2019/01/30

"Jamaica": um problema estrutural


O fascismo sempre se baseou na violência.
Foi assim, mais uma vez, com a provocação feita por dois membros do PNR, que pretendiam suscitar uma reacção do visado (Mamadou Ba) para justificar a agressão física. Como isso não aconteceu, puseram o vídeo na NET para amedrontar.
Vai acontecer mais vezes e, como os energúmenos não têm melhores argumentos, insistem neste tipo de ameaças para conseguirem apoio suficiente da população mais ignorante e racista, até transformarem a sua política de ódio e discriminação em votos. Nessa altura (caso entrem no Parlamento) será mais difícil ignorá-los pois terão a comunicação social sensacionalista a dar eco às suas intervenções, para ganharem audiências. Foi assim noutros países, com maior tradição democrática e instituições mais sólidas, porque havia Portugal de ser diferente? Como não temos mecanismos de defesa (os "checks and balances" das sociedades anglo-saxónicas) e a memória do passado recente é curta, será sempre mais difícil o combate, até porque, apesar dos portugueses terem saído do fascismo, o fascismo ainda não saiu da cabeça de muitos portugueses.
Pior: desde que o "caso Jamaica" ocupou (e continua a ocupar) as manchetes dos jornais, nunca se fala dos problemas a montante (emprego, habitação e condições dignas para as populações que vivem nestes bairros, por exemplo), ou dos desfalques contínuos na banca portuguesa (CGD e não só) que levou à falência 5 dos maiores bancos do sistema, responsáveis pela perda de 15 000 milhões de euros, só nos últimos 10 anos! Quem paga?
Andamos todos a "dormir" e isso interessa ao poder instalado, nomeadamente aos partidos da governação habitual. Enquanto se discutem as consequências, nunca se discutem as causas e continuamos, sempre, a "empurrar os problemas com a barriga".
Os portugueses são racistas? Claro que são! 500 anos de colonialismo e 13 anos de guerra colonial, seguidos de uma descolonização atribulada, deixaram sequelas difíceis de sarar. Nem podia ser de outro modo. Agora, que uma centena de jovens africanos invadiu a "baixa" de Lisboa, "aqui d'el rei!" que vêm aí os criminosos dos bairros periféricos!
O que é que esperavam? Que os os imigrantes de segunda e terceira geração (a maioria com nacionalidade portuguesa) aceitassem tudo o que os seus pais e avós aceitaram em África e aqui? Onde estão representados estes portugueses de "segunda"? Quantos ministros, secretários de estado, ou presidentes de câmara, de origem africana, há nos orgãos da governação? E quantos deputados há no Parlamento? E quantos apresentadores e jornalistas na televisão portuguesa? Podíamos continuar esta lista por aí fora...
Depois, há ainda aqueles portugueses que, reconhecendo que houve colonialismo e existe racismo em Portugal, não o consideram tão "mau" como noutros países (!?).
Quando ouço ou leio estas declarações, vem-me sempre à memória o famigerado General Spínola (ele próprio, um colonialista) que dizia, a propósito do colonialismo em África, "a diferença entre o modelo anglo-saxónico e o modelo português, residia no facto dos ingleses dizerem "podes instruir-te, mas não podes misturar-te" (apartheid), enquanto os portugueses diziam "podes misturar-te, mas não podes instruir-te" (miscigenação)".
O que hoje observamos na sociedade portuguesa, onde vivem centenas de milhares de imigrantes de cor negra (e não só) é a continuação do mesmo modelo seguido em África. Os negros podem cá viver, mas ninguém os quer ver e são mantidos em guetos habitacionais, não por acaso em bairros onde vivem as populações mais pobres (brancos, negros, ciganos...), sem direito a habitarem os centros das cidades, a menos que sejam ricos ou ocupem posições de relevo na sociedade.
Isto vai acabar mal e a culpa é dos decisores políticos que se limitam a declarações enfatuadas e apaziguadoras, sem quaisquer consequências práticas ou resolução dos problemas concretos das pessoas. Depois, não se queixem.
Dito isto: Mamadou Ba reagiu a quente e foi infeliz nas suas declarações escritas. Percebe-se a indignação (quem sou eu para o julgar?) mas, atendendo ao seu estatuto de activista e assessor de um partido político, não contribuiu para a clarificação, dando argumentos aos racistas para reagirem violentamente. Toda a gente sabe que há racismo e infiltrações nazis na polícia (há relatórios da PJ e de organismos europeus, como a Europol, que o denunciam), mas, como é óbvio, nem todos os polícias podem ser acusados de comportamentos racistas. Há que separar o trigo do joio. A ideologia do ódio e da discriminação só poderá aumentar a confusão e a polarização. Em ambos os campos.