2019/03/28

O eterno retorno do fascismo (6)


Os recentes actos eleitorais, em países como Espanha e Holanda, respectivamente para o parlamento andaluz e para a 1ª câmara dos Países-Baixos, confirmaram uma tendência europeia dos últimos anos: o crescimento de partidos populistas de direita, fora do "mainstream" partidário, que defendem ideias nacionalistas, proteccionistas, xenófobas, racistas e anti-feministas. Têm, ainda em comum, serem formações oriundas da direita tradicional (conservadora, cristã e liberal), que acusam de fazerem parte do "sistema" ao qual, afirmam, não pertencer (!?).
É o caso do VOX (Espanha), fundado em 2013 por dissidentes do PP, que acusam de estar minado pela corrupção e de ser pouco firme na questão catalã, considerada uma ameaça para a unidade nacional. Após um período de hibernação e de pouca expressão nacional (elegeu 1 deputado provincial), o VOX cresceria 20% em 2017, devido ao atentado terrorista em Barcelona e ao processo independentista catalão. Embalado por este êxito e aproveitando a realização de eleições intercalares na Andaluzia, o novo partido surgiria na praça pública com um programa "renovado", que expressa bem a ideologia que defende: condena o aborto, condena o matrimónio de pessoas do mesmo sexo, é contra a exumação dos restos mortais de Franco, é contra a Lei de Memória Histórica (que denuncia os crimes do franquismo), é contra o islão, a favor de imigração por quotas, contra o multiculturalismo, defende a centralização do estado e o nacionalismo espanhol. Com este programa, apresentou-se às eleições regionais de Dezembro último, tendo conquistado 10% dos votos e eleito 12 deputados para o parlamento andaluz. Esta votação, permite-lhe apoiar a coligação de direita (PP-Ciudadanos) que, desta forma, passou a ter maioria no parlamento regional.
Já na Holanda, o Forum voor Democratie (FvD), surgido em 2016 a partir de um "think tank" de inspiração neoliberal, conquistou 13 dos lugares em disputa para a 1ª câmara holandesa, tornando-se o partido mais votado nas recentes eleições de 20 de Março. Entre 2017, quando elegeu dois deputados para o parlamento nacional, e 2019, conheceu diversas purgas, devido à saída de alguns membros prominentes, que acusaram o partido de ser pouco democrático. Hoje, o FvD, está fortemente centralizado à volta da figura carismática do seu líder e ideólogo, T. Baudet, um filósofo de formação, cujo programa, defende menos dinheiro para as questões climatéricas, menos imigração, menos Islão, corte nos impostos, sobre as doações e as rendas, alterações radicais no ensino obrigatório, expansão das forças armadas, privatização da emissora nacional pública e reforma do sistema eleitoral. O FvD, é ainda pró-Nexit (saída da União Europeia), defende uma cultura de referendo, quer mais controlo fronteiriço e proibição do véu islâmico. Um programa populista de direita, que conquistou votos de uma grande franja eleitoral, nomeadamente da população mais idosa e dos descontentes com a política de imigração holandesa, esta semana posta em causa com um atentado terrorista cometido na ante-véspera das eleições. Contrariamente ao solicitado pelo governo (suspensão da campanha eleitoral, num país em luto), o FvD viu aqui uma oportunidade para granjear mais votos, tendo sido o único partido a fazer campanha no dia seguinte ao atentado. Entre oportuno e oportunista, que venha o diabo e escolha...
Após diversas vitórias, ainda que parciais, em países democráticos como o Reino Unido, a França, a Suécia e na Austria, na Polónia e na Hungria (onde são governo), os partidos populistas de extrema-direita, crescem na Europa onde, apenas Portugal e Irlanda, são agora as excepções.
Da Russia de Putin, à Turquia de Erdogan, das Filipinas de Duterte à Venezuela de Maduro, passando pela América de Trump e pelo Brasil de Bolsonaro, a democracia está em retrocesso e não se trata de uma opinião. Estas são, de resto, as conclusões do último relatório Freedom in the World, publicado no passado mês, pela Freedom House, uma organização independente, sem fins lucrativos, que publica anualmente um relatório sobre o estado da democracia no Mundo.
Em 2018, 68 países desceram nos índices de liberdade, enquanto apenas 50 subiram. Desceram a Hungria (suspensa pelo Parlamento Europeu por não respeitar os direitos humanos), a Sérvia, a Polónia, a Nicarágua e o Uganda. Subiram, a Etiópia, a Malásia e Angola, entre outros.
Não é o fim do Mundo, mas é bom saber reconhecer os sinais. O fascismo, ainda que sob outras designações, está em marcha e ignorá-lo pode ser fatal.