2022/04/19

Portugal visto de Espanha...

 

É sempre bom o distanciamento do país real, pois ajuda a perspectivar questões que nem sempre merecem a atenção dos indígenas. Não acontece todos os dias, mas o diário "El País", publicou ontem (18 de Abril), três artigos (3) onde se fala de Portugal e nem sempre pelas melhores razões. 

Porque as matérias são importantes, ainda que independentes, detenhamo-nos em cada uma delas: 

A primeira diz respeito aos preços de energia eléctrica, praticados em toda a União Europeia e à recente proposta conjunta, de Espanha e Portugal, para rebaixar (durante o corrente ano) o preço da electricidade na península ibérica, a troco de uma sobretaxa da energia, importada de França, como compensação. "Como os governos espanhol e português anunciaram, o seu propósito é estabelecer um preço máximo de 30 euros por MegaWat hora (MWh) no preço de gaz usado na geração de electricidade, para que não contagie o resto das fontes energéticas (mediante as discutíveis subtaxas marginais, que fixam os preços de todas ao nível das mais caras) e poder assim baixar o preço final da luz nos lares e nas empresas" (El País, d.d.18/04/22). Tal medida, ainda que defendida pela presidente da Comissão, não tem sido bem acolhida pelos restantes países da União, o que provocou um "braço de ferro" entre os países ibéricos e os técnicos da Comissão, em vésperas de assinar um duplo-documento que prevê, por um lado, a fixação de preços máximos da energia (e dessa forma aliviar o consumidor final); e, por outro, compensar a França, da qual a península ibérica só depende em 2,8% da sua capacidade. Ou seja, aplicar dois preços, um interno e outro externo, à energia importada. O argumento do "lobby" de energia é conhecido: ao baixar os preços, os países ibéricos competem de forma desleal com os preços praticados no Norte europeu. Esquecem que os preços praticados na península (relativamente ao poder de compra de portugueses e espanhóis), foram sempre mais altos do que na maioria dos países europeus do Norte. A querela está longe de resolvida e aguardam-se decisões finais.

A segunda notícia, diz respeito ao negócio de passaportes (leia-se, nacionalidade), emitidos nos últimos dez anos, ao abrigo de uma Lei de 2009, que permite aos descentes de judeus portugueses sefarditas (independentemente da sua residência ou nacionalidade) obter a nacionalidade portuguesa, bastando para isso apresentar um documento que prove (!?) a sua ascendência judia e interesses (sentimentais, comerciais ou outros) em Portugal...A correspondente do "El País" em Portugal, publicou um texto, onde o tema é extensamente abordado, que se inicia assim: "O português mais rico do Mundo chama-se Román Abramóvich (actual dono do Chelsea). A imprensa portuguesa ironiza sobre o assunto, sempre que tem oportunidade, desde que o jornal "Público" denunciou que o multimilionário russo obteve a nacionalidade portuguesa em Abril de 2021, aproveitando a via aberta, na Lei da Nacionalidade, para os descendentes dos sefarditas  expulsos de Portugal em 1496 pelo rei D. Manuel I. O oligarca que, antes contratava Lady Gaga para concertos privados e agora tem os seus iates confiscados em vários portos ocidentais, devido às sanções provocadas pela invasão russa, é um dos 56.686 judeus, a maioria residente em Israel, que se converteram em portugueses entre 2015 e 2019" (...) "Cerca de 90% dos 137.087 pedidos apresentados nestes seis anos, partiram da Comunidade Judaica do Porto, a única (para além da Comunidade Judaica de Lisboa) autorizada legalmente a emitir certificados para obter a nacionalidade portuguesa. As suspeitas centram-se na comunidade do Porto, que viu crescer o seu poder financeiro e institucional desde que foi aberto o processo dos sefarditas. O seu rabino, Daniel Litvak, foi detido em Março e, no mesmo mês, foram abertas investigações pelo Tribunal Português. (...) A polícia desconfia que foram desviados 35 milhões de euros em doações recebidas pela organização religiosa. O segundo acusado, é o advogado Francisco Almeida Garrett, director da Comunidade Judaica do Porto e sobrinho da deputada e ex-ministra da saúde, Maria de Belém (PS), que defendeu uma lei mais tolerante para os sefarditas, negando que o seu trabalho legislativo tenha favorecido o familiar" (El País, d.d.18/04/22). Este caso era conhecido e foi trazido ao conhecimento público por outra deputada do PS (Constança Sá e Cunha) que, ao apresentar uma proposta para alterar a Lei de favorecimento dos Sefarditas, sofreu pressões de diversos "históricos" do seu partido, entre os quais Maria de Belém, Manuel Alegre, Vera Jardim e Alberto Martins. É caso para dizer: um quarteto de respeito ou, a Maçonaria, no seu melhor! 

Finalmente, o terceiro artigo, "La Izquierda frente al Apocalipsis", onde o autor (Juan Luis Cebrián), num longo ensaio, analisa as eleições francesas à luz do crescimento dos partidos e movimentos de extrema-direita por toda a Europa (Marine Le Pen, etc.) e a crise ideológica das esquerdas em geral, cujos partidos socialistas (em França, Itália e Grécia) deixaram de ser alternativa para os votantes. Cebrián baseia parte da sua argumentação na tese do historiador inglês T. J. Clark que, em artigo publicado na New Left Review, com o premonitório título "A uma esquerda sem futuro", antevê um futuro de violência nas sociedades ocidentais, onde os cidadãos, habituados a viver em democracia, se revoltariam contra a sociedade, procurando a cada momento testar os seus limites. Uma espécie de "doença infantil", da qual parecem padecer muitos dos líderes e partidos actuais. Neste deserto de ideias e objectivos, onde as satisfações mais básicas nunca parecem estar satisfeitas, as atitudes mais comuns são a apatia (desinteresse) ou a violência (fascismo) como alternativa. Pese o seu pessimismo, relativo aos partidos sociais-democratas europeus (excepção feita aos países escandinavos, onde prevalecem coligações liberais e partidos ecologistas), Cebrián vê uma "luz ao fundo do túnel" na península ibérica onde, apesar da regimes diferentes, a esquerda democrática se mantém no poder: "Só Portugal e Espanha parecem ser bastiões da resistência socialista, com uma diferença substancial: em Lisboa, o partido levou a cabo políticas de moderação que valeram a António Costa a renovação do posto de primeiro-ministro com maioria absoluta. O espanhol é, na realidade, um governo de Unidade Popular, que incorpora a extrema-esquerda e restos do partido comunista, que se sustém graças ao apoio de outros extremismos identitários e ideológicos" (El País, d.d.18/04/22). Para o autor, resta um conselho: "Se a social-democracia quer recuperar o imenso terreno perdido no continente, deveria aprender a lição portuguesa: a moderação é a base do triunfo e o reformismo é uma maneira de fazer a revolução". E esta, hein?