2007/04/06

É Páscoa, ninguém leva a mal...

Segundo o Público, o novo bispo do Porto afirmou durante a homilia pascal que "o melhor do que somos neste Velho Continente que tarda tanto em rejuvenescer, como a liberdade e dignidade pessoais, nasce do comportamento e da palavra de Cristo, diante da opressão que sofria." Acrescentou ainda que "o direito e a civilização evoluíram sobre bases indiscutivelmente evangélicas."
Não me passa pela cabeça duvidar da bondade das palavras do bispo do Porto. Mas, uma simples visita à história da Europa e à história do Cristianismo mostra que as coisas não são, porventura, exactamente assim.
Em primeiro lugar, esta afirmação parece ignorar o contributo absolutamente crucial de diversas civilizações, europeias e não europeias (hoje tratadas com sobranceria) para a génese do pensamento e das instituições ocidentais. Parece até esquecer a importância desse contributo para a construção do próprio pensamento evangélico. A luta pela garantia da liberdade e dignidade pessoais no espaço europeu foi até, quiçá, mantida contra a Igreja.
Depois apaga com ligeireza o comportamento, vergonhoso e cruel, que a Igreja Católica teve em determinados períodos da história. Aqui em Portugal, por exemplo, sabemos bem o que foi o contributo do "pensamento envangélico" em determinados momentos da nossa gesta heróica.
Galileu deve ter dado uma volta no túmulo...

2007/04/05

Os imigrantes são imprescindíveis

No dia em que os Gato Fedorento colocaram um cartaz no Marquês de Pombal onde apelam à imigração, soube-se que os imigrantes valem 7% da riqueza do país.
Confirmando que "a melhor maneira de chatear os imigrantes é obrigá-los a viver em Portugal", é sabido que eles "desempenham as funções que os portugueses não querem".
Nacionalismo, pelo menos o veiculado pelo PNR, é realmente parvoíce.
E, já que "os imigrantes representam actualmente cerca de 9% a 10% da população activa nacional apesar de serem menos de 5% da população portuguesa", é certo que só "com portugueses não vamos lá".
Aos imigrantes, mas também aos "Gato Fedorento" (que pagaram o cartaz do seu bolso) também eu digo: Bem-vindos!

Outros engenheiros...

Independentemente da questão substantiva do modo como poderá ter sido obtido o título académico do primeiro ministro, da sua legitimidade e da forma, algo canhestra, como todo este assunto foi e está a ser tratado por ele e pelo seu staff, vejo toda esta algazarra, vejo a forma determinada como o assunto vem sendo reiteradamente tratado pelo Público e não posso deixar de me interrogar porque é que foi, justamente, esse jornal a gerar, nesta altura precisa, toda este polémica. Poderá ser porque o engenheiro Belmiro de Azevedo (outro engenheiro!) é o dono do Público e ficou com azia pelo desfecho da OPA sobre a PT?
Como leitor do Público tenho o direito de assim me interrogar. E creio que os leitores do jornal merecem que essa sombra se dissipe rapidamente. Para que o conteúdo do Público, publicado no passado e a publicar no futuro, continue credível...
Nada disto tem a ver com a questão substantiva do título académico do primeiro ministro, repito... Dele também espero explicações claras!

2007/04/04

engenharias

A "saga" do diploma de Sócrates tornou-se no "fait-divers" nacional. Uns dizem que não lhes interessa nada se o homem é licenciado ou não (só querem saber se está registado de acordo); outros, pensam que a notícia é um "não caso" (pelo que não merece ser publicada). Enquanto jornais e programas televisivos de "referência" continuam a encher páginas e noticiários com esta "não notícia", o governo é acusado de pressionar as redacções para evitar o pior. Com tanta confusão, não é para admirar que a Wikipédia tenha actualizado dezenas de vezes o curriculum do primeiro-ministro. Eu. se fosse ele, estaria preocupado em ter um diploma passado pela Universidade Independente...

2007/04/03

Magnólia

Soube hoje pelo Público que as magnólias existem no mundo pelo menos há 95 milhões de anos, (grandeza que, diga-se de passagem, é para mim completamente inimaginável). Existiram antes das próprias abelhas. Ou, se calhar estas formaram-se enquanto espécie por poderem alimentar-se nestas flores. Admitindo-se esta especulativa e tendenciosa hipótese, sem magnólias era capaz de não haver hoje abelhas. Portanto também, o mel e a cera.
Pois apesar de terem uma, mesmo em termos do reino vegetal, invejável longevidade (parece que se conhecem uns exemplares com uns 800 anos), estes arbustos, ou pequenas árvores estão em perigo: 131 das 245 espécies selvagens de magnólias estão em vias de desaparecer.
O que, segundo o artigo, é uma espécie de barómetro em relação à saúde das florestas em que elas se criam.
Há umas gerações, era costume dar-se nomes de flores às meninas. Algumas privilegiadas recém-nascidas herdaram, assim, o nome desta flor: magnólia.
Tem uma sonoridade linda, magnólia.
A minha mãe chamava-se Magnólia.

Campeonato da Língua Portuguesa 6

Senão e se não
15. Nas opções seguintes, assinale a correcta:
A. Ele é distraído, se não parvo.
B. Aquele cuja casa falei.
C. Eles fizeram mesmos aquilo de que foram acusados.
D. O mais pequeno não chegava à mesa, o maior batia nela com os joelhos.
A resposta certa é: D, «O mais pequeno não chegava ao chão, o maior batia nela com os joelhos».
Na primeira, devia estar «senão» (significando: «mas também»). Na segunda, devia estar «de cuja casa» («falar» rege a preposição «de» neste caso). «Mesmo» como advérbio não se pluraliza. Não pode dizer-se «o mais grande», mas é legítimo dizer-se «o mais pequeno».

Abordei esta pergunta procurando as frases erradas. Não foi, pois, difícil excluir as opções B e C.
Quanto às outras duas, confesso não descortinar qualquer erro. Debrucemo-nos sobre a opção A, por ser a que assinalei como correcta.
Mas antes atentemos na correcção que foi feita. A primeira nota é que o dicionário de referência não considera mas também como significado de senão. A segunda nota é que, nessa interpretação se estaria a subentender a expressão não só na primeira oração do período., sendo a frase completa: Ele não só é distraído, mas também parvo. Eu nunca me lembraria desta interpretação, ao ler a frase; mas é possível que alguém pudesse levar a coisa para esse rebuscado lado...
A minha interpretação da frase foi bem mais simples: não estando o predicado expresso, subentendi na segunda a forma verbal da primeira oração. A frase seria: «Ele é distraído, se não é (ou for) parvo», ou, em formulação equivalente, «... se é que não é parvo».
A estribar esta interpretação cito José Neves Henriques no CiberdúvidasQuando o se é uma conjunção e o não é um advérbio de negação.1 - Neste caso, o se está ligado a um verbo, claro ou subentendido:b) Homens iguais se não superiores, temos hoje. (= ... se não forem superiores ...).c) Amaram-se um pouco, se não muito. (= ... se não se amaram muito)».Opinião que é confirmada por Maria Regina Rocha, também no Ciberdúvidas2.1.2. Com o verbo subentendido: "Estavam lá dezenas de jovens, se não centenas." Subentende-se aqui a mesma forma verbal da primeira oração ("estavam").Uma regra simples para se verificar esta situação (2.1.2.): neste caso é possível introduzir a expressão "é que" entre o "se" e o "não": "Estavam lá dezenas de jovens, se é que não estavam centenas!"».
Apesar de a formulação da pergunta admitir apenas uma resposta correcta, supus que, propositadamente ou por engano, fossem possíveis duas, à semelhança do que se passara com a pergunta 2 do 2.º teste, e se passa quanto à pergunta 24 deste teste.
No processo de escrever este texto deparei com o que me parece (e também ao Ciberdúvidas) ser um erro do dicionário de referência: assim como o plural de não é nãos, o plural de senão é senãos e não senões.

2007/04/01

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 5

Uso do calão
Eis uma das perguntas do 3.º teste e a respectiva resposta:
14. «Dar tanga a alguém» significa:
A. enganá-la
B. oferecer-lhe uma sunga
C. divertir-se à sua custa
D. passear com ela, de barco à vela
A resposta certa é: C, «divertir-se à sua custa».
Ver obra de referência, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, página 1470.

Era de caras; bastava ir ver ao dicionário. Mas isso é o que fazem os marrões. Eu, como sempre utilizei o vocábulo tanga, em calão, como significado de mentira, por amor à língua portuguesa, preferi investigar. Eis o que encontrei:

O Dicionário de Calão, de Albino Lapa (prefaciado por Aquilino Ribeiro; 1.ª edição, 1959), refere, a propósito:
«TANGA – É o nome dado ao jornal que o carteirista finge que está a ler, pois só olha e estuda os passos do indivíduo que há-de ser a sua vítima do roubo.
TANGA – Nome que se dá ao indivíduo que distrai a vítima para o roubar. O mesmo que tanguiar.
TANGUEAR – Trocar as voltas; entreter; gozar.»

Já o Novo Dicionário de Calão, de Afonso Praça, estabelece:
«Tanga – Mentira [dar uma tanga = enganar alguém; contar histórias que não são verdade; inventar]». Inclui, de seguida, os sentidos da palavra acima citados, admitidos por Albino Lapa.
«Tanguear – Trocar as voltas; distrair; entreter».

Por seu turno, o Dicionário de Calão do Mundo do Crime (compilação e pesquisa do Subcomissário Paulo Jorge Valente Gomes, ed. Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna), livro de estudo da Escola Superior de Polícia, portanto obra que deveria ser de referência quanto ao uso do calão, estabelece:
«Tanga – Envolver a vítima para lhe furtar a carteira ("fazer-lhe o cerco"). Mentira». (Terá de se levar em conta o facto de o Subcomissário Paulo Gomes não ser certamente um linguista, nem um especialista em português, para aqui dar um verbo como significado de um substantivo; "envolver" melhor será, pois, "dar tanga", "tanguear").

O vocábulo tanga terá, pois, sido utilizado inicialmente para nomear um objecto, "o jornal que o carteirista finge que está a ler". Isto faz todo o sentido se repararmos que tanga é uma «peça de roupa usada à volta das ancas por nativos de países quentes», isto é, um objecto que esconde alguma coisa: no sentido próprio, os pudendos; no uso marginal, a intenção de quem se apresta para enganar e roubar outrem. Por extensão o termo terá passado a significar o "indivíduo" que finge ler o tal jornal ou, por qualquer outro processo, "distrai a vítima para o roubar".
A evolução sofrida a partir desta origem não foi significativa, mantendo-se no âmbito do engano do outro, da "mentira".
O significado expresso no dicionário de referência do Campeonato («Coloquial dar tanga a (alguém) divertir-se à custa de (alguém)») pode ser que seja uma acepção mais "civilizada", «coloquial», derivada da, mais crua, terminologia do mundo do crime. De facto, é admissível que enganar outrem em proveito próprio proporcione divertimento a quem o faz.
Mas uma coisa é certa: uma tanga é uma mentira. Portanto dar tanga a alguém é enganar esse alguém. A resposta certa deveria ser a A.