2009/07/09

Portugal de outra era

A vereadora Helena Roseta da CML criticou anteontem o facto de não haver um plano para combater o ruído na cidade. A crítica saúda-se e a preocupação pelo problema assinala-se.
Afinal ninguém liga nenhuma a este assunto. E, contudo, o problema do ruído continua a ser apontado como a disfunção ambiental número um (não só em Lisboa!). Helena Roseta revelou numa conferência de imprensa, onde apresentava os resultados de um estudo feito sobre o "repovoamento" da cidade com novos habitantes, que “há quem desista de morar na cidade por causa do excesso de barulho.” Roseta critica o vereador do pelouro porque anda a “apresentar o mapa do ruído da cidade há dois meses, mas não tem plano de acção.”
Repito: o alerta saúda-se e a preocupação assinala-se, mas tudo isto é escasso.
Quando, um dia, algum responsável político (seja a que nível for, local, regional ou central) for capaz de se debruçar sobre o problema do ruído, demonstrar sensibilidade e compreensão pelo que está em causa, apresentar um plano efectivo para tratar deste assunto e tiver capacidade para obter resultados, então sim, Portugal terá entrado numa nova era de modernidade, de verdadeira convivência democrática, será uma sociedade desenvolvida, onde prevalece o respeito pelos nossos valores comuns. Não a conversa bacoca dos ancestrais “heróis do mar”, mas algo de mais profundo, capaz de gerar os laços que podem fazer deste grupo de "galáticos" que é Portugal, uma equipa!
A solução do problema do ruído está nos antípodas de tudo o que é a prática política e social neste Portugal contemporâneo. Neste sentido, falar de "combate ao ruído excessivo" é alvejar um problema crucial,  paradigmático, que tem efeitos noutros aspectos da nossa vida colectiva. Tentar resolver o problema do ruído a sério, reflecte um novo olhar sobre o nosso mundo. Não parece, mas é...
O ruído não é um problema efémero. A solução das disfunções do ambiente sonoro não toleram improvisos de conjuntura, implica participação e um verdadeiro exercício democrático. Exige meios técnicos, jurídicos e financeiros, certamente, mas também sentido de responsabilidade, cultura do respeito, sensibilidade, visão abrangente, capacidade de criação de laços de solidariedade colectiva e, por tudo isto, autoridade para eliminar os mitos patetas que povoam a cabeça das pessoas sobre esta matéria. 
Actuar nesta área implica conhecer a fundo a natureza e a complexidade do problema. Implica saber do que se fala. Implica saber o que é ser humano. Não dá para improvisar e atamancar: mal a solução improvisada ou atamancada é implementada o problema volta de novo a surgir, ainda mais assanhado. As soluções levianas, concebidas para calar conjunturalmente as bocas das vítimas, custam caro a quem as tenta e são trágicas para quem lhes tem que sofrer as consequências.
Ao escrever o parágrafo acima parece que estou a descrever um manual da prática política contemporânea...
Ora, um ambiente sonoro desequilibrado é intolerável. E atinge todos. Não é um problema sectorial que só diz respeito a um grupo específico. É como a mosca do poema do António Aleixo. Todos necessitamos de um ambiente sonoro equilibrado. As pessoas sentem-no, sobretudo, quando deixam de o poder disfrutar. 
O reequilíbrio do ambiente sonoro não é matéria (só) do foro da engenharia e da medicina, (só) do foro cultural, (só) do foro afectivo, ou (só) do foro da comunicação. É mais do que isso e exige atributos que os responsáveis políticos não têm.
Será que estão mesmo dispostos a resolver o problema?
Uma plano para reduzir o "excesso de ruído" é muito mais do que meia dúzia de slogans para ganhar mais uns votos. Querem saber uma coisa? O ruído é mesmo um problema e a sua solução é mesmo um desafio. Mas implica uma atitude perante todo o nosso ambiente envolvente totalmente nova. Tão simples quanto isto...

2009/07/08

A Sanfoneira

Um dos meus instrumentos de "culto" sempre foi a sanfona, igualmente conhecida por "hurdy gurdy", "vielle à roue" ou realejo. Grandes "sanfoneiros" da actualidade são, por exemplo, os franceses Valentin Clastrier e Patrick Bouffard, ou Marie Yacoub (Bretanha) e Maurízio Martinotti (Itália), não esquecendo os portugueses Tentúgal (Vai de Roda) Fernando Meireles (Realejo) e Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa), todos instrumentistas que aprecio e cujas carreiras acompanho de há muitos anos a esta parte.
Neste firmamento de notáveis músicos surgiu, recentemente, uma nova estrela: Sónia, a "sanfoneira" de Alpiarça. Não que ela (que se saiba) tenha alguma vez tocado o referido instrumento; mas porque foi capaz de nos "dar música" horas a fio, sobre um assunto investigado até à exaustão durante meses e sobre o qual ninguém naquela Comissão Parlamentar de Inquérito parece ter dúvidas. À excepção da Sónia, encarregada da redacção do relatório final, que conseguiu a fantástica proeza de extrair uma conclusão diferente da opinião da maioria dos partidos representados na Comissão e isso, temos de concordar, é obra!
Acontece que, Sanfona, para além de deputada, é candidata à Câmara de Alpiarça nas próximas autárquicas. Caso não seja eleita, perde igualmente o lugar de deputada, do qual deve abdicar devido à incompatibilidade dos cargos. Uma contrariedade de monta. Logo agora que ela tinha feito um bom "serviço" ao Partido Socialista na tal Comissão de Inquérito. Uns mal-agradecidos, estes "socialistas". É caso para dizer, tanta "música" para nada...

2009/07/06

Memorial

No passado fim-de-semana, esteve entre nós uma delegação constituida por catorze catalães, membros da Asociacion LiberPress, com sede em Girona. O motivo da visita foi a atribuição do prémio anual com que esta associação "distingue a título póstumo uma personalidade que tenha lutado pela dignidade e os direitos humanos e cujo percurso de vida possa servir de exemplo à sociedade". A LiberPress foi criada em 1999 e o 1º Prémio Memorial, instituido em 2008, foi concedido à fotógrafa, de origem húngara, Gerda Taro (mulher de Frank Capra), falecida em 1937 num acidente perto de Madrid. O segundo Prémio Memorial foi, este ano, outorgado a José Afonso.
A delegação da LiberPress, chefiada pelo seu presidente Carles McCragh e o presidente da Deputation de Girona, Eric Vibert, visitou ainda a campa de José Afonso em Setúbal, onde procedeu à entrega simbólica da placa que assinala o Prémio. Estiveram presentes, para além de amigos do cantor, a filha Helena Afonso, Francisco Fanhais e Adelino Gomes, na qualidade de presidentes da Direcção e da Assembleia-Geral da AJA e Maria das Dores Meira, presidente da Câmara de Setúbal. A notícia detalhada e as fotos da homenagem podem ser vistas no sítio da associação.
Esta foi a primeira vez que visitei a última morada do Zeca, com quem tive o privilégio de conviver durante muitos e bons anos. Enquanto ali estivemos não pude deixar de pensar nas manifestações de pesar que amanhã, por todo o Mundo, acompanharão um grande ídolo da Pop, recentemente falecido e justamente homenageado no seu país. Como bem notou Adelino Gomes, no improviso que fez, nem só de barulho se fazem as homenagens. O silêncio do cemitério de Setúbal convida-nos à reflexão sobre a mais importante mensagem do Zeca. A mensagem da solidariedade. Também por isso, resolvi escrever este pequeno "post" que mais pretensão não tem do que lembrar os artistas portugueses que tão mal tratamos. Em Setúbal, no passado sábado, todos nós nos sentimos um pouco mais espanhóis.