2024/04/24

25 de Abril, sempre!


 

Grândola vila morena, Terra da fraternidade  

O povo é quem mais ordena, Dentro de ti ó cidade

 

Dentro de ti ó cidade,  O povo é quem mais ordena 

Terra da fraternidade, Grândola vila morena

 

Em cada esquina um amigo, Em cada rosto igualdade

Grândola vila morena, Terra da fraternidade

 

Terra da fraternidade, Grândola vila morena

Em cada rosto igualdade, O povo é quem mais ordena

 

À sombra de uma azinheira, Que já não sabia a idade

Jurei ter por companheira, Grândola a tua vontade

 

Grândola a tua vontade, Jurei ter por companheira

A sombra de uma azinheira, Que já não sabia a idade 


Autor: José Afonso

2024/04/23

O "25 de Abril" visto de Espanha

Quando, no dia 25 de Abril de 1974, os militares portugueses derrubaram um regime fascista de 48 anos, a Espanha vivia sob outra ditadura, que só viria a terminar com a morte de Franco, a 20 de Novembro de 1975. A partir dessa data, o chamado "processo de transição" espanhol, decorreu praticamente em paralelo com o português pelo que, em 1976, já era possível falar de uma Ibéria democrática. 

Pesem as especificidades de cada um dos regimes (a ditadura portuguesa mais longa e envolvida numa guerra colonial que durou 13 anos e causou dezenas de milhares de mortos e exilados; a ditadura espanhola, saída de uma guerra civil fratricida, entre 1936 e 1939, a que se seguiu um dos períodos mais repressivos da sua história recente), a verdade é que o balanço, após todos estes anos, é positivo, pelo que deve ser lembrado e, mais do que tudo, comemorado.

Teremos, assim, dois anos de comemorações de ambos os lados da fronteira, que se estenderão ao longo de 2024 e 2025, destinados a assinalar as datas mais importantes da instauração da democracia em Portugal e em Espanha. 

Para quem segue de perto a actualidade espanhola, é grato verificar a atenção que "nuestros hermanos" têm dado a Portugal, nos dias que correm. Para além dos factos, que vão marcando a agenda política portuguesa (demissão de Costa, eleições antecipadas, crescimento da extrema-direita e constituição do novo governo), constatamos uma cobertura atenta do caso "influencer" e das suas consequências para a eventual candidatura de Costa a um cargo europeu, que tem como um dos seus maiores apoiantes, Pedro Sanchez, o actual primeiro-ministro espanhol. Interesses comuns, portanto. 


Outra coisa, bem diferente, é a comemoração dos "50 anos do 25 de Abril". O suplemento literário "Babelia" (El País), dedicou-lhe um número especial, sob o título: "La libertad llegó en Abril hace 50 años. La Revolución de los Claveles tumbó en Portugal la dictadura más longeva de la Europa occidental y aceleró la transición española. La magia de aquel golpe pacífico se conmemora en libros, conciertos y exposiciones". São diversas páginas, onde Tereixa Constenla (correspondente do El País em Portugal), descreve em pormenor as múltiplas iniciativas a decorrer por estes dias em Lisboa: desde as grandes exposições fotográficas de Eduardo Gageiro e Alfredo Cunha, aos concertos nas principais salas lisboetas e às edições em livro, de tudo um pouco escreve Tereixa. 

De assinalar ainda, a edição espanhola de diversas obras relacionadas com a efeméride. Destaque para a tradução de "Fado Alejandrino" de António Lobo Antunes, "Mojar la Pólvora" de Alfonso Domingo, "La Revolución de los Claveles" de Diego Carcedo e "La revolución amable" de Ricardo Viel. Previstas para Maio, estão ainda as traduções de "La ciudad de los prodigios" de Lídia Jorge (actualmente cronista do El País) e "Fábrica de Criadas" de Afonso Cruz.  

Também a rádio fez um programa sobre as canções que marcaram a revolução, onde podiam ouvir-se as vozes de José Afonso, Sérgio Godinho, Vitorino e João Afonso, para além da história sobre a escolha da senha para a operação militar (Grândola) e do seu estratega Otelo Saraiva de Carvalho. 

No próximo dia 25, o restaurante "Uma Casa Portuguesa" de Sevilha, associa-se às comemorações, com um jantar especial, onde as cantoras locais Emma Alonso e Rosario Solano, interpretarão canções alusivas à data. José Afonso, fará parte da ementa.

Para quem acha que "de Espanha nem bom vento, nem bom casamento", é tempo de descobrir o que nos irmana. A democracia, ora aí está! 

2024/04/07

Taxi Driver (32)

Boa tarde, para a estação de autocarros de Sete-Rios, sff.

- É para entrar na garagem?

Pode ser. Tanto faz, já que a distância é curta.

 - Vamos lá, então. Finalmente, parece que chegou a Primavera...

É verdade, já não era sem tempo. Estava farto de chuva, ainda que faça falta...

- Pois faz, mas isto agora anda tudo trocado. Já não há estações do ano e a culpa é toda nossa. O Homem dá cabo de tudo...

Bom, o Homem é como quem diz...alguns homens, talvez...

- Há pessoas que só pensam nelas. Querem tudo para si. A ganância, é terrível.

É verdade, mas nós dizemos sempre que os "outros" é que são culpados. Nós nunca fazemos nada de mal. Somos os "puros". Quem são os "outros"? Os "maus da fita", os políticos que nos governam? Bem, é uma hipótese, mas quem os escolheu, não fomos nós? Do que é que nos queixamos, agora? 

- De mim, não é, porque não voto. Deixei de votar há mais de 10 anos...

É uma escolha. Tem direito a recusar, mas não sei se será a melhor escolha. Assim, será sempre governado pelos mesmos de quem diz mal...

- O senhor sabe quanto é que recebem os partidos por cada voto?

Penso que sim, à volta de 4 euros, se não estou em erro...

- Oito euros! Oito, por cada voto. Agora, multiplique por milhões de votos e veja só...

Sim, é bastante dinheiro, de facto. Fora as ajudas de custo, as mordomias (habitação, carros, etc...). Quantos mais votos, mais apoios. É proporcional. Até há um partido, que elegeu deputados, que  recebem 3800euros e que criticam quem recebe 189euros por mês...

- Ora essa, quem é que diz isso? 

Não sabe? Os deputados do partido racista, que recebe 4 milhões de euros de apoios estatais. Dizem ser contra o "sistema", mas, aproveitam-se dele. Ou seja, temos 50 "mafiosos" no parlamento, que dizem que os mais desfavorecidos da sociedade não devem ser ajudados pelo estado. Acha isso bem?

- Não, não acho, mas quem é que ganha assim tão pouco?

Olhe, por exemplo, os dependentes do RSI (Rendimento Social de Inserção), os mais desfavorecidos da sociedade.

- Isso, do rendimento mínimo, tem muito que se lhe diga...veja os ciganos...

Os ciganos? Não me diga, que também acredita nessa treta dos ciganos viverem à conta do RSI?

- Então, não é verdade? 

Não. Não é verdade. Sabe quantos ciganos há em Portugal?

- ....?....

Não sabe? Eu digo-lhe: de acordo com o Observatório Europeu de Minorias, existem à volta de 52.000 ciganos em Portugal. Ou seja, 5% da população total. Ainda de acordo com os dados da Segurança Social, existem cerca de 135.000 pessoas a receber o RSI em Portugal. Sabe, quantos dessas pessoas, são ciganas? Cerca de 6.000! Ou seja, 4% do total. Acha que é isso que arromba as finanças em Portugal?

- Eu não sei, mas é o que dizem...

Ah, sim? Então responda-me lá: conhece algum cigano no governo de Portugal? Já viu algum ministro ou secretário de estado, cigano? E nos bancos, conhece algum banqueiro cigano? E nas televisões e nos jornais, já viu ou ouviu falar de ciganos nas redações de jornais? Não viu, claro. A razão é simples: os ciganos têm menos educação escolar e são discriminados na procura de emprego e na habitação. A maior parte deles trabalha, só que em trabalhos mal remunerados e vivem em casas insalubres, porque ninguém lhes quer dar emprego ou alugar uma casa. A população cigana é a que mais doenças tem. Talvez não saiba, mas a idade média de vida dos ciganos é de 60 anos, muito abaixo da esperança de vida de um português médio, que é de 76 anos...

- A raça deles, é toda assim...

A raça deles? Mas, os ciganos são portugueses, como o senhor e eu. Qual é a diferença? Terem a pele mais escura, ou uma cultura diferente? Já agora, aproveito para informar que só há uma raça, a raça humana. Somos todos humanos. Se não acredita em mim, basta consultar a NET e informar-se. Estão lá todos os dados que necessita. 

- Já vi que defende os ciganos...

 (!?) Defendo todos os cidadãos, ciganos ou não, que são discriminados. O que eu não defendo, são partidos racistas e xenófobos, que apoiam o fascismo. Aconselho-o a ler menos o "Correio da Manhã" e a ver menos a CMTV. Já agora, leia mais, informe-se melhor e deixe de acreditar nos vendedores da "banha da cobra". Acabou a conversa e a "corrida". Quanto é que lhe devo?

- São 7 euros e 20 cêntimos.

Bom dia e passe bem. 

   

2024/04/04

Governo novo, Logo velho



Menos de um mês após as eleições legislativas, que deram a vitória à coligação de direita (AD), o novo governo tomou posse esta semana. 

Pelo meio, a contagem de votos do círculo de emigração (4 deputados) e um final renhido, a exigir um "photo finish" digno de prova de atletismo (88 mandatos para a Direita Democrática, 92 para a Esquerda Democrática e 50 para a Extrema-Direita populista). Dado que, ao contrário dos plebiscitos anteriores, a disputa não se resumiu a dois partidos, a grande incógnita residia nas coligações possíveis, uma vez que eram três os cenários prováveis: uma coligação alargada de direita (AD+IL+Chega) que garantia uma maioria confortável na AR (138 deputados); uma coligação minoritária de esquerda (PS+BE+CDU+Livre+PAN) insuficiente para formar maioria (92 deputados) ; e uma coligação minoritária de direita (sem o Chega) igualmente insuficiente para formar maioria (88 deputados). 

Consultados os partidos, o Presidente da República decidiu em conformidade: indigitar o partido mais votado (AD) para governar, de resto uma prática decorrente do próprio texto constitucional, que prevê o convite do PR ao partido vencedor para constituir governo e apresentar um programa governamental, sujeito a posterior aprovação parlamentar. 

A decisão do Presidente, ficou desde logo facilitada pela posição do Partido Socialista que, na noite eleitoral, anunciou não pretender governar, mas querer ser oposição. A razão desta decisão parece óbvia: mesmo tendo mais deputados do que a Direita Democrática, a Esquerda Democrática sabia que um governo de esquerda não passaria, dada a maioria da direita existente na AR.

Restava o Chega, que não tendo suficientes deputados para governar, só o poderia almejar em coligação com a AD. Acontece que a AD (e a IL) sempre se recusou governar com a Extrema-Direita, dadas as suas propostas inconstitucionais e anti-democráticas, sugerindo inclusive uma "cerca sanitária" ao partido fascista.

Perante os cenários possíveis, Montenegro decidiu aceitar o repto (também porque ganhou as eleições) sabendo que o esperam negociações difíceis (à esquerda e à direita), que lhe permitam "levar o barco a bom porto". Desde logo, tentando cumprir as promessas feitas durante a campanha eleitoral (que incluem satisfazer as reivindicações corporativas de professores, polícias e médicos), não esquecendo o investimento público em sectores como a habitação, a saúde, a educação ou a justiça, para nomear os mais urgentes.

Uma tarefa hercúlea para qualquer governo, independentemente da sua cor política, para a qual não chegaria uma legislatura de 4 anos, quanto mais um mandato que se prevê curto (dadas as contradições entre os diversos blocos que, neste momento, disputam a arena política portuguesa).

Acresce que, para além das boas intenções e dos "cofres cheios", que o anterior governo deixou em herança, Portugal não passa de um peão no xadrez internacional, sem qualquer peso político ou económico de relevo. Na actual conjuntura, em que os apelos à guerra se fazem ouvir dos lados de Washington e Bruxelas, não tardará que os portugueses sejam chamados a contribuir com mais dinheiro e soldados, para "defender o Ocidente" (leia-se interesses americanos na Europa). A NATO, hoje reunida para comemorar mais um aniversário, espera um aumento da contribuição do PIB nacional (2%) para os cofres da Aliança e, no ministério da defesa, discute-se abertamente a reintrodução do serviço militar obrigatório (!?). A psicose da guerra está em curso e, como na história do lobo, tantas vezes nele se fala, que um dia ele aparece...

Também para este facto, Marcelo (que não dá ponto sem nó) advertiu no seu discurso de posse do governo. Lá estiveram todos, com a "pompa e a circunstância" dos momentos solenes. Todos não, alguns faltaram (vá lá saber-se porquê...) e outros, nem sequer foram convidados, como o fadista Da Câmara Pereira, o "patinho feio" da coligação vencedora. Não se faz...  

Iniciada a governação, o novo executivo não perdeu tempo: como primeira "grande" medida (!?) o Logótipo governamental foi alterado. Ou melhor, voltou ao que sempre foi (o escudo, a esfera armilar e os cinco castelos). Sim, que com a "pátria" não se brinca. Só faltava mesmo "mexer" em Deus e na Autoridade...   

2024/03/12

Uma outra leitura urgente das eleições de 10 de Março


Ontem, num dos directos das intervenções finais dos líderes partidários, o cavalheiro, que aqui não vou nomear, que parece ter-se atribuído o  papel de capo do “bom povo português” afirmou, com pose estudada e perante o aplauso dos seus pares, que o seu partido reduziu “a extrema esquerda à sua insignificância.” Mas acrescentou, logo a seguir, que conquistou “eleitorado de direita e do centro-direita no centro e no norte do país.” Para ele, a eleição de domingo foi “um ajuste de contas com um país silencioso (…), de muitos que viram a esquerda dominar todas as nossas instituições, sem que houvesse qualquer pensamento crítico ou contraditório.” Disse ainda que “este país cujas instituições foram sequestradas, começará agora a ser libertado, pouco a pouco, em todas as instituições (sic)” E, rematou, “começaremos já amanhã a libertar Portugal da esquerda e da extrema esquerda.” 

É preciso ver estas afirmações pelo significado que, efectivamente, têm. Não se trata de conversa fiada. O tom e a pose revelam, sem margem para dúvida, ao que vem.

Não é preciso ser particularmente inteligente para perceber o alcance de tudo isto, o quanto esta conversa cai fora do funcionamento legal dos princípios da República, quem está ameaçado por este posicionamento terrorista e quais as consequências que, a qualquer momento, este palavreado pode ter para a nossa Democracia e para a vida das nossas comunidades. O fundo sonoro da bota cardada ouve-se distintamente. As afirmações do führer de Algueirão, feitas assim, às escâncaras, perante a escandalosa passividade de todos os partidos e instituições democráticas, não podem ficar impunes. E que triste exemplo de modelo nos estamos a permitir a dar à juventude, quando deixamos que uma figura deste calibre se dê ao luxo de se exibir desta forma!

Só há um responsável por termos batido tão baixo na nossa Democracia. Está na foto oficial. Só há um responsável pela total perda de controlo sobre todo este processo. Só há um responsável por termos visto um governo, legitimamente eleito, com maioria absoluta, tombar a meio do seu mandato. Só há um responsável por toda a confusão que está neste momento gerada, que dá azo a intervenções como aquelas que cito no início. E se tudo isto foi, como se diz por aí, instigado por esse responsável, essa manobra inqualificável, no vocabulário político, só tem um significado possível. 

A figura, politicamente já toda esfarelada, que habita transitoriamente o Palácio de Belém, tem contas a prestar aos Portugueses. Sem metáforas, sem jogos florais ou malabarismos de linguagem, cumprindo tão somente a Lei. É bom que o faça, e já. 

2024/03/11

Uma vitória de Pirro e um imbróglio presidencial


Os portugueses foram a votos e os resultados são conhecidos:

A Aliança Democrática (AD) ganhou por uma "unha negra" (29,5%) e conseguiu 79 deputados.

O Partido Socialista perdeu por uma "unha negra" (28,7%) e conseguiu 77 deputados

O Chega, foi o grande vencedor da noite (18,1%) e quadruplicou os deputados (48) 

A Iniciativa Liberal (5,1%), o Bloco de Esquerda (4,5%) e o PAN (1,9%), mantiveram o mesmo número de deputados (respectivamente 8, 5 e 1).

O Livre foi o segundo vencedor da noite (3,3%) e quadruplicou os deputados (4)

A CDU (3,3%) foi o segundo grande derrotado da noite (4 deputados). 

A abstenção foi de 33,8%, uma diminuição relativa a 2022 (42%). 

Contas feitas, a Direita (AD/IL/Chega) tem 135 deputados e a Esquerda (PS, BE, Livre, CDU e PAN), tem 90 deputados. Nestas cálculos, não estão incluídos os votos pelo Círculo de Emigração (4 deputados).

Surpresa pelos resultados? Só parcialmente. 

Há semanas que as sondagens apontavam para uma tendência de vitória à direita, com crescimento exponencial do Chega e uma disputa cerrada entre os dois maiores partidos (PS e AD). Restava saber qual a composição final do Parlamento, já que a entrada do Chega para o governo é altamente improvável. Neste capítulo, a Esquerda (90 deputados) tem mais deputados do que a Direita Democrática (87), mas não pode crescer mais, enquanto a AD pode crescer à sua direita. 

Resta saber, qual será a decisão de Marcelo, após ouvir os partidos com representação parlamentar. 

De acordo com a tradição, o presidente da república, convida o partido mais votado para formar governo. Acontece que, neste caso, nenhum partido conseguiu uma maioria, pelo que se não houver acordos entre partidos, o futuro governo terá de negociar à esquerda e à direita, para obter os consensos necessários à sua sobrevivência. Não parece fácil e, o mais provável, é haver eleições ainda este ano. 

Este é o dilema de Marcelo, que ao dissolver o parlamento em condições polémicas (ainda por esclarecer) arriscou uma solução estável que não resultou. Pior: a interrupção da legislatura a meio, não só não deu uma vitória clara ao seu partido (PSD) como ajudou a extrema-direita populista a crescer mais do que o desejado. 

Marcelo, o criador de factos políticos, pode ter ficado prisioneiro da sua própria estratégia: queria a direita democrática no poder e arrisca-se a perder o controlo dos acontecimentos, caso Montenegro dê o dito por não dito (não é não) e negoceie à sua direita para poder sobreviver. 

Uma última palavra sobre a governação socialista. A maior responsabilidade por este resultado negativo é do PS, que teve todas as condições para governar (uma maioria absoluta, quatro anos de legislatura, apoios europeus, turismo e "contas certas"), mas não conseguiu resistir aos inúmeros casos que atingiram o seu governo, minado por episódios que acabariam por abalar a confiança dos portugueses. O episódio, despoletado pelo caso "Influencer", acabaria por ser a gota de água que fez transbordar o copo. Ainda que as acusações estejam por provar, a imagem da governação ficou definitivamente manchada e a demissão do primeiro-ministro foi apenas a sua consequência lógica.    

Resta, agora, esperar pela nomeação do próximo primeiro-ministro e do governo que vai dirigir. Uma tarefa ciclópica que não augura bons tempos. 

2024/03/08

Opções e Incógnitas de uma campanha inconclusiva


Termina hoje a campanha dos partidos concorrentes às eleições do próximo domingo. 

Após meses de agitação frenética, entre congressos partidários, eleição de novos líderes, debates e campanhas de rua, a pergunta que se impõe é esta: estarão os eleitores, hoje, melhor informados após a maratona iniciada há quatro meses?

Teoricamente, sim. Nunca como nestas eleições, a informação foi tão extensa e diversificada: da imprensa escrita às redes sociais, da rádio à televisão, dos cronistas aos "comentadores", que disputaram horários de "prime-time", atribuindo"notas" (!?) aos candidatos, houve de tudo um pouco. Não nos podemos queixar, ainda que questões importantes tivessem ficado por discutir. Discutiram-se temas como a saúde, a educação ou a habitação, mas faltaram outros, não menos relevantes: a guerra em curso na Europa, o papel de Portugal na UE, a inflação que afecta toda a zona Euro, as alterações climáticas e a seca no Sul do país, a desertificação do interior, a imigração, a cultura, etc...

Acontece que o panorama político português mudou. Se não radicalmente, pelo menos na intenção de voto. Desde logo, pelo número de partidos que, à "esquerda" e à "direita", disputam a arena política. Se até 2015, a situação era estável, com 5 partidos representados na AR, desde então (apesar do desaparecimento temporário do CDS) surgiram quatro novos nomes, o PAN, o Chega, a Iniciativa Liberal e o Livre. 

É esta maior diversidade, que explica a "pulverização" do voto, agora distribuído por oito partidos com possibilidade de eleger deputados. Serão os partidos mais pequenos a beneficiar, ao mesmo tempo que diminui a influência dos partidos tradicionais. Por outras palavras, Portugal "deixou" de ter dois grandes partidos do governo (PS e PSD) e passará a contar com três partidos de tamanho médio (PS, PSD e Chega), para além dos restantes cinco pequenos, que serão fundamentais nas contas finais para a formação do governo. 

Esta é a conclusão provisória das sondagens publicadas ao longo dos últimos meses, que demonstram uma tendência inequívoca: não haverá maiorias absolutas de nenhum partido (ou coligação), da mesma forma que o partido (ou coligação), que ganhar as eleições, não poderá governar sem alianças. Resta saber, que coligações poderão ser formadas e, em consequência, que governo terá mais viabilidade no longo prazo.

A acreditar na última "grande sondagem", da responsabilidade da CESOP e Universidade Católica, para o Público, TSF e Rádio Renascença, hoje mesmo tornada pública, as contas são fáceis de fazer (nesta projecção já estão incluídos os votos dos indecisos, que rondam os 16%):  

A direita (AD+IL) está à frente nas intenções de voto (34%) e deve ganhar ao PS (28%), mas não é líquido que possa formar governo, a menos que faça uma coligação com o Chega (partido com quem ninguém quer governar) o que lhe daria 56% de votos,   

Resta uma coligação dos partidos de esquerda (PS, BE, CDU, LIVRE e PAN) que podem somar 42% das intenções de voto, muito perto da maioria absoluta e suficiente para governar, uma vez que a soma dos partidos à esquerda é maior do que a dos partidos à direita (sem o Chega).

Neste quadro, ganha relevo a decisão do presidente da república que, como é seu hábito, "dá uma no cravo e outra na ferradura", afirmando que dará posse ao partido mais votado, mas não quer o Chega no governo (?). Descodificando: Marcelo (sempre hipócrita) não se importa que a direita seja apoiada pelo Chega (governo de incidência parlamentar), desde que o partido fascista não tenha ministérios...

Estes são os cenários e nenhum deles garante um governo estável. A confirmarem-se estas projeções, o próximo governo será de coligação e terá curta duração. Daqui a um ano, poderá haver novas eleições.

Domingo, saberemos mais pormenores. Até lá, boa reflexão e melhor votação.

2024/02/23

O José Afonso, da nossa memória

Na madrugada de 23 de fevereiro de 1987, fui acordado, em Amsterdão, por um telefonema de Lisboa. Era o Carlos Neves, um ex-camarada do exílio. Atendi, ainda estremunhado, e perguntei-lhe se aquilo eram horas de acordar uma pessoa...

"O Zeca morreu", foi a sua lacónica resposta. 

Depois de uma curta conversa, para saber pormenores do sucedido, passei a informar alguns músicos que, por coincidência, estavam alojados em minha casa. Na véspera, tínhamos organizado um concerto na sala "Paradiso" de Amsterdão, com o guitarrista Pedro Caldeira Cabral, a Brigada Victor Jara e a "Rusga da Serra D'Arga" (integrados no projecto "Portugal: Roots and Time") e uma parte dos intervenientes estava alojada em casas particulares.  

Lembro-me bem do efeito da notícia, que muitos de nós receava poder acontecer a qualquer momento, dado o estado de saúde do cantor, já conhecido de todos.

Seguiram-se as mais diversas histórias, contadas por quem de perto conviveu, no palco e na vida, com o Zeca. Das memórias, então evocadas, recordo um traço comum: a influência do seu exemplo e do seu legado, em todos nós.

Essa, é, de resto, a melhor homenagem que lhe podemos prestar: continuar, hoje, a divulgar a obra e o homem, em todas as suas vertentes - musical, poética e cívica.

No ano de todas as comemorações, José Afonso é, hoje, consensual e um nome incontornável. Sempre foi. Agora, mais do que nunca. Por isso, não o esquecemos. 

2024/01/28

Taxi Driver (31)

 


Boa tarde. Então, para onde vamos? 

- Vamos para a Buraca. 

Muito bem. Tem alguma preferência pelo trajecto?

- O melhor é seguir em frente, até às Amoreiras. Depois, entrar na A5 até Monsanto. Terá de ir ao Rato primeiro, mas, seguindo em frente, não pode entrar directamente na praça. Tem de passar pelo Príncipe Real. 

Pois é. Aquela praça está mal resolvida. Bastava fazer duas rotundas, uma no topo norte e outra no topo sul, e passarem as vias do "bus" para um dos lados. Só que está lá a sede do PS e eles não iam deixar...   

- O PS já está ali há muitos anos. Tem direitos adquiridos de "usucapião"... 

Mandam na cidade. Sempre mandaram. Já é assim há muitos anos. São os "barões" de Lisboa.

- "Barões", parece-me uma boa definição. Há lá muitos, sim. Mas não é só no PS...

Pois não. É em todos os partidos. Isto está uma selva. E depois admiram-se que a justiça seja lenta...

- A nossa justiça também não se recomenda. Precisa de uma grande reforma.

De que maneira! O senhor não vai acreditar, mas eu conduzo muita gente e uma das minhas clientes era uma juíza da relação. Ela tinha muitos processos entre mãos e alguns eram de gente importante. Pois, até a casa lhe vasculharam. Foram lá os agentes da PJ e viraram-lhe a casa do avesso...  Isto, no tempo do governo do PS!

- Acredito, mas se fosse assim, então não era a justiça que mandava na política, mas o contrário...

Quer mais um exemplo? Eu sou de Mação e a minha família dá-se muito bem com o juiz Alexandre, (processo "Marquês")  que tem lá uma casa. Nem imagina o que fizeram ao homem, depois de ele ter acusado o Sócrates! Fazem-lhe esperas, escrevem-lhe cartas e ameaçam-no pelo telefone. Uma vergonha!

- Talvez, no início do processo, mas ele agora teve uma vitória...

Uma vitória? Onde?

- O Ministério Público apelou da decisão do juiz Ivo Rosa e considerou a maioria das acusações do juiz Alexandre como válidas. O processo voltou à "estaca zero" e agora vai mesmo haver julgamento. 

E o senhor pensa que o Sócrates vai ser condenado?

- Não sei. Terá de haver julgamento e uma decisão final.

Isso é coisa para durar anos... e depois? Veja o que aconteceu ao Lula...

- O Lula foi julgado pelo juiz que instruiu o próprio processo, em primeira e segunda instância. O processo ainda não tinha transitado em julgado e ele já estava preso. Isso seria impossível em Portugal. Por isso, os acusados que têm dinheiro vão até ao Supremo, que é o último recurso. O Lula apelou da decisão para o Tribunal Superior da Justiça e este absolveu-o. A partir daqui não há mais recursos. É o estado de direito a funcionar. Podemos não concordar, mas é assim que deve ser uma democracia...

Mas, isso é para quem tem dinheiro. Eu andei 10 anos em processos, gastei todas as minhas economias e perdi o emprego. Passei muita fome e até dentes perdi...      

- Isso é que é mau. Lamento por si. Também sei o que são os tribunais de trabalho. Bem, já chegámos. Pode ficar por aqui. 

Boa tarde e obrigado pela conversa.

2024/01/26

2024, o ano do pato

A menos de dois meses de eleições legislativas, marcadas para 10 de Março, na sequência da demissão de António Costa e posterior dissolução do parlamento decretada por Marcelo Rebelo de Sousa, as máquinas partidárias desdobram-se na elaboração das listas de deputados e na afinação dos programas que irão apresentar no decorrer das próximas semanas. 

Um ritual conhecido, que não parece entusiasmar grandemente o "homem da rua", mais preocupado com as contas a pagar ao fim do mês, com o estado dos serviços de saúde, com a falta de professores ou com a escassez de habitação a preços razoáveis. Um ciclo infernal, que parece ter-se agravado nos últimos anos, apesar de resultados assinaláveis conseguidos na redução da dívida pública, na contenção do défice, no aumento do turismo, ou na redução do desemprego. Um país a duas velocidades, onde os sucessos macro-económicos não conseguem disfarçar as desigualdades gritantes da sociedade portuguesa.

Sim, é verdade que o PS, após 8 anos de governação, conseguiu a proeza de diminuir a dívida de 132% para cerca de 100% do PIB (a maior baixa da zona euro), reduzir o défice a menos de 1% e manter um crescimento económico acima da média europeia. Também é verdade, que beneficiou de um crescimento exponencial do turismo, que voltou aos valores de 2019 (antes da pandemia) e conseguiu reduzir a taxa de desemprego para menos de 6%, uma das mais baixas da última década. Esta é a parte do "copo meio-cheio". 

A parte do "copo meio-vazio", está relacionada com o "estado social", que os sucessivos governos deixaram degradar, ao ponto dos mais diversos sectores (saúde, habitação, educação e transportes), serem hoje um foco de contestação permanente, dos utentes ao pessoal que os servem. Tudo parece funcionar mal: o atendimento personalizado, a crónica falta de pessoal nos diversos sectores, os tempos de espera nas consultas e nas repartições do estado, a escassez de bens de primeira necessidade (a habitação é dos mais gritantes exemplos), a manutenção da ferrovia ou os preços exigidos por serviços, completamente desajustados do poder de compra do cidadão médio. Um rol de insuficiências e completo desprezo pelos contribuintes, que pagam impostos europeus, mas auferem ordenados romenos. Não é pois de estranhar que as mais diversas corporações, dos médicos aos professores, dos oficiais da justiça aos polícias, protestem um pouco por todo o país. Como se esta situação não fosse já de si grave, parte dos jovens a que pomposamente chamam "a geração mais preparada de sempre", continua a abandonar o país (a uma média de 70.000/ano) como não se via desde os anos sessenta do século passado. 

Para contrabalançar esta hemorragia de mão-de-obra qualificada, Portugal importa mão-de-obra barata estrangeira, que maioritariamente trabalha na hotelaria, restauração e agricultura, serviços que os portugueses (porque mais qualificados) se recusam a fazer. Sem eles, a economia portuguesa não poderia simplesmente funcionar. É graças a estes imigrantes, vindos de países tão diversos como o Brasil, Cabo-Verde, Ucrânia, Bangladesh, Paquistão ou Nepal, que a demografia (num país envelhecido como o nosso) é compensada por novos cidadãos, que ainda contribuem para o equilíbrio da Segurança Social (€1600 milhões em 2023). No entanto, nesta como noutras áreas, os governos portugueses seguem uma política laxista: convidam os estrangeiros a imigrarem para Portugal e procurar trabalho, sem lhes garantir qualquer tipo de garantias ou protecção. Muitos deles caem nas mãos de intermediários mafiosos, que aproveitando-se da sua vulnerabilidade (desconhecimento da língua e das leis) sujeitam-nos a condições infra-humanas e de verdadeira escravatura. 

É neste caldo cultural (crise social e económica que atinge cerca de metade da população activa) que surgem movimentos populistas como o Chega, um partido racista e xenófobo que, a exemplo de outros partidos congéneres europeus, fez das minorias imigradas (porque mais vulneráveis) o "bode expiatório" de todos os males da sociedade portuguesa. Começou por ser uma dissidência do PSD (partido de direita democrata), tornou-se um partido de protesto contra o "sistema" (ao qual sempre pertenceu), elegeu os ciganos como seu "ódio de estimação" e, porque ganhou visibilidade (mercê dos votos que entretanto granjeou), alargou a discriminação às minorias asiáticas muçulmanas. Um mentiroso compulsivo, o Ventura, sem qualquer ideia ou estratégia para o país, que se limita a seguir o guião dos populistas da extrema-direita internacional (Trump, Bolsonaro, Milei, Le Pen, Meloni, Wilders) a quem ninguém compraria um carro em segunda-mão. 

Até ver, o líder do Chega (um partido acéfalo que elege o "chefe" com maiorias albanesas) está a crescer. As últimas sondagens dão ao partido uma percentagem acima dos 16%. Poderá crescer mais, mas dificilmente será governo, dado que a direita mais tradicional (AD+IL) já declarou não querer governar com a extrema-direita (!?). Há, no entanto, razões para duvidar da política de alianças, caso as próximas eleições confirmem uma maioria de direita na Assembleia de República. Nesse caso, dificilmente Montenegro resistirá a governar, pois a alternativa é deixar de ser secretário-geral do partido. 

Um dilema para a AD, que só pode crescer à sua direita, agora ocupada pelo Chega. Como conciliar valores democráticos com ideias anti-democráticas? É verdade que o Chega, ainda não é "completamente" fascista. Mas, os sinais estão lá: um partido autocrático, onde o chefe é omnipotente nas suas decisões; a defesa da trilogia Deus, Pátria e Autoridade, usada até à exaustão por Ventura nos seus discursos; a simbologia utilizada (saudação romana dos nazis); as declarações xenófobas contra os estrangeiros (pobres) em Portugal; a defesa da Ordem, presente nos apoios às forças policiais através do sindicato Zero, que nunca escondeu a sua ideologia; o cerco à sede do PS no Rato, em clara violação da lei, etc. 

Não, o partido de Ventura, ainda não será "completamente fascista", mas, como nos ensinou Umberto Eco ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017) em que identificava 14 características do "Ur Fascismo" ou "fascismo eterno", não é necessário ter todas as suas características. Se tiver algumas delas, é caso para desconfiar. No fundo, é como a história do pato: voa como um pato, grasna como um pato, tem penas de pato, se calhar é mesmo um pato...