2018/09/14

O eterno retorno do fascismo (3)



A última semana foi pródiga em acontecimentos relacionados com o aumento (e rejeição), de movimentos associados à extrema-direita (vulgo fascismo), a nível internacional.
Veja-se o Brasil, um país onde o futuro teima em não chegar, apesar dos desejos expressos por gerações de brasileiros, confiantes em que, desta vez, "vai dar certo". Não sabemos o que o futuro nos trará, mas as expectativas nunca foram tão baixas.
Começou com o atentado contra Jair Bolsonaro, o candidato da extrema-direita mais retrógada do planeta, que - pasme-se! - lidera as intenções de voto para a presidência daquele país (22%), ainda que, de todos os candidatos, seja também aquele com maior percentagem de rejeição entre os votantes (44%). Um fenómeno, aparentemente inexplicável, ainda que os recentes acontecimentos no Brasil - relacionados com os sucessivos escândalos de corrupção e acusações que atingiram toda a classe política sem excepção - ajudem a compreender a trajectória deste populista de direita que, ao longo dos últimos anos, vem apelando ao golpe militar e ao regresso da ditadura, num discurso onde o racismo, a homofobia e a misoginia, fazem parte do léxico habitual.
Foi este homem, sem escrúpulos e desprovido de qualquer ideologia identificável, à excepção do ódio propagado, que foi apunhalado num comício eleitoral e que - como era expectável - subiu na cotação das sondagens pré-eleitorais. Se era preciso um mártir, ele está criado.
Ainda que a maioria dos analistas não acredite que Bolsonaro tenha hipóteses numa segunda volta, onde poderá defrontar Ciro Gomes (candidato do PDT) e mesmo Fernando Haddad (candidato do PT) a verdade é que, a confirmarem-se as projecções, o ex-militar irá à segunda-volta e só a congregação de votos democratas, poderá evitar a sua eleição. Resta saber se a direita conservadora, que andou a bater panelas contra Dilma, prefere o tresloucado capitão, ou se, num rebate de consciência, optará por um candidato com maior experiência política (Gomes), ou por um académico com provas dadas (Haddad), o qual, após o afastamento compulsivo de Lula, poderá dar um novo fôlego a um PT demasiado marcado pelo escândalo "Lava Jato".
Já na Europa, o centro das atenções esteve na Suécia, onde decorreram as eleições legislativas e no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde se votava a condenação da Hungria, por práticas anti-democráticas.
No primeiro caso, o resultado das eleições suecas (que resultou num empate técnico entre os principais facções no Parlamento, a de "esquerda" com 144 lugares e a de "direita", com 143 lugares), não permite uma solução maioritária (qualquer coligação necessita de, pelo menos, 175 lugares para governar) e não impediu o crescimento exponencial do partido de extrema-direita, racista e anti-imigração (KD) que tem agora 62 lugares, e que coloca os partidos de direita perante um dilema: ou apoiar o KD e deixar que os fascistas cheguem ao governo (como na Áustria); ou apoiar um governo democrático, criando um "cordão sanitário" (como na Holanda) para impedir que os fascistas governem. Na Suécia, o país com a maior percentagem de estrangeiros de toda a União Europeia, a questão da imigração tornou-se central em todos os debates, normalmente associada ao terrorismo, medos que a extrema-direita explora, a exemplo de movimentos nacionalistas congéneres.
Finalmente, a votação no Parlamento Europeu, pedida após um relatório da deputada holandesa Judith Sargentini (Verdes), exigindo a aplicação de sanções contra a Hungria, com base no Artigo 7º do Tratado de Lisboa e que se saldou por uma importante vitória das forças democráticas: com 448 votos a favor, 197 contra e 48 abstenções, o governo de Orbán, foi formalmente acusado de violação reiterada do estado de direito, o que de resto já tinha sido amplamente demonstrado por um relatório anterior, coordenado pelo (então) deputado português, Rui Tavares. Um "unicum" na história da UE. Segue-se um processo para aplicação das medidas penalizadoras, que terão de ser apoiadas por unanimidade, e que podem ir até ao impedimento da Hungria nas votações parlamentares e em "dossiers" tão importantes como o orçamento europeu, entre outras. Ainda que não seja de esperar uma condenação unânime por parte dos países membros (a Polónia, igualmente sujeita a uma penalização, deve votar contra), esta vitória, ainda para mais apoiada por parte da facção conservadora do Parlamento (PPE), da qual o partido de Orbán faz parte, é um passo importante na condenação de regimes autoritários dentro da UE. De registar ainda, pelo ridículo, o voto contra do Partido Comunista Português que, fiel aos seus princípios de "não-ingerência" na política interna dos países, criticou a União Europeia pela condenação da Hungria. Resta saber se, para os nostálgicos do PCP, a Hungria ainda fará parte do antigo bloco soviético. Há vícios que levam tempo a passar.