2013/09/14

Quantos funcionários públicos, exactamente, temos a mais?

Quantos funcionários públicos há a mais em Portugal? 12, 129, 4327, 100 539? Digo-vos um segredo aqui ao ouvido: ninguém sabe. Em que estudos se baseiam aqueles que proclamam com ar, muitas vezes, convicto que "temos funcionários públicos a mais"? Adianto-vos, em primeira mão, um outro segredo: não há um único estudo fidedigno, sério, isento.
Por que razão volta então agora o assunto à baila?
Que a administração pública foi durante anos e anos uma forma que o país encontrou para "controlar" o problema do emprego e disfarçar a crónica ausência de programas sólidos de desenvolvimento da economia; que este expediente foi usado por todos os administradores públicos, de Salazar até Passos Coelho; que o Estado inventou funções sem qualquer espécie de justificação ou sustentabilidade para engrossar os quadros de funcionários públicos, disso não tenho a mínima dúvida. Que nenhum, nem um!, funcionário público entrou por uma repartição dentro, se sentou a uma secretária, começou a exercer funções por sua alta recreação e ingressou finalmente nos quadros, disso também não me resta qualquer dúvida. 
Por outro lado, sei que cabe ao Estado exercer a Justiça em sentido lato. Cabe ao conjunto da sociedade e, portanto, ao Estado como seu delegado executivo, produzir um conjunto de tarefas que, só assim executadas, poderão garantir Justiça e assegurar equilíbrio social. Se temos funcionários a mais a executá-las ou não, não sei. Mas, sei que é ao Estado que cabe executar certas tarefas porque elas não poderão nunca ser transformadas em negócio, porque não podemos ficar cativos da "iniciativa privada" se as queremos ver executadas e porque, se for a tal iniciaitiva privada a executá-las, o desígnio do lucro vai transformar a sua natureza e cavar desequilíbrios sociais. A sociedade humana caminha no sentido de um cada vez maior equilíbrio social. Contrariar isto é voltar à barbárie.
Agora que, a propósito do ataque em marcha contra os funcionários públicos, volta a conversa do "temos funcionários a mais," vou cismando se esta direita revanchista -que actua, de facto, como um banal bando de ladrões de estrada sempre que toma conta do poder em Portugal- pretende, como diz, tornar mais ágil e eficiente a função pública ou voltar à barbárie, cavando (mais) uma divisão artificial entre portugueses, pondo trabalhadores do sector público e privado em confronto e camuflando, assim, um ataque final às conquistas dos trabalhadores portugueses e a uma aproximação cada vez maior desta Justiça de que falo.
Quando ouço alguém que vive da remuneração do seu trabalho repetir a "verdade" nunca provada de que temos funcionários públicos a mais (versão do dia do "gastámos acima das nossas possibilidades") lembro-me de Maiakovski e daquele seu poema "E Não Sobrou Ninguém," rescrito por Brecht, Niemöller e outros. E apetece-me fazer a minha própria versão. 
Primeiro atacaram os pensionistas e aposentados, mas eu não liguei porque não sou nem uma coisa nem outra. Depois "requalificaram" os trabalhadores da função pública, mas eu não liguei porque trabalho na privada. Depois começaram a "requalificar" também trabalhadores do sector privado, mas como eu mantive o meu emprego não me coloquei, como devia, ao seu lado. Agora despediram-me a mim, mas já não sobra mais ninguém para me defender...

2013/09/08

Foi você quem pediu uma guerra?

Barack Obama, certamente o mais prematuro Nobel da história da Academia Sueca, prepara-se para um ataque punitivo e cirúrgico à Síria, como retaliação pelas vítimas das armas químicas, causadoras de milhares de mortos entre a população civil. Não sabemos se as armas, proibidas pelas convenções internacionais, terão sido usadas pelo regime de Assad ou pelos rebeldes que o combatem, uma vez que os peritos da ONU, enviados para o terreno, ainda não divulgaram as conclusões da investigação em curso.
Também não parece haver grande apoio da parte da população americana, que é maioritariamente contra e, muito menos da Europa, que continua dividida sobre esta questão. O governo inglês, tradicionalmente o maior aliado das aventuras americanas no Médio-Oriente, viu a sua proposta ser chumbada pelo parlamento daquele país e, na Alemanha,  Merkel, certamente mais preocupada com as eleições, adiou a decisão para quando houver um mandato claro das Nações Unidas. Só Hollande parece, neste momento, apoiar inequivocamente Obama, mas também tem a população francesa contra.
Na recente cimeira do G20 em S. Petersburgo, o presidente americano tentou mais um “tour de force” junto de Putin, mas a Rússia, tradicional aliada da Síria, não lhe fez a vontade e pediu provas inequívocas sobre o uso das armas pelo governo de Assad, coisa que os EUA não têm...Vem agora a Sra. Ashford, uma espécie de ministra dos negócios-estrangeiros da UE, declarar que há um acordo de princípio assinado por 11 países europeus, no sentido de  apoiar a decisão de Obama em bombardear a Síria.
Entretanto, em Washington, o Nobel da Paz não desiste da sua ideia pacificadora e reiterou a vontade de ir para a guerra, mesmo que de forma unilateral, agora apoiado numa decisão positiva (que carece de ser rectificada) do Congresso.
Ou seja: queira a ONU ou não, queiram os principais aliados dos EUA ou não, queiram a maioria dos países da UE ou não, queiram as próprias populações da região ou não, nada parece demover o governo americano de levar por diante esta ideia fixa: punir o governo sírio  de forma exemplar. Não será uma guerra convencional, no sentido em que não haverá soldados americanos no terreno, mas haverá bombardeamentos cirúrgicos durante um tempo limitado, que pode ir de 2 a 3 meses. Acho sempre fantásticas estas previsões dos altos militares do Pentágono, que sabem como as guerras devem começar, mas nunca pensaram como estas podem acabar. Logo se verá, deve ser o espírito da coisa...
Pensava que os americanos tinham aprendido algo com as recentes fiascos no Iraque e no Afeganistão, mas, pelos vistos, “the smell of napalm in the morning” é mais forte do que a realidade. Como dizia alguém por estes dias, em Damasco, “o presidente Obama subiu a uma árvore e não sabe como descer dela”. É uma boa imagem.
De lamentar apenas que estas almas, sempre tão caridosas e pacíficas, não se tenham lembrado das armas químicas que foram usadas pelos mais diferentes regimes, a começar pelos americanos no Vietnam, por Sadam Hussein (então apoiado pelos EUA) na guerra contra o Irão ou, mais recentemente, na faixa de Gaza, por Israel, num ataque com bombas de fósforo. Onde estava o Nobel da Paz, nessas ocasiões?