2022/07/06

Nojos

O futuro está traçado. A aliança EUA-NATO-UE, o corolário hodierno da famosa Doutrina Monroe, vai partir os dentes neste conflito na Ucrânia, vai sofrer uma humilhante derrota e o mundo vai passar a viver sob uma outra ordem. É apenas uma questão de tempo. O que aí vem é, por enquanto, uma incógnita, que se tornará porvetura mais clara quando for lida nos compêndios de história do século XXII. 

Os mostradores das bombas de gasolina que pulsam e rodam de forma cada vez mais vertiginosa, assim marcando a negro o dia a dia dos automobilistas, não reflectem, nem de perto nem de longe, o trambolhão que o "Ocidente" (cf. esta interessante análise de Carlos Matos Gomes sobre este conceito) vai dar, à conta desta miserável aventura em que nos meteram. Mas esses mesmos mostradores das bombas, ao rodarem cada vez mais depressa, para da pistola da bomba sair cada vez menos combustível, constituem uma espécie de metáfora, se se quiser ver para além dos números, do entalanço em que estamos metidos e não podem deixar de nos fazer pensar no que aí vem. Todos deveriam refectir, com seriedade e serenidade, sobre o futuro. 

Uma coisa que, para já, se me afigura certa é que os povos não parecem estar preparados para a reviravolta que se avizinha. A Europa, em particular, revelou-se, em todo este processo, incrivelmente vulnerável. E Portugal, então, pelo filme a que vamos assistindo, está em riscos de se tornar um protectorado de uma multinacional qualquer ou um gigantesco Airbnb.

Bruxelas não é Washington

Há tarefas que, no imediato e se não nos quisermos resignar a uma postura passiva perante tudo o que se passa, parecem urgentes. A mais importante, a que deveria ser dada atenção imediata, é a da continuação desta União Europeia. Uma organização dirigida por zombies que usurparam os direitos democráticos dos europeus e se instalaram ilegalmente nesta coisa inenarrável a que chamam Comissão. É urgente responsabilizá-los pelas consequências que esta decisão de se juntarem à cobóiada vão ter na vida de todos nós, numa atitude de subserviência absolutamente escandalosa. Repare-se que nem na própria América se engole todo este cenário criado em torno do conflito da Ucrânia.

Segundo o Ron Paul Institute, 71% dos americanos não desejam que Biden se candidate a um segundo mandato. Segundo outra fonte, a percentagem de americanos que não querem que Biden se candidate a esse segundo mandato é extraordinariamente alta, quando comparada com os presidentes anteriores, ainda em primeiro mandato. Os americanos já estão a sentir na pele o fiasco absoluto desta política terrorista das sanções, ditada pelos cowboys da Casa Branca. Mas os americanos não parecem dispostos a tal sacrifício. Quem os poderá criticar...?

Biden tenta, em fuga para a frente, culpar Putin, junto da opinião pública americana, pela escalada da inflação, mas, como conclui ainda a análise do Ron Paul Institute, há um grande problema: "os americanos não acreditam nele. De acordo com uma pesquisa da Rasmussen no início deste mês, apenas 11% dos americanos acreditam na afirmação de Biden de que o presidente russo Vladimir Putin é o culpado pelos altos preços." 

Os americanos também não querem, segundo parece, uma recandidatura de Trump. Mas é bom lembrar que a actual política de Washington é exactamente igual à que foi seguida pelo presidente golpista. Vale a pena recordar o que dizia o seu anterior Secretário de Estado, Mike Pompeo e comparar com o que está a ser feito agora. E vale a pena perceber quais são exactamente as personagens que têm transitado de administração em administração, desde há longos anos, para levar a cabo o mesmo programa de desastre universal. Se não acredita, veja os nomes.

De Bruxelas, nem bom vento nem bom casamento

Bruxelas não é, de facto, Washington. O seguidismo dos dirigentes europeus ao discurso americano é incompreensível. Os americanos demonstram um compreensível sentido de conveniência que falta totalmente a Bruxelas. E a Doutrina Monroe justifica a postura americana. Mas o que ganha a Europa em continuar a papaguear o discurso  da invasão vinda das estepes que só pararia no Cabo da Roca, apimentada agora com uma ameaça amarela, quando na própria América esta narrativa parece já não estar a pegar? Numa demonstração da validade da expressão "ser mais papista que o papa," por estas bandas vamos assistindo ao espectáculo desgraçado que a Presidente da Comissão Europeia, prostrada de joelhos, dá todos os dias. Uma actuação nojenta, que nos faz (pelo menos a mim faz!) corar de vergonha. A todos nós que acreditámos no projecto europeu e andámos a embarcar, ingénua mas zelosamente, nesta trapaça absurda, neste travesti de eleições, a que chamam eleições europeias. Sobre o que nós e os nossos compadres europeus pensamos de tudo isto, o que vai na alma do europeu, nestes dias de ansiedade e de incerteza sobre o futuro, pouco se sabe. Dos americanos sabemos, ainda assim, que não estão a achar grande graça ao que se está a passar, e a festa nem sequer está a ser no quintal deles. O que justifica a posição da Europa perante este conflito?

Ainda faltará algum tempo para percebermos o que dirão os europeus sobre tudo isto. Mas quando, finalmente, acordarem para a realidade que têm e vão ter pela frente, vai ser tarde.

E Portugal?   

Se o que vai na mente dos europeus é uma incógnita, cá pelo burgo não sabemos o que pensam verdadeiramente os portugueses sobre este conflito, para além da conversa de café. Sabemos menos ainda sobre o que pensam sobre a actuação do Governo, nesta sua desfilada à rédea solta.

Falando de governo, permitam-me que exprima aqui, sobre esta matéria, um ponto de vista pessoal, num tom um pouco mais veemente, diria mesmo, escandalizado. A posição portuguesa em todo este caso mete nojo. O comportamento do Governo nesta matéria e, em particular, o do Primeiro Ministro António Costa, é um nojo. Politicamente, está arrrumado. O tirocínio para substituir a Ursula menor de nada lhe vai valer porque deixou de ter a iniciativa, anda totalmente a reboque dos acontecimentos, sem dar o mínimo sinal de uma visão própria, sem um pensamento estratégico, digno de nota e sem um comprtamento que indicie ter a força necessária para mudar o rumo da Europa.  O "estadista" foi a banhos. Não foi para isto que votei nele. A credibilidade política, interna e externa, perdeu-a Costa num aperto de mão em Kiev. E veja-se, por exemplo, aqui, o tipo de santinhos a quem Costa foi apertar a mão, em nome de todos nós.

Comprometida, sem possibilidade de um entendimento, está também uma solução para Portugal, à esquerda. A Ucrânia constitui um tiro no porta-aviões da esquerda portuguesa, sem possibilidade de reparação do rombo. Como se diria, em inglês, Costa é um has been. Tanto que prometia o mocinho, tanta ponte, tanto diálogo para tudo ter acabado assim. É uma pena. À direita o panorama, é certo, não é melhor, o que significa que Portugal é de quem o apanhar.

Nota profundamente negativa, pois, para a actuação do governo, que faz o favor de representar o papel de manequim na montra do imperialismo. Não foram mandatados para isso! Repito: não foram mandatados para isso. 

Não estamos perante uma emergência nacional, não corremos riscos de segurança interna, temos problemas estruturais (lembram-se dos famosos problemas estruturais?!), estruturalmente adiados, temos milhões para ajudar à festa da guerra, mas os tais problemas estruturais ficaram para as calendas. Corremos agora, isso sim, o risco de sermos apanhados pelo fogo cruzado. Nada justifica que os portugueses tenham sido colocados em perigo desta forma. A culpa é do governo. Se já na América poucos compram a ideia de uma opção entre o sacrifício em resposta a uma hipotética ameaça, que corre lá longe, ou uma vida decente, por cá temos de perguntar e exigir uma justificação séria a este governo sobre esta decisão de converter Portugal em potencial barraquinha de tiro ao alvo e os sacrifícios e os riscos que esta opção representa. Para quê?! O que raio passou na mente perversa destes irresponsáveis para transformar Portugal, de repente, em feira popular? O PS criou a ilusão que tem tudo controlado e não percebeu que está em risco de se afrancesar. Não percebe, por exemplo, que entrou naquela fase em que os seus princípios resvalam para a "quimera" e para a "ambiguidade," como referia Thibaut Rioufrey a propósito do PS francês, que conduziram este partido ao eclipse quase total.

Do PR, sempre igual a si próprio, nem vale a pena falar, mas vale, isso sim, a pena falar da AR. A prudência política, o respeito pelos eleitores e o simples sentido patriótico, deveriam ter ditado uma outra postura da AR e do seu sibilino presidente, perante este conflito, mais contida, mais consentânea com o preceito constitucional, que tivesse evitado o espectáculo nojento do passado mês de Abril. O PS revelou-se, mais uma vez, nesta como noutras ocasiões, um nojo. Traiu os eleitores que depositaram confiança total nas suas propostas e lhes compraram as cadeiras do poder, onde agora se sentam. 

Tristíssimo o espectáculo deprimente deste partido, a dobrar a cerviz perante os senhoritos da guerra. Enquanto a Constituição preceitua a "solução pacífica dos conflitos internacionais, a não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade," o que faz o governo da maioria? Oferece armas e junta-se ao coro internacional das fanfarronadas. De um país com tradição revolucionária na floricultura, esperava-se que fornecessem, ao menos, rosas, senhor! 

Por outro lado, também a actuação de uma parte da oposição, que diz, servilmente, amen a tudo isto ou se cala oportunisticamente, não pode senão ser classificada de outro nojo. Uma outra, reduzida, parte da oposição, que cavou por culpas políticas próprias o seu isolamento e revela total incapacidade de ter voz de combate, está encostada, inutilmente, a uma retórica que a ninguém impressiona. Mais outro nojo. Não pela posição neste caso específico, que sempre me pareceu correcta, mas pela inabilidade política que a levou a ficar aquém dos mínimos olímpicos e a revelar a sua debilidade preocupante, quando era tão necessário que fizesse agora voz grossa e tivesse algum peso específico. 

Estamos, pois, metidos num enorme molho de bróculos. Os portugueses irão certamente gozar o verão, finalmente, depois de dois anos de confinamento. Quando voltarem, logo se vê.


PS- Já depois de concluído este artigo, ficámos a saber que o Boris the Animal foi despedido e que, por agora, o PM se livrou de uma moção de censura. Ça bouge!