2010/11/10

Os agiotas

Portugal pôs hoje à venda mais títulos da dívida pública portuguesa. Teixeira dos Santos, o ministro a prazo, declarou não ter havido qualquer dificuldade em encontrar compradores e que tinha vendido por um bom preço (!?). O preço é indicado por Portugal, mas a taxa dos juros é fixada pelos investidores internacionais. Obviamente que os agiotas estão interessados em comprar. Quando o juro é alto, quem não quer comprar a dívida de um país falido? Imaginem o lucro gerado com juros a sete por cento?...
Os governantes portugueses devem pensar que somos todos parvos.

"Nós estamos no pensamento mágico"

João Cravinho, lá de longe, faz uma crítica arrasadora ao actual momento do país. Vale a pena ouvir a entrevista que deu à TSF (a parte mais interessante foi incluída no noticiário que pode ouvir aqui; terá de ter a paciência de deixar passar as notícias sobre a emissão de dívida pública e, sobretudo, as vulgaridades habituais dos "analistas".)
Cravinho chama a atenção para a questão central que Portugal enfrenta: não há uma única medida (uma única!) para fomentar o crescimento. E também não há culpados. Vogamos à bolina portanto, ou, como diz o ex-ministro e deputado deportado, "estamos no pensamento mágico". E sem timoneiro, o que é uma coisa verdadeiramente extraordinária.
Querem soluções? Ask the 8 ball...

2010/11/09

7%

Com a taxa de juros a sete por cento, Portugal atingiu hoje um número simbólico - que o próprio ministro das finanças considerou ser a barreira psicológica - após o qual o FMI poderia ser chamado a intervir no nosso país.
Não sabemos se é isso que vai acontecer, mas sabemos que a economia portuguesa continua a não crescer acima dos 0,8%, que o desemprego se mantém em 10,6% (a quinta maior percentagem europeia) que a dívida pública continua a crescer e que 4% do PIB são para pagar juros (qualquer coisa como 4 mil milhões de euros ao ano). De acordo com a análise do "Financial Times" de ontem, somos já o país mais pobre da Europa.
Ou seja, não se prevêem melhores dias a curto prazo e, a médio-prazo, como diria um famoso economista, estaremos todos mortos...
E agora, Teixeira dos Santos? Qual vai ser a próxima mentira?

Os "mercados"

Quando ouvir dizer a palavra "mercados" outra vez, lembre-se deste artigo, que reproduzo do NYT com a devida vénia.
Pense nas dificuldades que sente, nos cortes dos pequenos salários e pensões, pense nas notícias que se ouvem sem cessar, pense nos PECs, nos PIIGS, pense na austeridade, na "austera" Merkel, no "apreeensivo" Barroso, pense, sobretudo, na cara do Presidente da República, na cara do Primeiro Ministro, na cara do Ministro das Finanças, na figura do Catroga de telemóvel na mão e do seu staff sorrindo a compasso por trás dele, pense nos deputados do PS e nos da oposição na AR Portuguesa, na cara e no discurso dos dirigentes  dos diferentes partidos. Pense nos comentadores e "politólogos" que a toda a hora invadem o nosso espaço com os seus malabarismos verbais e pense na conversa com que nos enchem os ouvidos a toda a hora.
Pare um momento e pense em tudo isto. Clique depois na imagem e leia o artigo...
Garanto-lhe: é um exercício que vai mudar a sua vida!

2010/11/07

Notícias de outra cidade (2)

Doze dias em Amsterdão, sendo pouco tempo, permitem perceber algumas alterações de humor neste povo tradicionalmente cordial e afável. A cidade, que durante décadas ostentou o título de uma das capitais mais tolerantes da Europa, está a tornar-se da "cor" da estação do ano. O Outono é, por definição, mais cinzento.
Logo à chegada ao aeroporto, enquanto compro o bilhete de comboio que há-de transportar-me ao centro da cidade, a funcionária - já depois de ter-me atendido - repreende grosseiramente uma mulher muçulmana de meia-idade (que ousou perguntar-lhe uma informação, enquanto eu recolhia o troco do pagamento) obrigando-a a ir para trás de mim e esperar pela sua vez. É verdade que, formalmente, a funcionária tinha razão, mas duvido que usasse aquele tom de voz com um holandês.
Porque o sistema de controlo nos eléctricos é agora feito através de um cartão electrónico (chip-kaart) quem não o tiver terá de comprar um bilhete válido por uma hora. Nem todos os estrangeiros falam holandês, mesmo aqueles que vivem há anos nesta sociedade. Os muçulmanos (normalmente marroquinos) que não se fazem entender à primeira, correm sérios riscos de serem despachados com frases de duplo sentido, ditas entre sorrisos de escárnio e aparente amabilidade.
No dia da meu regresso a Lisboa tento, sem êxito, fazer o "check-in" numa das máquinas do aeroporto. O computador não reconhece o número da minha reserva e pede-me outra identificação. Introduzo o passaporte e recebo uma reserva com outro nome, ainda que com o mesmo apelido. Em desespero de causa dirijo-me a uma funcionária que tenta perceber o erro enquanto me pede o passaporte. Porque tenho cinco nomes não consegue atinar com o apelido. Explico-lhe que a reserva está feita em nome do primeiro e último nome. Ela tenta desesperadamente todos os apelidos e desiste, tentando enviar-me para outro balcão. Recuso e peço-lhe para tentar Rui Mota. Acede, contrafeita e, quando descobre o óbvio, vira-se para mim com ar de enfado e exclama: "com tantos nomes, não é para admirar que não encontre a sua marcação!". Refreio os meus impulsos para lhe responder à letra, pois não quero perder o avião e ainda tenho de tirar o cinto e os sapatos quando passar o controlo electrónico...
Os holandeses andam nervosos e a recente chegada ao poder de uma coligação de direita, apoiada pelo partido do xenófobo Geert Wilders, contribui para o aparecimento dos "little men" de que falava Willem Reich nos idos anos quarenta...

Não estou a falar sozinho

Vinha no carro a falar sozinho. Falava alto. É coisa que me acontece amiúde (falar sozinho!), e, em  especial quando estou a guiar, falo alto.
De repente, "dou um prego" na gramática. Uma troca na ordem correcta dos pronomes, fruto do ruído constante proveniente deste português abrasileirado que enche o ar nos tempos que correm. Emendei-me a mim próprio (sempre em voz alta...), escandalizado com o meu próprio "prego".
Depois, comentei discretamente para mim mesmo (desta feita já não em voz alta...), que estava satisfeito. Norma é norma e, mesmo a falar sozinhos, temos de ser exigentes. A infalibilidade não existe, mas a sua procura permanente, mesmo quando se trata apenas de colocar na ordem um pronome que tentou meter-se na bicha à má fila, é uma dessas exigências elementares.
Não sou certamente a única pessoa no mundo sozinha e não sou, seguramente, o único a falar sozinho. Há por aí muita gente, hoje em dia, só e a falar sozinha. Conheço muitos. E não serei, certamente também, o único a impôr-se a si próprio padrões exigentes de vida e de obediência a valores, gramaticais e outros. Conheço também muitos.
Podemos e devemos questionar todos os valores e estar atentos, sobretudo, àqueles que afinal o não são. Mas, uma vez discutidos e firmados, a eles temos de nos submeter, humildemente e em nome da coerência. Em nome da ordem correcta do pronome ou de qualquer outra norma, temos de obedecer à regra livremente estabelecida. É a regra do jogo.
Como não serei certamente o único a pensar assim, sou de opinião que nos devíamos juntar para fazer passar esta mensagem. Inevitavelmente, ao lutar pela regra dos valores, ao discuti-los, ao questioná-los primeiro, e, finalmente, ao aceitar o seu primado, vamos obter de imediato um mapa simples que desenha com clareza a fronteira entre os que, de um lado, querem fazer isto e os que, do outro, o não querem. Podemos depois mais facilmente discutir o que fazer com estes e vamos também conseguir distinguir, com maior precisão, de que "valores" falam quando, eles próprios, falam de valores.
O debate político em Portugal está a este nível. É mais ou menos básico e rasteiro, mas é o que se pode arranjar.
Não estou a falar sozinho, pois não?