2018/04/08

No país do pontapé de bicicleta


No país do "pontapé de bicicleta", os principais meios de comunicação social, dedicaram, esta semana, mais espaço e horas de televisão ao feito desportivo de um jogador de futebol e à paranóia egocêntrica de um dirigente desportivo, do que à crise na cultura, à crise brasileira, ao atentado de Munster, à guerra comercial EUA-China, aos bombardeamentos com armas químicas na Síria ou a repressão israelita na faixa de Gaza.
No país do "pontapé de bicicleta", um dos canais "informativos" (!?) mais populares, passou um excerto de uma longa entrevista do presidente Marcelo Rebelo de Sousa a um jornal galego, onde este considerou as boas "performances" económicas de Portugal, um "milagre a dois tempos" (!?): a coragem do governo anterior, ao enfrentar a crise; e os sacrifícios do povo português, que soube "compreender" (!?) a austeridade exigida. De acordo com o presidente "milagreiro", sem estes dois milagres, não haveria mérito do actual governo... 
No país do "pontapé de bicicleta" e apesar da "página da austeridade ter sido virada", os sacrifícios continuam, como alguns títulos, desta mesma semana, confirmaram: a falta de meios para a cultura e para as artes, onde um orçamento miserável de 19 milhões de euros (0,98% do PIB) é a única resposta do governo à crise do sector; a falta de meios humanos e financeiros nos hospitais;  a falta de pessoal nas escolas; ou os crimes contra o meio-ambiente, para citar apenas alguns exemplos mais gritantes.  
No país do "pontapé de bicicleta" e apesar da "página de austeridade ter sido virada" (como atestam a reposição de salários, reformas e pensões dos funcionários públicos, do "déficit" ter diminuido, da economia ter crescido e do desemprego ter baixado), o salário mínimo continua abaixo de 600euros brutos (verba prometida em 2011); o desemprego camuflado continua com precários e contratados a prazo e andará à volta dos 15% na realidade (a terceira maior percentagem da UE); o mercado de arrendamento, nas grandes cidades, tornou-se uma quimera só ao alcance de ricos (com rendas médias de 850euros em Lisboa e no Porto); a manutenção de serviços públicos (protecção civil, hospitais, escolas, transportes urbanos, meio-ambiente, etc.) deixa cada vez mais a desejar, como os repetidos acidentes, neste último ano, têm vindo a confirmar: basta lembrar o drama dos fogos (ligados à desertificação e à falta de ordenamento do território e da floresta); a crónica falta de meios humanos nas escolas e nos hospitais (que provocam esperas de anos nalgumas especialidades), ou à poluição dos principais rios portugueses, (este um verdadeiro crime ambiental, permitido por quem de direito), não falando já da falta de manutenção nos transportes públicos.  
Ou seja, pesem os bons resultados (inquestionáveis) da macro-economia, a verdade é que o país continua a funcionar a duas velocidades: por um lado, conseguem-se resultados invejáveis e elogiados por toda a Europa (o tal "milagre" de que fala o presidente); e, por outro, continuamos a "marcar passo" em áreas tão vitais para o bom funcionamento da sociedade, como as referidas acima, quando (em tese) o "saldo primário" (excedente contabilístico) obtido nos dois últimos anos, daria para investir e recuperar muitas dos atrasos estruturais de Portugal.
Porque é que isto, então, não é feito?
Muito simplesmente, porque o actual governo (na pessoa do seu ministro das finanças) considera mais importante diminuir o "déficit" e a dívida odiosa, para obter empréstimos com juros mais baixos nos mercados internacionais, do que libertar verbas do Orçamento de Estado para dinamizar o investimento e, por consequência, a própria economia.
Um plano arriscado (a chamada quadratura do círculo), onde o governo procura manter a imagem e comportamento de "bom aluno" no clube dos ricos (na procura das boas graças do Eurogrupo), ao mesmo tempo que procura manter a paz social, distribuindo migalhas do orçamento, para contentar os sindicatos e os partidos à sua esquerda, sem os quais não poderia governar.
Dado que o "jogo" (leia-se o futebol) segue dentro de momentos, as pantalhas vão voltar ao "serviço público" que melhor sabem fazer: dar mais minutos aos "pontapés de bicicleta" que é, como quem diz, continuar a "chutar a bola para canto". No fundo, a táctica das equipas medíocres. Assim, não vamos lá...