgica, Holanda...) o número de infectados continue a crescer. Dado que os infectados são sempre mais do que revelam as estatísticas e sabendo que o número de testes está muito aquém do necessário, fácil é concluir que estamos longe de uma pandemia controlada. Isto, apesar dos sinais positivos que vão sendo dados nalguns países onde o "pico" da pandemia foi ultrapassado e onde se iniciou a chamada fase do "achatamento" da curva de infecções. Mas faltam muitos países de risco anunciado, como o Brasil (onde em poucas semanas, o número de infectados e mortos ultrapassou os da China), a Índia ou a Indonésia, países de grande densidade populacional, com graves problemas sanitários e onde os sistemas de saúde deixam a desejar. Uma longa marcha e ainda falta África...
Não está fácil o combate ao vírus, ainda que algumas análises pretendam desvalorizá-lo, apresentando estudos comparativos, onde demonstram que a gripe mata mais pessoas no Mundo inteiro do que o Covid19. É verdade, mas para a gripe há vacina e para o Covidis19 (ainda) não. Enquanto não for resolvido este problema (que pode demorar um ano ou mais) o vírus vai continuar a disseminar-se pelo Mundo e voltar a "atacar". Os especialistas (vírologistas, epidemiologistas...) já avisaram sobre a recidiva no próximo Inverno. Só negacionistas, como Trump e Bolsonaro, desprezam a ciência e, por isso, estão a pagar com "língua de palmo" a sua ignorância. Boris Jonhson, outro tonto, também pensava que o Reino Unido podia continuar com a "city" aberta, pois a economia não devia parar, mas a realidade foi mais forte que o "mercado de capitais". Resta saber se, depois da quarentena forçada a que foi obrigado, aprendeu alguma coisa com a infecção...
Em Espanha, independentemente das medidas que o governo anuncie, a oposição condena sempre. Sem poder constituir uma alternativa de poder, dada a composição parlamentar actual, os partidos de direita franquista (PP e Vox), alternam-se nas críticas ao executivo: ou porque faltam máscaras, ou porque estas são caras, ou porque faltam testes, ou porque a economia não pode parar, ou porque os apoios para as regiões são poucos, enfim, a lista é longa. Mesmo depois do pré-acordo, conseguido na passada semana em Bruxelas, que prevê a maior ajuda europeia para esta crise, o governo de Sánchez não parece ter a vida facilitada. O endividamento do país (dívida pública), o fraco crescimento económico e o desemprego, previsiveis após a crise sanitária, apresentam-se como os grandes obstáculos para uma recuperação rápida da economia e a oposição tudo fará para derrubar a coligação actual (PSOE/Podemos) no poder. Só não o conseguirá, se os catalães (uns cretinos, nesta crise) o não quiserem. Tudo em suspenso, em Espanha, pois.
Interessantes, têm sido as opiniões do homem comum e dos "media" espanhóis (El País, El Diario de Sevilla) sobre Portugal. Depois dos rasgados elogios do New York Times e da Euronews, à forma como Portugal tem enfrentado esta crise - um país com fracos recursos e um sistema de saúde fragilizado depois da crise de 2008 - é a vez dos espanhóis se "renderem" à eficácia do método português. Um excerto de um artigo, intitulado "La Excepción Portuguesa", no "El País" de ontem (dia 28 de Abril):
"Con la quarta parte de población que España, Portugal tiene una tasa de mortalidad por coronavirus del 3%, mucho más baja que las de España (10%), El Reino Unido (12%) o Francia (15%) y la razón de esta notable diferencia es analisada por el periodista Paul Ames, quien destaca que ni su aventejada población ni una sanidad con escasos recursos han impedido un éxito de gestión que ha mitigado el castigo de la Covid19". E o cronista, continua: "Los portugueses comprendieron de imediato que debían compensar sus limitaciones. El autor ha conversado con Ricardo Baptista Leite, médico especialista en enfermedades infecciosas y diputado del PSD, el partido de oposición de centroderecha, quien destaca la enorme solidaridad que han demonstrado por ser conscientes de que Portugal tenía que hacer un esfuerzo mayor que otras naciones si queria doblegar la curva de contagios". Ames aponta outra importante diferença, em relação a Espanha e Itália: " Al primer ministro, Antonio Costa, no le han disparado franco-tiradores de la oposición, porque los políticos se han dado una tregua muy envidiada em Madrid. Baptista Leite defiende que este es el momento de colaborar, no de confrontar, y de que públicamente se proyecte una imagen de unidad aunque en privado se hagan llegar al Gobierno críticas por algunas decisiones". 
Pois é, a cooperação, contra um inimigo comum.
Em Sevilha, onde me encontro há seis semanas em "confinamiento", as palmas diárias de apoio ao pessoal médico e sanitário, também são intercaladas por "panelaços" de saudosistas, que penduram bandeiras franquistas nas varandas. Já a música, em alto volume, é para todos os gostos. Há prédios que preferem "Sevilhanas" e outros que preferem "La Bella Ciao". É difícil agradar a Gregos e Troianos, neste país.