2012/10/13

Choque, Pavor e “Água Benta”

A cada dia que passa Portugal está mais parecido com a Grécia.
As novas medidas de austeridade, ontem divulgadas por vários órgãos de comunicação e discutidas no Parlamento, prenunciam a maior crise económica e social de que há memória no Portugal democrático. Um verdadeiro “assalto”, para usar a expressão do “barão” do PSD e conselheiro de estado, Marques Mendes.
De facto, as “soluções” encontradas para substituir a famigerada taxa TSU, entre as quais o novo escalonamento do IRS, os cortes nas reformas, nos subsídios e na saúde (para referir apenas três áreas de vital importância na  qualidade de vida dos portugueses) são tão brutais que as consequências para a economia portuguesa só podem ser devastadoras. Desde logo, pela contracção da despesa familiar, para equilibrar um orçamento muitas vezes deficitário e onde, para grande parte das pessoas, se tornou vital escolher entre uma refeição e a medicação. Depois, o corte em serviços tão essenciais como a saúde, onde as taxas moderadoras e a diminuição de meios fez disparar o tempo das listas de espera ou o tratamento de doentes em estado terminal. Finalmente, a redução de consumo generalizado, que irá afectar sectores essenciais para a economia, como o pequeno comércio e a  restauração, onde a taxa máxima do IVA levará à falência milhares de pequenos e médios empresários. Desnecessário será dizer que outros tantos milhares de trabalhadores irão juntar-se ao exército de desempregados (1.3 milhões) no próximo ano e que, por essa altura, muitos dos que hoje ainda auferem um subsídio, já não receberão nada!
Um verdadeiro cenário de horror,  há muito anunciado na “cartilha” neo-liberal que nos governa e que, por esse Mundo fora, vem impondo uma receita com o fim último de devastar as economias mais débeis e, dessa forma, poder impor um novo contrato social e salários mais baixos. A primeira parte do programa em curso está, portanto, a resultar: o Choque.
Perante tal cenário, previsto por especialistas dos mais variados quadrantes em Portugal e no estrangeiro, as pessoas começam a perceber que, não só a sua vida vai piorar drasticamente nos próximos anos,  como não há fim à vista para a austeridade e (o que é pior) os sacrifícios que lhes pediram não serviu para nada! 
É esta consciência civil, acelerada nos últimos meses pelas medidas fundamentalistas de um governo “à nora” que nem com sacrifícios da população consegue cumprir as metas a que se propôs, que está a provocar uma onda de indignação em todo o pais.
Prevendo o pior e sem soluções para uma crise, também ela provocada pelos partidos da coligação que nos governa, Passos Coelho e os seus “spin doctors” espalhados pelos mais diversos meios de comunicação, tentam convencer-nos diariamente da inevitabilidade da austeridade. Não há alternativa a estas medidas, dizem, porque a alternativa seria sempre muito pior. A segunda parte do programa está, portanto, a resultar: o Pavor.
Mas, nem tudo são rosas e o - aparentemente calmo - povo português começa a rebelar-se. Primeiro nas redes sociais, depois nas manifestações mais ou menos espontâneas e, agora, com uma cobertura que atinge dezenas de cidades portuguesas em simultâneo. Nunca, como hoje, a consciência civil foi tão grande. Também na rua, porque a democracia não se esgota na representatividade do parlamento. Muito menos, num parlamento completamente tolhido pelos “lobbies” e interesses da partidocracia reinante.
É neste quadro que a Igreja, ontem pela voz do Cardeal Policarpo e hoje pela voz do padre e teólogo Carreira das Neves, vem alertar para a “ditadura da rua” que não pode governar num regime democrático, onde o parlamento é o único lugar para o debate politico...
Não são inocentes estas palavras. Com a Igreja em crise, a crise actual da sociedade portuguesa pode ser uma  “benesse” para os espíritos cristãos, sempre tão  solícitos a acudir aos pobrezinhos e apavorados da vida. O Banco da Jonet que o diga! Por alguma razão, a Igreja não paga impostos e as suas fundações não foram abrangidas nos recentes cortes que atingiram muitas dessas instituições.
Como se não bastasse o governo, e a sua politica de “choque e pavor”, ainda temos de aturar a Igreja, com a sua politica de resignação.

Na rua!


2012/10/12

O que está em causa


Uns chamam-lhe marretada, bomba, bomba relógio, bomba atómica, massacre, saque, roubo, assalto, à mão armada ou não, conforme as versões, tsunami, terramoto, carga policial, terrorismo de impostos! Outros (alguns até saídos dos meandros do governo e dos partidos que o compõem), concordando, dizem que é tudo isto, sim senhor, mas por culpa dos socialistas. É por culpa dos socialistas que a coligação PSD/CDS (que disse que nunca culparia governos anteriores) nos vem agora cortar nos serviços para os quais descontámos já com os nossos impostos e deduções —apoios sociais, saúde, educação, justiça, cultura, etc— e é por culpa deles que, se queremos usufruir do que pagámos, teremos de pagar agora mais.
Dizem que é pelo facto de os socialistas terem gastado à tripa forra que agora "temos" de pagar mais e mais e ter menos e menos.
Será, mas outros explicam entretanto que, ao fazer tudo isto, a situação vai piorar, ou seja, vamos ficar sem o pouco que temos, nos custou já tão caro, pagar mais, e, simultanenamente, vamos perder mais empregos, vamos ficar a ver a recessão aumentar, vamos ficar a ver o que na origem era um problema com uma qualquer solução, transformar-se num problema irremediavelmente insolucionável. Vamos também ficar a ver  que, depois disto, depois de ficarem sem direito ao Estado para o qual contribuiram, os poucos que restarem deste processo vão ter de pagar ainda mais, não para resolver os problemas, mas para não terem solução.
Ouvimos falar do OE2013 (é disso que tenho estado a tratar) e, dizem outros, finalmente, que não há onde ir buscar mais dinheiro. Não há forma de pagar a dívida indo buscar apenas dinheiro à despesa. As instituições estrangeiras avisam que assim é: por aí a coisa não vai lá. Segundo podemos ler, de facto, no OE prevê-se que na renegociação das PPP, por exemplo, se irá recolher 200 milhões de euros... Pouco mais do que um simples jackpot do Euromilhões em dia mais gordo. Assim, de facto, a coisa não vai lá.
O primeiro ministro fica enxofrado quando lhe chamam ladrão. Terá razão, coitado. Acho, contudo, que, para evitar mal entendidos, estava na hora de ele explicar —muito devagar e sem perder a compostura que o cargo lhe exige— todo este absurdo, antes que o povo o conduza ao cadafalso.
Porque é isso que está mesmo em causa. Não vá ele ter dúvidas...

2012/10/10

Rigor científico

Todos os ex-presidentes da república se têm pronunciado contra o estado actual da governação, condenando-a de forma explícita. Ao fazê-lo, está também implícita uma crítica unânime à actuação do actual PR. Se tomarmos estas críticas pelo seu valor facial, a análise destes três personagens, digna da maior atenção, é certeira e demolidora.
Eanes diz que "um país que se preza não deixa cidadãos em dificuldades," acrescentando em jeito de alerta que "quando não há unidade num país, os homens passam muito rapidamente da resignação à indignação."
Sampaio faz notar que "se não se conseguir ver a luz ao fundo do túnel, a esperança desaparece, há pessoas dispostas a acreditar em tudo, e é por isso que os extremismos estão a florescer," advertindo ainda, cauteloso, que a "austeridade excessiva pode prejudicar terrivelmente a democracia."
Mário Soares, por seu lado, afirma que "o Governo está moribundo e ninguém o toma a sério. Nem os empresários nem os trabalhadores. Nem gente do Povo nem intelectuais, professores ou cientistas." 
Pelos vistos, nem todos os cientistas pensam assim. Manuel Villaverde Cabral, por exemplo, acha que não. Na sua opinião, as críticas dos presidentes são "populistas" e servem apenas para "afagar o ego daqueles que viram os seus rendimentos diminuir." Porque é que não tentamos ajudar o governo," pergunta, espantado, o sociólogo, já que tudo por que passamos neste momento é fatal e a solução está fora do nosso alcance? Por que é que não ajudamos o governo, se ultimamente ele até conseguiu uma extensão do período de pagamento, sem aumento do juro?
De facto, "por que é que não ajudamos o governo?" Ora aí está uma boa pergunta para o sociólogo responder em vez de fazer perguntas que, longe de credibilizarem o rigor do cientista, mais indiciam um raciocínio fatalmente esclerosado?