2011/10/29

As contas de Relvas

Esta semana o governo desdobrou-se em declarações sobre o eventual desaparecimento do 13º mês que, actualmente, é pago na maioria das empresas em Portugal. O inenarrável Relvas foi mesmo mais longe e chegou a dizer que, em países como a Inglaterra e a Holanda, não existia sequer 13º mês!
Acontece que já trabalhei em ambos os países: em Inglaterra os ordenados são maioritariamente pagos à semana e, na Holanda, os trabalhadores recebem normalmente 8,5% de subsídio de férias em Maio.
A lógica é fácil de perceber. Tanto num como noutro país, os trabalhadores recebem o 13º mês, seja diluído no ordenado anual, seja como gratificação extra. No caso inglês, a soma dos ordenados anuais é calculado na base das 52 semanas (e não em meses de 4 semanas) enquanto na Holanda os 8,5% correspondem a um mês extra de ordenado.
E em Portugal? Suponhamos que um trabalhador português recebe €700 de ordenado mensal. Ao fim do ano receberá um total de €8400. Se acrescentarmos o 13º mês (+ €700) chegaremos a um total de €9100. Este cálculo não leva em conta que nem todos os meses têm 4 semanas (há meses com 20 dias de trabalho e meses com 22 dias). Se dividirmos o valor mensal (€700) por 4 semanas, chegaremos a €175 por semana. Ora basta multiplicar €175 x 52 semanas, para chegar aos mesmos €9100! Ou seja, o dito 13º mês corresponde aos dias que não são pagos durante os meses de 22 dias. No caso da Holanda, os 8,5% pagos em Maio, corresponde exactamente a um mês extra de ordenado (o 13º mês). Como diria um conhecido primeiro-ministro, "é só fazer as contas"!
Mas, será que esta gente pensa que somos todos burros?

2011/10/24

Cadáveres incómodos

Os vídeos que diariamente vão surgindo e nos mostram a captura e o corpo, já sem vida, de Kadhafi, confirmam o que se imaginava: o coronel foi assassinado pela turbe que o capturou, vá lá saber-se se a mando de alguém...
Esta é uma história que se repete amiúde, ainda que alguns ditadores tenham tido mais "sorte" do que outros: há aqueles, como Salazar, Franco, Pinochet, Estaline ou Mao, para quem a morte foi um alívio. Outros, como Hitler, que escolheram o suicídio, para não darem oportunidade aos seus inimigos de os julgarem; e há aqueles que não puderam escapar ao julgamento terreno. Kadhafi, faz certamente parte deste último grupo, onde podem ser incluídos títeres como Mussolini, Ceauscescu e Saddam, executados por populares ou tribunais que, de justiça, tiveram muito pouco.
Há ainda um quarto grupo, onde se incluem os "inimigos de estimação", como Guevara, Bin Laden e, porque não (?), o coronel líbio, que interessou manter vivo enquanto foi útil ao Ocidente. Kadhafi podia ter fugido da Líbia, como chegou a ser proposto por vários dirigentes africanos, seguindo o exemplo do presidente da Tunísia, exilado algures no Médio Oriente. No entanto, preferiu morrer no seu país, como de resto sempre afirmou. Isso não faz dele um personagem mais simpático, nem apaga o regime de terror que instaurou na Líbia onde ditou as suas leis durante mais de 40 anos.
O que é extraordinário nisto tudo é o cinismo e a hipocrisia dos dirigentes ocidentais que, após anos de convívio e amizade com o regime pária do coronel, lhe voltaram as costas quando perceberam que o vento estava a mudar no Médio Oriente.
Sim, a morte de Kadhafi era inevitável. De preferência, sem julgamento. Não tinha Hillary Clinton, aquando da sua visita à Tunisia, pedido aos "rebeldes" líbios a captura do coronel vivo ou morto? A semana passada, estes fizeram-lhe a vontade.

2011/10/23

Porcos

Depois de ter sido denunciado publicamente que as pensões dos antigos titulares de cargos políticos não iriam ser abrangidas pelas medidas restritivas do OE 2012, o ministro Vítor Gaspar reagiu apressadamente admitindo a rectificação dessa situação. Hoje foi a vez do ministro Miguel Macedo vir anunciar que renuncia ao subsídio de alojamento que lhe foi atribuido para pagar a sua casa de Lisboa (ele diz que vai "abdicar de um direito"), depois desta situação ter sido amplamente denunciada.
Foi preciso criar algum alarido para depois corrigir estes dois casos particulares e, muito provavelmente, se estas denúncias continuarem ainda abatemos mais uns milhões no défice do Estado.
O problema tem, porém, outras ressonâncias, talvez mais graves.
Para ordenhar a teta dos impostos até à última gota o governo não hesitou em criar, ele também, alarido à volta da ideia de que "vivemos acima das nossas possibilidades"! Repetida até à exaustão, a conversa lá vai convencendo os portugueses a aceitar o facto de terem de ficar sem os seus legítimos subsídios, salários, pensões, etc. Há muitos —muitos até, certamente, que nunca gastaram um tostão acima das suas posses— que repetem como papagaios e como se fosse uma prece sua, o slogan que lhes foi subtilmente gravado no inconsciente pela máquina da propaganda.
Fomos todos apanhados nesta rede, cuidadosamente tecida. Mas, infelizmente, não gozamos da mesma protecção que permite ao ministro Macedo vir impunemente, com ar convicto e num passe de mágica, transformar uma situação inquestionavelmente abjecta, protagonizada por um membro de um governo que saca tudo o que tilinta à sua volta, numa atitude eticamente louvável, quiçá, patriótica.
É que falta aos portugueses em geral a chance de escolher entre o deixar-se ou não esbulhar dos seus legítimos proventos e de poder dizer, como faz Macedo, que "por decisão pessoal minha, amanhã mesmo, vou formalizar a renúncia a este direito que a lei me dá."
Episódios como estes sintetizam bem o nojo que é a classe política portuguesa e a qualidade moral dos nossos governantes.
"Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros," decretavam os porcos da Animal Farm de Orwell. Temo que o fariseu Coelho acredite nisso e não venha, desta vez, pedir desculpas aos portugueses.