Encontra-se em exibição, numa sala de Lisboa, um filme assaz interessante. Trata-se do documentário "A autobiografia de Nicolae Ceausescu" (Ceausescu par lui-même) do realizador romeno Andrei Ujica. Na verdade, mais do que um documentário, trata-se de um verdadeiro "documento" sobre a ascensão, reinado e queda do ditador que governou a Roménia entre 1964 e 1989.
Contrariamente à maior parte dos documentários históricos, que seguem uma narrativa mais ou menos estruturada e onde, para além dos diversos pontos de vista, as imagens são frequentemente sublinhadas por uma voz "off", esta "biografia" de Ceausescu tem a particularidade de ser editada a partir das filmagens oficiais que o ditador mandava fazer de si mesmo. Ujica necessitou de quatro anos para visionar e editar mais de 1000 horas de filme, antes de chegar ao produto final, um condensado de 3 horas...
O documentário começa com o célebre julgamento de Nicolae e Elena Ceausescu, após a sua captura em Dezembro de 1989, dando depois início a um longo "flashback" sobre as principais fases do governo romeno. Destaque para os congressos do partido comunista, onde o culto do camarada Ceausescu atinge proporções faraónicas, só ultrapassadas pela sua visita à Coreia do Norte, onde o regime de Kim Il Sum lhe proporciona uma recepção ainda mais apoteótica. Inúmeros são, também, os visitantes ilustres que passam pela Roménia, desde De Gaulle a Nixon, da mesma forma que o filme mostra as viagens do casal Ceausescu aos EUA, a Inglaterra e à China, onde é recebido por Carter, a Rainha Isabel II e Mao Tse Tung.
Não faltam momentos de antologia, entre os quais as festas da "nomenklatura" romena e as caçadas do casal Ceausescu, nas quais o ditador dispara animadamente contra ursos e veados, alimentados em coutadas do regime. Um dos momentos mais hilariantes é a intervenção do camarada Parvulescu, que pede a palavra em pleno congresso do partido para se opor à reeleição de Ceausescu, acusando-o de manipular o Comité Central onde, mais uma vez, seria eleito. Do camarada Parvulescu nada sabemos, mas não nos custa acreditar que ele não tivesse sobrevivido ao fim do regime.
Num dos últimos discursos do filme, Ceausescu ensaia uma piada que os presentes, entre os quais a sua devota mulher, aplaudem demoradamente. Dizia ele, que o capitalismo nunca triunfaria na Roménia. Mais fácil seria ver um porco voar. E enquanto todos riam, ele avisava: "não se riam, que com os avanços da ciência genética, nunca se sabe o que o futuro nos reservará".
Vem-me à memória esta cena ao ouvir hoje o Nicolae da Madeira a justificar a dívida que contraiu à custa dos nossos impostos. Resta-me a esperança de ver a genética avançar de tal modo que os porcos possam voar.
2011/08/31
2011/08/30
Brandos ou lorpas?
Os portugueses são descritos frequentemente como um povo de brandos costumes. Na situação actual alguns autores e analistas afirmam que essa brandura de costumes está contudo em risco e que a tampa poderá saltar a qualquer momento, fruto da escalada da degradação de condições de vida para além do suportável. Duvido. O confronto não tem de ter necessariamente uma expressão violenta, mas pode e deve ocorrer se as circunstâncias o justificarem. Podemos ser brandos no confronto, mas isso não significa demitirmo-nos dele e, sobretudo, que tenhamos que ser lorpas. Ora, os portugueses não dão boas indicações neste domínio.
Veja-se o anunciado processo de privatizações. Já se lhe antevê um desfecho (se o desfecho vai ter ou não o sucesso desejado é outra coisa...) e creio que a maioria esmagadora dos portugueses ainda nem se deu conta do que aí vem, nem lhe adivinha as consequências.
Não falo nas privatizações dos bocados suculentos das empresas onde o Estado ainda ganha algum. Embora ache simplesmente estúpido e um acto de má gestão a perda de receitas seguras ou de posição estratégica em sectores como a energia, o transporte aéreo ou os seguros, por exemplo, nada disto me coloca dúvidas existenciais. Não se tratando de sectores vitais, parece-me um acto de simples incompetência deixar escorregar das nossas mãos, nesta altura, todo este potencial. Talvez as novas sedes destas empresas se acabem até por mudar para um qualquer paraíso fiscal, como referia o Rui Mota ontem aqui, e se percam, para além das receitas, parte significativa das receitas fiscais. Mas, como já estamos habituados a estes actos de "gestão" a coisa não parece de todo inusitada.
Outra questão diferente é a privatização da RTP e, sobretudo, das Águas de Portugal. Não deixa de ser estranho que não haja um debate sério sobre esta matéria, que os partidos da oposição não o promovam e que tanta cabecinha pensante deste país, que perora sobre tudo e mais um par de botas, se mantenha em silêncio perante o que está aí para acontecer.
O panorama dos orgãos de comunicação em Portugal é lamentável. Quando o classifico assim não me estou a referir ao seu aspecto exterior, ao figurino que passeia nas passerelles públicas todos os dias. Nesse sentido Portugal não é diferente de qualquer outro país ocidental ou ocidentalizado. A comunicação social, em Portugal como em muitos outros países, é um dos instrumentos usados pelos ricos para promover um certo modelo de vida, este modelo de vida em crise para os pobres, desenhado para engordar justamente os ricos.
A "comunicação social" não é nem mais nem menos que isso: um elemento vital nesta estratégia de condicionar sonhos e formatar o pensamento ao serviço de quem o sabe manipular. A RTP não é, também neste contexto, outra coisa senão uma ferramenta de manipulação. Mas, ao contrário do que se passa com a SIC ou a TVI, é nossa! Em última análise, temos sempre a possibilidade de questionar o seu sentido e de lhe exigir a correcção do rumo. Não sendo especialista nestas matérias, ainda assim, acho, como mero observador, que é isso que me parece que desde o 25 de Abril se tem passado quanto à RTP: um questionar constante do seu sentido e um esforço constante para lhe corrigir o rumo. Os resultados são os que conhecemos, uma desgraça. Mas a grande diferença é esta: podemos sempre exigir uma prestação de contas, porque a RTP tem de nos prestar contas. Só a nossa demissão impede que isso seja feito. As ingerências na SIC ou na TVI, conditio sine qua non, ficam entre muros (excepção feita ao episódio Sócrates & Manuela...), na RTP tudo salta naturalmente cá para fora.
O que se prepara é a doação deste poder a mais um qualquer grupo económico. O que se prepara é a existência de mais um canal que vai promover o ponto de vista do dono sobre o sistema em que acha que temos de viver, manipulando como puder, como se faz agora, sem que o possamos questionar, como agora se pode fazer. O que se prepara é uma delegação injustificada de poderes, sobre a qual, repito, ninguém parece reflectir de modo sério. O que se prepara é mil vezes mais grave que a "venda" do BPN a patacos, mas ninguém parece muito preocupado com isso.
O coro indignado dos donos dos canais privados revela apenas apreensão quanto à partilha de influência, é uma questão entre eles. Não há razão para temores. Se a privatização for para a frente (nunca se sabe...) resta-nos sempre a possibilidade de fazer ao futuro canal o que eu faço à SIC e à TVI: cortar-lhe o pio! Não me agrada assistir à operação de lavagem colectiva ao cérebro que as televisões proporcionam aos meus concidadãos, mas, pelo menos a mim, não me apanham na conversa e não me incluem nas audiências.
Outra coisa bem mais grave é aquilo que se prepara com a água. Estamos perante um bem que não podemos escolher, vital e escasso, que ao que tudo indica vai ser entregue a "privados". Para quê?! Que liberdade de escolha proporciona a entrega das Águas de Portugal à "iniciativa" privada? Que "iniciativa" é esta? O que é "privatizar" a água? Que mais valia poderia trazer? Que vantagem ignota proporciona? Para que raio serve uma operação desta natureza? Estarão os portugueses cientes daquilo que lhes vai acontecer, do modo como vão ficar condicionados no que de mais vital existe nas suas vidas? Preparam-se para entregar a gestão deste último dos nossos "baldios" a um único senhor e fica tudo calado, sem reacção?
Será que afinal brando é lorpa mesmo?
Veja-se o anunciado processo de privatizações. Já se lhe antevê um desfecho (se o desfecho vai ter ou não o sucesso desejado é outra coisa...) e creio que a maioria esmagadora dos portugueses ainda nem se deu conta do que aí vem, nem lhe adivinha as consequências.
Não falo nas privatizações dos bocados suculentos das empresas onde o Estado ainda ganha algum. Embora ache simplesmente estúpido e um acto de má gestão a perda de receitas seguras ou de posição estratégica em sectores como a energia, o transporte aéreo ou os seguros, por exemplo, nada disto me coloca dúvidas existenciais. Não se tratando de sectores vitais, parece-me um acto de simples incompetência deixar escorregar das nossas mãos, nesta altura, todo este potencial. Talvez as novas sedes destas empresas se acabem até por mudar para um qualquer paraíso fiscal, como referia o Rui Mota ontem aqui, e se percam, para além das receitas, parte significativa das receitas fiscais. Mas, como já estamos habituados a estes actos de "gestão" a coisa não parece de todo inusitada.
Outra questão diferente é a privatização da RTP e, sobretudo, das Águas de Portugal. Não deixa de ser estranho que não haja um debate sério sobre esta matéria, que os partidos da oposição não o promovam e que tanta cabecinha pensante deste país, que perora sobre tudo e mais um par de botas, se mantenha em silêncio perante o que está aí para acontecer.
O panorama dos orgãos de comunicação em Portugal é lamentável. Quando o classifico assim não me estou a referir ao seu aspecto exterior, ao figurino que passeia nas passerelles públicas todos os dias. Nesse sentido Portugal não é diferente de qualquer outro país ocidental ou ocidentalizado. A comunicação social, em Portugal como em muitos outros países, é um dos instrumentos usados pelos ricos para promover um certo modelo de vida, este modelo de vida em crise para os pobres, desenhado para engordar justamente os ricos.
A "comunicação social" não é nem mais nem menos que isso: um elemento vital nesta estratégia de condicionar sonhos e formatar o pensamento ao serviço de quem o sabe manipular. A RTP não é, também neste contexto, outra coisa senão uma ferramenta de manipulação. Mas, ao contrário do que se passa com a SIC ou a TVI, é nossa! Em última análise, temos sempre a possibilidade de questionar o seu sentido e de lhe exigir a correcção do rumo. Não sendo especialista nestas matérias, ainda assim, acho, como mero observador, que é isso que me parece que desde o 25 de Abril se tem passado quanto à RTP: um questionar constante do seu sentido e um esforço constante para lhe corrigir o rumo. Os resultados são os que conhecemos, uma desgraça. Mas a grande diferença é esta: podemos sempre exigir uma prestação de contas, porque a RTP tem de nos prestar contas. Só a nossa demissão impede que isso seja feito. As ingerências na SIC ou na TVI, conditio sine qua non, ficam entre muros (excepção feita ao episódio Sócrates & Manuela...), na RTP tudo salta naturalmente cá para fora.
O que se prepara é a doação deste poder a mais um qualquer grupo económico. O que se prepara é a existência de mais um canal que vai promover o ponto de vista do dono sobre o sistema em que acha que temos de viver, manipulando como puder, como se faz agora, sem que o possamos questionar, como agora se pode fazer. O que se prepara é uma delegação injustificada de poderes, sobre a qual, repito, ninguém parece reflectir de modo sério. O que se prepara é mil vezes mais grave que a "venda" do BPN a patacos, mas ninguém parece muito preocupado com isso.
O coro indignado dos donos dos canais privados revela apenas apreensão quanto à partilha de influência, é uma questão entre eles. Não há razão para temores. Se a privatização for para a frente (nunca se sabe...) resta-nos sempre a possibilidade de fazer ao futuro canal o que eu faço à SIC e à TVI: cortar-lhe o pio! Não me agrada assistir à operação de lavagem colectiva ao cérebro que as televisões proporcionam aos meus concidadãos, mas, pelo menos a mim, não me apanham na conversa e não me incluem nas audiências.
Outra coisa bem mais grave é aquilo que se prepara com a água. Estamos perante um bem que não podemos escolher, vital e escasso, que ao que tudo indica vai ser entregue a "privados". Para quê?! Que liberdade de escolha proporciona a entrega das Águas de Portugal à "iniciativa" privada? Que "iniciativa" é esta? O que é "privatizar" a água? Que mais valia poderia trazer? Que vantagem ignota proporciona? Para que raio serve uma operação desta natureza? Estarão os portugueses cientes daquilo que lhes vai acontecer, do modo como vão ficar condicionados no que de mais vital existe nas suas vidas? Preparam-se para entregar a gestão deste último dos nossos "baldios" a um único senhor e fica tudo calado, sem reacção?
Será que afinal brando é lorpa mesmo?
2011/08/28
Os ricos, esses pobres...
Os ricos andam numa "fona".
Depois do americano Warren Buffet (que paga 17% de impostos!) e dos "capitães da industria" francesa (do L'Oréal ao Citroën), já tivemos os italianos de Berlusconi e, hoje mesmo, os austríacos ricos. Todos querem ser taxados! Só Zapatero, certamente a pensar nas próximas eleições, deu o dito por não dito e recuou nas intenções de aumentar a taxa fiscal. Entretanto, em Portugal, o governo faz um compasso de espera para "estudar o assunto", mas, depois das declarações de Cavaco, dificilmente deixará passar esta oportunidade em querer parecer mais "social"...
Há, claro, os renitentes: à cabeça, o Amorim que "não é rico, mas trabalhador" e o homem da Jerónimo Martins, que criou um fundo de apoio para os trabalhadores daquela cadeia de supermercados a viver com dificuldades (!?).
Engraçado é ver os especialistas da matéria na SICN (ontem, um conhecido fiscalista e a directora da revista Única do "Expresso") a alertarem para o "perigo" das grandes fortunas poderem fugir de Portugal (como se essa não fosse já a realidade dos grandes grupos económicos portugueses).
De acordo com uma investigação levada a cabo pelo "Público", os vinte maiores grupos económicos em Portugal têm 74 sedes no estrangeiro. A Holanda é um dos países preferidos e, só em Amsterdão, têm sede fiscal: o BCP, a PT, a Sonaecom, a EDP, a Cimpor, a Brisa, a Sonae Industria, a Galp, a Mota-Engil, a Semapa e a Portucel...
Tudo gente trabalhadora e patriota, como é bem de ver!
Ou seja, se os pobres protestam, os ricos vão-se embora e, para estes não "fugirem", os pobres devem contentar-se com o que têm. Ou seja, nada. Como não têm nada, devem estar muito agradecidos pelo facto dos ricos quererem ser taxados. Se não fossem os ricos, nem essa ajuda recebiam.
Não é de admirar que os pobres andem cada vez mais baralhados. Quando a "esmola" é grande...
Depois do americano Warren Buffet (que paga 17% de impostos!) e dos "capitães da industria" francesa (do L'Oréal ao Citroën), já tivemos os italianos de Berlusconi e, hoje mesmo, os austríacos ricos. Todos querem ser taxados! Só Zapatero, certamente a pensar nas próximas eleições, deu o dito por não dito e recuou nas intenções de aumentar a taxa fiscal. Entretanto, em Portugal, o governo faz um compasso de espera para "estudar o assunto", mas, depois das declarações de Cavaco, dificilmente deixará passar esta oportunidade em querer parecer mais "social"...
Há, claro, os renitentes: à cabeça, o Amorim que "não é rico, mas trabalhador" e o homem da Jerónimo Martins, que criou um fundo de apoio para os trabalhadores daquela cadeia de supermercados a viver com dificuldades (!?).
Engraçado é ver os especialistas da matéria na SICN (ontem, um conhecido fiscalista e a directora da revista Única do "Expresso") a alertarem para o "perigo" das grandes fortunas poderem fugir de Portugal (como se essa não fosse já a realidade dos grandes grupos económicos portugueses).
De acordo com uma investigação levada a cabo pelo "Público", os vinte maiores grupos económicos em Portugal têm 74 sedes no estrangeiro. A Holanda é um dos países preferidos e, só em Amsterdão, têm sede fiscal: o BCP, a PT, a Sonaecom, a EDP, a Cimpor, a Brisa, a Sonae Industria, a Galp, a Mota-Engil, a Semapa e a Portucel...
Tudo gente trabalhadora e patriota, como é bem de ver!
Ou seja, se os pobres protestam, os ricos vão-se embora e, para estes não "fugirem", os pobres devem contentar-se com o que têm. Ou seja, nada. Como não têm nada, devem estar muito agradecidos pelo facto dos ricos quererem ser taxados. Se não fossem os ricos, nem essa ajuda recebiam.
Não é de admirar que os pobres andem cada vez mais baralhados. Quando a "esmola" é grande...
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