2007/12/14

Irene Pimentel


No país sem memória, a memória do país continua a ser escrita pela Irene Pimentel, Prémio Pessoa 2007.

2007/12/12

Realidade e ficção

Ultimamente, temos vindo a ser bombardeados com uma avalanche de notícias sobre crimes ligados aos chamados "negócios da noite". "O país", como escreve João Paulo Guerra no Diário Económico de hoje, "assiste à sucessão de crimes violentos associados aos negócios da noite como se visse um filme".
De facto, a esmagadora maioria do "país" ouve e lê as notícias (aqueles que felizmente ouvem e lêem as notícias...), olha para a realidade à sua volta e não pode deixar de ser levado a pensar que há para aqui algo de errado com esta imagem que está a ser promovida. Os crimes são reais e parece até haver, efectivamente, um novo paradigma criminal a que até agora não estávamos habituados. Parece mesmo claro que as causas dos crimes e da falta de actuação da polícia estão perfeitamente identificadas. Há novas realidades que conduziram ao presente estado de coisas, novas estruturas sociológicas que se foram instalando paulatinamente e que não foram atempadamente previstas. O Estado não sai, com efeito, bem deste retrato. Tudo isto, creio, era previsível e não teria sido difícil adoptar medidas para prevenir a situação. Alguém deveria ir para o quadro dos excedentários por não ter feito o trabalho para que é pago...
Mas, para a esmagadora, esmagadora maioria dos portugueses isto não passa de um realidade distante. E, para nós que temos liberdade de movimentos, podemos observar o que se passa à nossa volta e conseguimos pagar 1.50 € pelo Diário Económico, o fenómeno chega-nos como se tratasse, de facto, de uma má série, made in USA, sobre o "universo da noite" das cidades portuguesas.
Mas, pensemos em quem não se pode mexer, ou em quem não tem possibilidade de observar por dentro o que se passa. Para esses a realidade fica expurgada da ficção.
O que o PSD faz neste momento ao usar o tema como arma de arremesso, numa manifestação de inacreditável oportunismo político, é de uma leviandade extrema. Não sei mesmo qual será o maior crime: se os homicídios dos tais empresários da noite, se a tentativa de instalar um clima de pânico como faz o PSD pela voz de Luís Filipe Menezes.
O recém eleito responsável pelo PSD deveria, sim, meditar seriamente sobre a insensatez e irresponsabilidade desta estratégia e sobre as vantagens que para o país resultam de pintar um retrato de Portugal que está mais próximo de uma qualquer favela brasileira do que da realidade.
A quem pedir responsabilidades pelos crimes futuros?

2007/12/10

Circo Darfur (2)

Agora que a "Cimeira de Lisboa" terminou não faltam os auto-elogios. Do "espírito" da dita, à "ponte" que Lisboa parece simbolizar, os olhos dos nossos governantes querem à viva força fazer-nos acreditar que tudo foi bom e a partir daqui nada ficará como dantes. Infelizmente, a realidade não se compadece com o triunfalismo das declarações de ocasião. Os direitos humanos só raramente estiveram na agenda das reuniões e os acordos negociais não agradaram a todos os países africanos. Não fora Merkel "puxar as orelhas" a Mugabe, ninguém ouviria o nosso governo dizer o que quer que fosse sobre a presença dos ditadores em Lisboa. De acordo com as informações publicadas, estiveram em Lisboa oito líderes africanos que poderão vir a responder à justiça: Omar al-Bashir (Sudão), Meles Zenawi (Etiópia), Isaías Afewerki (Eritreia), Robert Mugabe (Zimbabwe), Jose´Eduardo dos Santos (Angola), Muammar Kadhafi (Líbia), François Bozizé (República Centro-Africa) e Paul Kagamé (Ruanda). Uma galeria de títeres.
Cá fora, e à excepção de algumas manifestações de exilados africanos contra os regimes do Zimbabwe, Angola e Líbia, pouco se deu pela contestação. As únicas notas dissonantes parecem ter sido as agressões dos "gorilas" de Kadhafi aos líbios que protestavam contra o coronel e a humilhação a que foram sujeitos os repórteres portugueses, na tenda do líder, quando os seguranças líbios confiscaram o material filmado. Isto tudo nas "barbas" das autoridades portuguesas.
Curiosamente, e lendo as notícias estrangeiras, pode perceber-se que muita coisa ficou adiada nesta cimeira e os temas comerciais foram os menos consensuais. Ao mesmo tempo, na BBC de Londres, um padre negro anglicano cortava em tiras o seu colarinho como protesto contra o regime de Mugabe e, em Paris, as manifestações contra Kadhafi eram, não só de líbios exilados, mas de socialistas franceses que se opõem à visita do Coronel.
A tenda, em Lisboa ou em Paris, será certamente a mesma, mas os circos e os intervenientes são, apesar de tudo, diferentes. Cada país tem os palhaços que merece.