2018/08/30

O eterno retorno do fascismo (2)


Dois acontecimentos, sem ligação aparente, marcaram a agenda política europeia desta semana: as violentas manifestações de grupos neo-nazis na cidade alemã de Chemnitz e o encontro entre os líderes dos governos de Itália (Salvini) e da Hungria (Orbán), na cidade italiana de Milão.
O primeiro caso, seguiu-se a um incidente em que um alemão foi esfaqueado e morreu no hospital na sequência de ferimentos, num episódio que ainda está por esclarecer. A polícia prendeu dois suspeitos, um iraquiano de 21 anos e um sírio de 22 anos. À morte do cidadão, seguiu-se um "rastilho" de rumores nas redes sociais (de que a vítima teria tentado defender mulheres de assédio dos estrangeiros) e uma manifestação de nacionalistas, que acabou com perseguições a "pessoas que tivessem uma aparência não-alemã". As imagens desta acção persecutória foram registadas nas redes sociais e mobilizaram as forças de esquerda da cidade, que convocaram uma contra-manifestação "em defesa do bom nome e cosmopolitismo de Chemnitz, por oposição à xenofobia dos grupos nacionalistas". O que se seguiu, foi uma batalha campal, que se prolongou por dois dias, com um balanço final de 20 feridos, entre os quais dois polícias, e a prisão de 10 manifestantes acusados de fazerem a saudação nazi, ilegal na Alemanha. O caso, que continua a ser discutido nos media, veio alertar para o crescimento dos movimentos nacionalistas e xenófobos naquele país, que têm maior expressão nos territórios da antiga Alemanha de Leste. A polícia alemã também não escapou a críticas, por ter permitido a escalada de violência. Na opinião do jornalista Hans Pfeifer (Deutsche Welle) esta atitude "pode ser interpretada como falta de empatia pelas vítimas, uma vez que parte dos políticos e funcionários públicos não são o primeiro alvo da extrema-direita". Ainda de acordo com o citado jornalista, "o que aconteceu não é um atentado contra estrangeiros ou contra a extrema-esquerda, mas contra a própria democracia". O mesmo parece ter entendido o governo de Merkel, ao declarar que "não serão toleradas reuniões ilegais, nem perseguição de pessoas que pareçam diferentes, nem tentativas de espalhar o ódio pelas ruas".
O segundo caso, prende-se com uma cimeira entre dois políticos conhecidos pelas suas posições populistas e xenófobas, cujos governos têm vindo a endurecer posições relativamente a refugiados e imigrantes, que procuram entrar nos países europeus. No caso de Salvini, a recusa em salvar náufragos à deriva no Mediterrâneo, foi condenada nas mais diversas instâncias e atenta contra o direito internacional e o código marítimo, que obrigam ao salvamentos de náufragos em mar-alto. No caso de Orbán, os atropelos às leis europeias são já incontáveis, desde as sucessivas alterações à constituição, que lhe permitem controlar a justiça e a imprensa, às políticas de racismo interno (ciganos) e à imigração. Orbán declarou recentemente que "a Hungria não quer receber gente, porque não deseja que os povos se misturem". O mesmo governo que, ainda esta semana, foi acusado de ter recusado comida e abrigo a estrangeiros (considerados) ilegais, enquanto esperam passagem, dado não poderem permanecer na Hungria. Órban está, neste momento, a violar a Convenção de Genebra para Protecção dos Refugiados, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, e os próprios tratados da UE, após o Tratado de Lisboa.
Dois biltres, que apoiados pelos países da chamado "bloco soberanista" (checos, polacos, húngaros, eslovacos e italianos) desejam regressar ao passado nacionalista, que esteve na origem de guerras que devastaram o continente europeu.
É contra esta gente, que continua impunemente a passear-se pelos corredores de Bruxelas, enquanto desrespeita as regras mínimas da democracia e ameaça com boicotes ao orçamento da União, que os partidos democráticos do Parlamento Europeu devem unir-se, exigindo o cumprimento da lei em vigor na UE, condição primeira para serem membros de direito. Isto, ou a perda de apoios europeus, única linguagem que os ditadores percebem. Esta é a melhor forma de defendermos a democracia.
Como bem lembra Rui Tavares, num recente artigo de opinião ("Público" de 13.08.18): "Não é por acaso que a Constituição alemã proíbe a existência de partidos nazis ou que a Constituição da República Portuguesa contenha também uma proibição - ainda que pouco usada - contra a possibilidade de existência legal de organizações fascistas. É para não nos esquecermos de onde viemos. As nossas democracias nasceram contra o fascismo e essa história faz parte da sua razão de ser. Se nos esquecermos ou cansarmos desta história, estaremos já a caminho da regressão".    
Antes que seja tarde.
      

2018/08/28

Via Única

 foto Matt Dunham/AP
Sempre viajei e gostei de andar de comboio.
Porque é mais rápido, mais cómodo e menos poluente.
Nas viagens de médio-curso, porque compensa, em preço e tempo, o avião.
Nas viagens de longo-curso, porque é possível trabalhar, ir ao bar ou comer uma refeição.
Em muitos percursos, porque é ainda possível dormir num beliche-cama, com toda a comodidade.
Finalmente, foi nos comboios que estabeleci o maior número de contactos e amizades em viagens.
Ou seja, todas as vantagens e poucas desvantagens, em relação a outros meios de transporte.
De há uns anos a esta parte, graças à condição de aposentado, passei a usufruir de um desconto de 50% em todas as viagens internas e, caso possua um cartão nacional, de regalias similares noutros países europeus. É o caso da vizinha Espanha, mas há outros, com tarifas vantajosas.
Por razões que não vêm à colação, tenho viajado com relativa frequência na linha do Norte (Lisboa-Porto-Braga) e na linha do Sul (Lisboa-Faro). Mais regularmente no Intercidades e, com alguma frequência, no Alfa-Pendular.
E o que tenho observado, de há uns anos a esta parte, leva-me a concluir que as condições da ferrovia, desde o material circulante às estruturas, passando pelo pessoal disponível e atendimento, são hoje bastante piores do que há uma década atrás.
Agora, que toda a gente parece ter descoberto o estado calamitoso em que se encontra a maior parte das vias férreas (o jornal "Público" publicou, por estes dias, uma série dedicada ao caos existente nas linhas mais necessitadas de intervenção), sucedem-se as acusações ao governo actual (em função desde 2015) ou, da parte deste, ao governo anterior (2011-2015). No essencial, as críticas da oposição, atribuem a situação actual da ferroviária à política de "cativações" do Ministério das Finanças (que impedem o investimento do estado neste sector); enquanto o governo, justifica o mau estado da ferrovia, com a herança encontrada no sector, após os anos de austeridade a que o país esteve sujeito. Ou seja, por um lado o estado não investe, porque cativa o excedente-primário, para manter os compromissos com Bruxelas; por outro, sem investimento, a situação diária e os serviços vão continuar a degradar-se, pois deixaram de poder ser garantidos. 
Neste momento, parte das composições não são sequer utilizadas por falta de manutenção. Não existe manutenção suficiente, por falta de pessoal qualificado que, entretanto, foi passando à reforma e que não pode ser substituído sem haver concursos públicos e a necessária formação. Tudo isto leva tempo (anos) e, sem composições operacionais, a única forma de assegurar os serviços é reduzir a oferta, por uma questão de segurança. Entretanto, o governo anunciou a compra de novos comboios (para substituir composições com 50 e mais anos), o que obriga a concursos públicos internacionais, dado que Portugal, após o encerramento da Sorefame, deixou de construir material ferroviário. Por enquanto, a solução parece ser o aluguer de comboios a Espanha (Renfe), como aconteceu no passado. Acontece, que a Renfe já veio declarar que não dispõe de comboios suficientes para o próprio mercado, pelo que não se vislumbram soluções a curto prazo. Um ciclo vicioso.
Tudo isto podia ter sido previsto e evitado, caso Portugal tivesse optado - a exemplo da maior parte dos países europeus desenvolvidos - pela ferrovia em vez da rodovia, onde foram feitos os maiores investimentos, desde a adesão do país, à então CEE. Só no consulado de Cavaco (1985-1995), foram encerrados 1000km de ferrovia, tendência que continuou nos governos de Guterres (1995-2001) e Sócrates (2005-2011). Ao mesmo tempo foram construídos mais de 2000km de auto-estradas! Todos estes governos, sem excepção, encheram o país de auto-estradas (muitas delas, hoje, sub-aproveitadas) onde se transita pagando taxas obscenas, enquanto deixaram de investir na ferrovia, um transporte com futuro. Obviamente, estamos aqui em presença de um modelo de desenvolvimento errado, iniciado nos idos anos oitenta e cuja herança continuamos, hoje, a pagar. Resta saber se por incompetência, se por dolo. Provavelmente, por ambas as coisas.